Redação do Facetubes
Neste 2024 a obra mais contundente da francesa (Paris/Montparnasse) Simone de Beauvoir fez 75 anos: o Segundo Sexo. Isso a deixa ainda mais no centro dos debates sobre a igualdade entre homens e mulheres. Filósofa, romancista, memorialista e ensaísta, sua trajetória está intimamente ligada a outro grande pensador do século XX: seu companheiro, o existencialista Jean-Paul Sartre (Cohen-Solal, 1987).
Aos 15 anos Simone decidiu ser escritora e começou a estudar letras clássicas e matemática antes de se interessar pela filosofia. em 1929 formou-se pela Universidade de Paris. Tornou-se professora. Nesse ambiente acadêmico conheceu Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e outros jovens intelectuais. Juntos, fundaram a revista "Les Temps Modernes", que se tornou um importante veículo de divulgação do existencialismo e de debates políticos e sociais (Beauvoir, 1963).
A relação com Sartre foi marcada por uma profunda conexão intelectual e emocional. Ambos rejeitaram as convenções do casamento tradicional, defendendo a liberdade individual e a proteção nas relações humanas (Cohen-Solal, 1987). Simone descrevia Sartre como um gênio e seu "amor necessário", enquanto mantinham outros relacionamentos considerados "contingentes" (Bair, 1990).
Em 1949, Simone de Beauvoir publicava "O Segundo Sexo" , obra monumental que se tornaria um marco do feminismo (Beauvoir, 1949). Dividida em dois volumes, a obra analisa a condição feminina sob perspectivas biológicas, psicanalíticas, históricas e sociológicas. Beauvoir questiona os mitos e construções sociais que definem a mulher como o "Outro" em relação ao homem, argumentando que não há essência feminina intrínseca, mas que a feminilidade é uma construção social: "Não se nasce mulher, torna-se mulher" ( Beauvoir, 1949").
(FOTO: O jornalista Mhario Lincoln, editor-sênior desta Plataforma do Facetubes (www.facetubes.com.br), vem lendo há duas semanas esses dois volumes sobre o "Segundo Sexo" e falou à reportagem: "Em ‘O Segundo Sexo’, Simone de Beauvoir oferece uma crítica incisiva e inovadora sobre a condição feminina, desvendando as raízes históricas e culturais da opressão das mulheres e propondo uma visão radicalmente nova da liberdade e identidade feminina.”)
No primeiro volume, Beauvoir explora como diferenças biológicas foram utilizadas para explicar a subordinação das mulheres, argumentando que tais diferenças não são suficientes para explicar a desigualdade de gênero (Simons, 1999). Ela critica o mito do "eterno feminino", que reduz as mulheres a arquétipos idealizados como a mãe, a virgem ou a musa, negando-lhes individualidade e agência (Kristeva, 2008).
O segundo volume aprofunda uma análise, examinando como, em cada etapa da vida, como as mulheres são socializadas para abdicar de sua subjetividade em favor de papéis passivos e alienados (Moi, 1994). Beauvoir destaca que as mulheres também comentaram para sua própria submissão ao aceitarem essas imposições sem questionamento. Ela defende que a emancipação feminina passe pela transcendência, incentivando as mulheres a assumirem projetos próprios e a atuarem no mundo nas mesmas condições que os homens (Delphy, 1995).
A escrita de Beauvoir é notável por sua utilização em primeira pessoa, uma escolha estilística que reforça a dimensão pessoal e política de sua obra. Ao se posicionar como sujeito de seu discurso, ela desafia a objetividade pretensamente neutra da academia, afirmando "a aventura de ser ela mesma" (Beauvoir, 1963, p. 27).
A repercussão de "O Segundo Sexo" foi ampla e diversa, gerando debates que se estendem até os dias atuais. Estudos sobre a condição feminina e o gênero dividem-se entre os chamados beauvoiristas, que adotam uma perspectiva universalista focada nas estruturas sociais que moldam o "ser mulher", e os diferenciais, que enfatizam as especificidades e singularidades do gênero (Delphy, 1995).
A partir da década de 1990, houve uma renovação do interesse pela obra de Beauvoir, impulsionada pelas comemorações do centenário de seu nascimento e dos cinquenta anos de publicação de "O Segundo Sexo" (Kristeva, 2008). Novas leituras análises e aprofundaram a compreensão de seu pensamento, evidenciando sua relevância contínua para as discussões contemporâneas sobre feminismo, identidade e liberdade (Simons, 1999).
Em suma, Simone de Beauvoir deixou uma contribuição inestimável à filosofia e ao feminismo. Sua obra desafia os leitores a questionar construções sociais arraigadas e a buscar uma existência autêntica e livre. Como ela mesma exemplificou, trata-se de assumir a responsabilidade por si e pelo mundo, na incessante aventura de ser.
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Referências Bibliográficas:
Bair, D. (1990). Simone de Beauvoir: Uma Biografia . Nova Iorque: Summit Books.
Beauvoir, S. de (1949). Le Deuxième Sexe . Paris: Gallimard.
Beauvoir, S. de (1963). A força das escolhas . Paris: Gallimard.
Cohen-Solal, A. (1987). Sartre: Uma Vida . Nova Iorque: Pantheon Books.
Delphy, C. (1995). "Simone de Beauvoir e a emancipação das mulheres: uma abordagem diferente para o segundo sexo". Em: Estudos Feministas , 21(3), pp. 519-530.
Francis, C. e Gontier, T. (2002). Simone de Beauvoir: O Olhar por Trás das Lentes . São Paulo: Editora Unesp.
Kristeva, J. (2008). Simone de Beauvoir: La Révolution du Sujet Féminin . Paris: Éditions de l'Herne.
Moi, T. (1994). Simone de Beauvoir: A formação de uma mulher intelectual . Oxford: Blackwell.
Simons, MA (1999). Beauvoir e o Segundo Sexo: Feminismo, Raça e as Origens do Existencialismo . Lanham: Rowman & Littlefield.