Elvandro Burity, membro da Academia Poética Brasileira, vice-presidente regional APB, seccional Rio de Janeiro.
O fato de "discordar" fixa a faceta que poderá caracterizar o íntimo do animal pensante em sua vida comum, pois, imaginamos que sua memória estará sempre fazendo análises ligadas ao sentido de "tudo" comparar, tirando disso "consciência “do "é" e do que "não é". Em verdade não há nada mais surreal e alheio a qualquer representação do que a nossa própria realidade.
Há períodos em que nos afastamos do nosso ambiente social, por motivos de obrigações de nossos afazeres, desavenças e até de nossos amigos. Mesmo assim, tal posicionamento, não quer dizer que os mesmos devem estar ausentes de nossas memórias e orações ou que não estejamos torcendo para o sucesso de seus empreendimentos.
O interessante do trem da vida é que às vezes somos conduzidos a situações que nos colocam até contra os interesses de uma sincera amizade. Como ser amigo gera amizade... Amizade que gera um sentimento... Sentimento que gera adrenalina... Adrenalina que completa o "mix"... "Mix" que altera o êxtase do nosso conjunto racional e emocional. Neste estágio para exercitar-se "o direito de dizer não...", isto é, o direito de discordar devemos levar em conta o racional e nunca o emocional. Caso contrário, por um gesto emocional, poderemos arcar com as possíveis consequências e ônus.
O interessante é que quando não nos deixamos levar pelo emocional e orientados pelo nosso racional, exercermos o direito de dizer não, aqueles que se encontram na outra ponta do "iceberg" se tornarão "indiferentes" por não terem sido atendidos em suas pretensões. Ouso desafiar quem nunca passou por tal situação. Várias vezes passei pelo constrangimento de
receber um sonoro "não". Neste quadro só nos resta entregar ao tempo: o senhor de tudo. Tempo que é o responsável pela solução de todos os problemas... Reconstruindo corações... Curando machucados... Vencendo tristezas... Mesmo que a decepção tenha, um dia, invadido o nosso coração, devemos ter a certeza de que Deus não desampara ninguém Disse Jesus: "Aquele que dentre
vós estiver sem pecado, seja o primeiro que lhe atire a primeira pedra".
Poucos foram aqueles que num determinado momento de suas vidas nunca exercitaram "o direito de dizer não. "
Lembremo-nos de que as experiências de vida estão nas mãos e na cabeça. O coração não acumula experiências. Somos o que somos, isto é, colocamos à disposição de nossos semelhantes, nesse Mundo, o que conseguimos ser por aptidões do nosso armazenamento. A idade faz com que, a cada dia, a cada bom combate, nossa estocagem de experiências aumente e possamos criar uma couraça, isto é, passamos a ter uma visão mais clara dos prós e contras com que nos defrontamos na vida. O importante é conhecermos nossos limites. Inventar mil notas é bobagem. Esta configuração efetua a formação de nosso real "retrato", que assim passa a ser a figura do que "somos".
Discordar é opinar, sendo essa opinião a afirmação que buscamos no plano de nossas decisões, após ponderar sobre nosso entendimento do que está sendo discutido. O ser humano maduro deve estar em condições de expressar sua opinião no momento em que for "solicitado" e, assim, traduzir em afirmações o que conhece sobre aquilo que se aborda.
De degrau em degrau, chegamos à conclusão: o convívio entre os homens está calcado na esperança de que cada um possa colocar à disposição dos demais um trabalho constante no sentido de incentivar trocas que devam ser feitas entre todos.
Entretanto, as trocas às vezes ultrapassam as limitações do racional de uns, que ponderadas pelo emocional de outros podem trazer irreparáveis consequências.
Dito isto, podemos até fazer algumas introspecções:
1 - Será normal usar o direito de discordar pelo discordar?
2 - Será normal dizer "NÃO"?
