Redação do Facetubes, 20.10.2024
Hoje é o Dia do Poeta (20.10). Esta data celebra o profissional, que pode (e deve) ser reconhecido como um artista escritor, que usa de sua criatividade, imaginação e sensibilidade para escrever, em versos, as emoções que sente. O principal propósito desta data é incentivar a leitura, escrita e publicação de obras poéticas nacionais.
Mas, que tal sair da casinha e mostrar um outro olhar sobre o “efeito poesia”, o “eu poético” e outras interpretações, além dos limites líricos?
Pode-se começar observando que o ato de poetar, isto é, uma criação poética, representa sob o prisma social, uma forma de expressão que transcende a comunicação cotidiana, permitindo ao indivíduo compartilhar experiências subjetivas que refletem e influenciam o coletivo.
A poesia serve como instrumento de crítica social, meio de denúncia e veículo para questionamentos sobre a condição humana. Antônio Candido, em "Literatura e Sociedade" (1965), afirma que a literatura é uma manifestação social que reflete e intervém na realidade, sendo a poesia uma das formas mais profundas dessa intervenção.
Sob o prisma filosófico, o ato de poetar é visto como uma busca pela essência do ser e do existir. O filósofo Martin Heidegger, em "A Origem da Obra de Arte" (1935), argumenta que a poesia é uma forma privilegiada de linguagem que desvela verdades ocultas e possibilita o acesso ao ser. Para Heidegger, “a linguagem é a casa do ser”, e o poeta é o guardião dessa casa, capaz de revelar o mundo de maneiras inéditas.
No âmbito psicanalítico, Sigmund Freud e Jacques Lacan ofereceram contribuições significativas sobre o ato de poetar. Freud, em seu ensaio "O Poeta e o Fantasiar" (1908), propõe que o poeta canaliza desejos inconscientes e conflitos internos através da sublimação, transformando impulsos primitivos em obras de arte. Ele sugere que a poesia permite a expressão de fantasias e desejos reprimidos, funcionando como uma válvula de escape psíquica.
Jacques Lacan, aprofundando as teorias freudianas, aborda a relação entre linguagem, inconsciente e criação poética. Em "Escritos" (1966), Lacan enfatiza que "o inconsciente está estruturado como uma linguagem", e o poeta, ao manipular essa linguagem, revela as fissuras e deslocamentos do inconsciente. Para Lacan, o ato de poetar é uma forma de acesso ao Real, ao que está além do simbólico e do imaginário.
No que concerne ao "ser poeta", diversos pensadores exploraram essa identidade. Fernando Pessoa, em "Autopsicografia" (1931), escreve:
"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente."
Essa reflexão ilustra a dualidade do poeta, que transforma experiências reais em ficção, explorando a sinceridade através da máscara de criação artística.
Entre os poetas brasileiros, Carlos Drummond de Andrade apresenta uma visão positiva do ato de ser poeta. Em "Procura da Poesia", ele aconselha:
"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos."
Drummond enfatiza a importância da introspecção e da sensibilidade para captar a essência poética que permeia a existência.
Por outro lado, Augusto dos Anjos oferece uma perspectiva mais sombria e negativa sobre o ser poeta e a existência humana. Em "Versos Íntimos", ele declara:
"Vês! Ninguém assistiu ao formidável enterro
De tua última quimera."
Aqui, Augusto dos Anjos expressa o pessimismo e a desilusão, refletindo sobre a solidão e a incompreensão que podem acompanhar o poeta.
Em síntese, o ato de poetar é uma atividade multifacetada que, sob diferentes prismas, revela-se como uma forma profunda de interação com o mundo e consigo mesmo. Enquanto a abordagem social destaca a poesia como ferramenta de transformação e reflexão coletiva, a perspectiva filosófica a enxergar como meio de acesso a verdades essenciais.
Na psicanálise, Freud e Lacan elucidam o papel da poesia na expressão do inconsciente e na estruturação do sujeito. Poetas como Drummond e Augusto dos Anjos ilustram, através de suas obras, as diversas faces do ser poeta, enriquecendo o debate sobre o significado e a relevância da poesia na cultura e na sociedade.
Mas é de Manuel Bandeira a frase que expressa mais intensidade e a dor de ‘ser poeta’, onde a criação poética é uma experiência profunda e, muitas vezes, solitária, que nem sempre é compreendida ou acolhida pelos outros:
“Ser poeta é ser mais alto, é ser maior do que os homens! Morder como quem beija!”
Feliz Dia do Poeta.
Redação do Facetubes, 20.10.2024