Augusto Pellegrini
Outro arranjador que transformou o conceito de jazz orquestrado foi George Russell, que deu início ao seu trabalho revolucionário ainda na década de 1940. Russell rompeu com aquela harmonia originada pela música orquestral europeia dos primeiros anos do século vinte e se fixou apenas nos elementos sugeridos pelo jazz, criando improvisações baseadas no que ele chamou de “Lydian Chromatic Concept of Tonal Organization” (Conceito Cromático Lídio de Organização Tonal), usado em escalas musicais medievais (sendo que Lídio se refere à Lídia, antigo país localizado próximo à Grécia e à atual Turquia, na Ásia Menor).
Este conceito cromático abriu a cabeça de muitos músicos que vanguardizaram o jazz nos anos 1950 e 1960, entre outros o próprio Miles Davis e o saxofonista John Coltrane.
Com base nos experimentos de Gil Evans e George Russell e na eclosão do free-jazz, alguns músicos formaram orquestras às quais denominaram “free big bands”, uma transição significativa entre aquilo que restara do swing para uma absoluta liberdade tonal que sugeria uma grande desordem, mas continha elementos interessantes que aguçavam a intelectualidade dos jazzófilos.
O jazz inaugurava definitivamente uma fase diferente, onde pausas e acordes não ortodoxos e até ruídos estrategicamente colocados falavam mais alto de que o ritmo e o balanço, dentro de uma harmonia quebrada e de uma linha melódica indefinida.
E isso em menos de dez anos depois que o entusiasmo do swing começou a arrefecer!
A música às vezes soava contemplativa e outras vezes cacofônica e agressiva, sofrendo uma evidente influência de John Cage, um misto de pintor, escritor, poeta e músico experimentalista, que entre outras coisas compôs em 1952 uma peça chamada “4:33”, correspondendo a quatro minutos e meio de absoluto silêncio, com o pianista sentado ao piano sem emitir um único som!!!
Uma das “free big bands” mais representativas da época foi aquela comandada pelo compositor e contrabaixista Charles Mingus, onde a improvisação coletiva se constituía no “tour de force” de uma orquestração que exaltava fortes e curtas passagens de solistas, aí incluindo o próprio Mingus.
Charles Mingus tinha o orgulho obsessivo de ser um músico de jazz diferenciado e de ser um cidadão negro “que não se curvava diante das constantes atribulações que a cor da pele lhe causava”.
Ele tinha a própria definição para o que considerava ser jazz: “Jazz is black classical music” (“Jazz é música clássica negra”), opinião compartilhada por quem entendia dos dois lados – jazz e erudito – como o maestro e pianista Leonard Bernstein.
Mingus na verdade era um músico de hard-bop que havia se antecipado ao movimento free, e por isso não se identificava muito com os principais representantes do free-jazz, como Ornette Coleman, Archie Shepp, ou mesmo John Coltrane.
Ele exaltava os músicos que haviam contribuído para que o jazz se tornasse a arte do intérprete, desde o pianista Art Tatum até o saxofonista Charlie Parker, passando pelo pianista Bud Powell, pelo baterista Max Roach, pelo saxofonista Sonny Rollins e pelo seu favorito, o maestro Duke Ellington.
O estilo “avant-garde” de Charles Mingus produziria no futuro outras orquestras de contexto mais arrojado, como a Jazz Composers Orchestra, comandada pela pianista Carla Bley e pelo trompetista Mike Mantler, que se arriscava em incursões que chegavam até ao mundo da ópera, e a mirabolante Sun Ra Cosmic Arkestra, que misturava o som robusto extraído de Count Basie e Duke Ellington com fortes pinceladas cênicas, como recitação, teatro e balé, numa espécie de happening experimental.
O som de vanguarda desaguou no final dos anos 1970 com grandes orquestras que praticavam uma experimentação tonal explorando os naipes de instrumentos com pequenas doses de swing. Entre as diversas orquestras que ingressaram neste estilo, vale um destaque especial para a Thad Jones-Mel Lewis Orchestra, a Akyioshi-Tabackin Big Band e a Clarke-Bolland Big Band, curiosamente, todas lideradas por dois músicos.
Parecia que o swing propriamente dito dificilmente voltaria a se reerguer, apesar da força experimentada pelas orquestras nos últimos anos do século vinte.
Manter bandas de dixieland em locais específicos para um público específico era fácil, considerando a quantidade de músicos e o custo de manutenção envolvido, mas fazer o revival do swing parecia uma tarefa impossível.
Parecia, mas não foi.
A necessidade de reviver antigos sucessos de Benny Goodman, Count Basie e outros band leaders do passado, e principalmente a necessidade de produzir música como entretenimento para dança, fez surgir um novo swing, talvez um pouco diferente, mas que trazia na sua essência uma proposta que fazia lembrar os anos 1930.
O neo-swing estava na praça.
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