Redação do Facetubes
O Facetubes (www.facetubes.com.br) acabou descobrindo através de seu grupo de pesquisas, um dos mais importantes manifestos já escritos por Federico García Lorca sobre uma fome que transcende as necessidades físicas: a fome da alma. Lorca eleva um clamor pelo que realmente sustenta a essência humana, enfatizando que "nem só de pão vive o homem". Aliás, esse mesmo tema havia sido sugerido (para publicação no Facetubes) pela imortal APB-PR, poeta Carmen Regina Dias.
Muito válida a indicação porque, segundo o próprio Lorca, "(...) se eu estivesse faminto e desabrigado, pediria não um pão inteiro, mas meio pão e um livro (...)". isto é, a fome do corpo é temporária e pode ser saciada, mas a fome do espírito, a sede pelo conhecimento, é uma agonia interminável se não for nutrida.
Lorca critica veementemente aqueles que "respeitam a dignidade humana" (como) "meras necessidades materiais", negligenciando o valor das reivindicações culturais que realmente elevam e libertam os povos. Ele reconhece a necessidade básica de todos se alimentarem, mas ressalta a importância essencial de que todos tenham acesso ao conhecimento, ao "fruto do espírito humano". Sem isso, as pessoas tornam-se máquinas, ferramentas a serviço de uma sociedade desprovida de alma.
O apelo de Lorca ressoa através do tempo: "Livros! Livros!". Para ele, essa palavra é tão mágica quanto "amor". Ele lembra a história de Dostoiévski que, exilado na Sibéria, cercado pelo frio e pela fome, não pediu fogo, comida ou água, mas livros — porque os livros são horizontes, escadas para a ascensão da alma.
Como ressalta Kofi Annan: "O conhecimento é poder. A informação é libertadora. A educação é a premissa do progresso, em cada sociedade, em cada família." Essa citação reforça a visão de Lorca sobre a importância crucial do conhecimento para a verdadeira liberdade e dignidade humana.
Vale conhecer um pouco mais Federico García Lorca: (1) Lorca foi um dos principais integrantes da chamada Geração de 27, um influente grupo de poetas que revolucionou a literatura espanhola no início do século XX. (2) Além de poeta e dramaturgo, Lorca também foi pianista e compositor, incorporando elementos musicais em suas obras literárias. (3) Manteve relações estreitas com figuras proeminentes como Salvador Dalí e Luis Buñuel, colaborando em projetos que unem literatura, pintura e cinema. (4) Em 1936, no início da Guerra Civil Espanhola, Lorca foi executado* pelas forças nacionalistas devido às suas ideias liberais e à defesa dos direitos das minorias, tornando-se um símbolo da repressão franquista. (5) Durante o regime de Franco, suas obras foram censuradas na Espanha, só sendo plenamente reconhecidas e publicadas no país após a morte do ditador, em 1975.
O DISCURSO
"Já disse o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais verdadeiros da Europa, que o lema da República deve ser: «Cultura». Cultura porque somente através dela se pode resolver os problemas que hoje debate o povo, cheio de fé, porém falto de luz". (García Lorca).
GARCÍA LORCA: MEIO PÃO E UM LIVRO (EXCERTO)
Discurso do poeta Federico García Lorca na sua cidadezinha de ‘Fuente Vaqueros’ (Granada, Espanha), em setembro de 1931.
"Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou mesmo a uma festa de qualquer índole que seja, se a festa é de seu agrado, imediatamente lembra e lamenta que as pessoas que ele ama não se encontrem ali. «Minha irmã e meu pai gostariam de estar aqui», pensa, e não desfruta mais do espetáculo, a não ser através de uma leve melancolia. Esta é a melancolia que eu sinto, não pela gente de minha casa, o que seria pequeno e ruim, mas por todas as criaturas que por falta de meios e por desgraça não desfrutam do supremo bem da beleza que é vida e bondade, serenidade e paixão. Por isso nunca tenho um livro, porque presenteio todos que compro, que são numerosos, e por isso estou aqui honrado e contente em inaugurar esta biblioteca da cidadezinha, a primeira seguramente de toda a província de Granada. Não só de pão vive o homem. Eu se tivesse fome e estivesse à míngua na rua não pediria um pão; pediria meio pão e um livro. E daqui eu ataco violentamente aos que somente falam de reivindicações econômicas sem jamais apontar as reivindicações culturais que é o que os povos pedem aos gritos. Bem está que todos os homens comam, porém que todos os homens saibam. Que desfrutem de todos os frutos do espírito humano porque o contrário seria convertê-los em máquinas a serviço do Estado, seria convertê-los em escravos de uma terrível organização social. Eu tenho muito mais pena de um homem que quer saber e não pode, do que de um faminto. Porque um faminto pode acalmar sua fome facilmente com um pedaço de pão ou com umas frutas, porém um homem que tem ânsia de saber e não possui os meios, sofre uma terrível agonia porque são livros, livros, muitos livros o que necessita e onde estão estes livros?
"Livros! Livros! Aqui está uma palavra mágica que equivale a dizer: «amor, amor», e que deveriam pedir os povos como pedem pão ou como desejam a chuva para suas colheitas. Quando o insigne escritor russo Fiodor Dostoievski, pai da revolução russa muito mais que Lênin, estava prisioneiro na Sibéria, afastado do mundo, entre quatro paredes e cercado por desoladas planícies de neve infinita; e pedia socorro em carta a sua família distante, somente dizia: «Envia-me livros, livros, muitos livros para que minha alma não morra!». Tinha frio e não pedia fogo, tinha uma sede terrível e não pedia água: pedia livros, ou seja, horizontes, escadas para subir a montanha do espírito e do coração. Porque a agonia física, biológica, natural, de um corpo por fome, sede ou frio, dura pouco, muito pouco, mas a agonia da alma insatisfeita dura a vida inteira. Já disse o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais verdadeiros da Europa, que o lema da República deve ser: «Cultura». Cultura porque somente através dela se pode resolver os problemas que hoje debate o povo, cheio de fé, porém falto de luz".
Setembro de 1931
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Notas de rodapé
Federico García Lorca foi morto por ser revolucionário, por criticar o patriarcal em defesa do matriarcal; por reconhecer o valor da cultura muçulmana na Península Ibérica, por defender os direitos do homem contra a alienação de estados autoritários, por igualar classes e raças, como fez com a população cigana; por ter perdido o punho na mesa contra o capitalismo e a mais inútil burguesia, ou por igualar homossexualidade e heterossexualidade. Lorca foi assassinado por enfrentar a extrema direita que logo derrubaria a Segunda República Espanhola. Quando Lorca foi preso, aparentemente em uma operação policial grande o suficiente para prender um único homem, o poeta foi acusado de três crimes: “ser espião dos russos, estar em contato com eles por rádio, ter sido secretário de Fernando de los Ríos e ser homossexual”. (https://midianinja.org/)
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