Seja a resposta positiva ou negativa, dependendo do lado em que estivermos, teremos a sensação de frustração, uma vez que nem sempre a resposta será a esperada.
Discordar e dizer não - é um direito do ser humano e que só poderá ser exercido no seio da comunidade que o abriga, pois, para tanto necessita da figura do "outro", que afirma aquilo que ele não aceita como tese e muito menos como axioma. Dizem que da "discussão nasce a luz", devendo-se considerar a discussão como a sequência das argumentações e, que nos fazem concluir que: discordar é buscar o contexto de equilíbrio das opiniões engendradas pelos humanos.
Ao exercitarmos o direito de discordar ou de dizer não devemos nos lembrar que só é escravo de opiniões aquele que desconhece suas próprias forças... E, que muitas das vezes, por ignorância ou inocência, ao nos deixarmos levar pelo racional ou pelo emocional, tomarmos decisões, que desconhecendo o potencial inesgotável de livre-arbítrio e, poderemos não exercitar em toda plenitude e de maneira consciente o direito de dizer não...
Quando discordamos ou dizemos não, indubitavelmente, estaremos contrariando a uma pessoa, a várias pessoas ou a um grupo. Como falado no dito popular: " m-e-l-o-u". Em se tratando de um gesto rotineiro, teremos poucas chances de não sermos taxados como aquele que é sempre do contra. Eventualmente, tal pessoa poderá ser, friamente, gabaritada como o "lobo", para sob o prisma das palavras do dramaturgo Plauto, retomadas pelo filósofo Hobbe indicar que é "o pior inimigo do ser humano".
Dito isto podemos fazer algumas ilações:
Primeiro - Será que podemos afirmar que essa mescla existencial é resultante de que quando exercitamos o "ato de discordar" as ações ganham cores vivas e tornam-se passíveis de serem vistas como " rebeldia" ou "traição"?
Segundo - Será pela falta de interesse, pela ausência do ato de discordar ou até mesmo do gesto subliminar de "dizer não" seremos tido como "indulgentes", "fraternos" ou "amigos"? Seremos incluídos no rol dos possuidores de uma fraca personalidade. Ou seremos inseridos no rol daqueles que prestam um "desserviço"? Não importa quais sejam as respostas. Meditemos.
Nós todos, temos o direito de discordar e dizer não. Devemos usá-lo como uma arma para evitar as incursões que chegam escamoteadas de boas intenções...
Quem fizer uso do DIREITO DE DIZER NÃO... deve fazê- lo colocando a razão acima da emoção... Mesmo diante da grande possibilidade de errar, tendo como aliado a razão, poderá existir alguma chance de acertar, se aliado da emoção. Acertando ou errando faça-o consciente e, não lamente o leite derramado ou a amizade perdida. Não temos o direito e nem devemos nos considerar um Judas pelo fato de em determinado momento termos exercitado o direito de dizer não...
O direito de dizer não.. Não deve ser confundido com a "indecisão" que é a falta da capacidade de decidir. Também podemos considerar como "cautela". Caberá, portanto, a cada um encontrar o seu ponto de vista limítrofe. Paralelamente, também, a partir do momento em que o direito de discordar for exercido, não há porque entrarmos em depressão ou cultivarmos o sentimento de culpa.
Aos opostos, e neles, dependendo da situação, estou incluído, por várias vezes exercitei o direito de dizer não... ora motivado pela emoção... ora pela razão... Oscilando, como ser humano imperfeito, no tênue limítrofe do equilíbrio.
Cabe lembrar que neste tobogã de contrariedades, a vida, constantemente, nos apresenta, verdejantes pastagens e nelas observamos grandes queimadas patrocinadas pelo próprio homem, ou seja, nada é perfeito.
Infelizmente, com muita propriedade, assim se expressou François Poitou - duque de La Rochefoucauld (1613-1680), crítico e escritor:
"Só achamos que as pessoas têm bom senso quando são de nossa opinião".