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Exclusivo: uma leitura das obras de Franz Kafka, de Leonardo de Magalhaens

LdeM é mineiro e colaborador espontâneo do Facetubes.

08/11/2024 às 08h27 Atualizada em 08/11/2024 às 08h42
Por: Mhario Lincoln Fonte: Leonardo de Magalhaens
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Arte: mhl
Arte: mhl

 

O Processo 
O Castelo 

Leonardo de Magalhaens

 

Kafka: um judeu que perdeu a fé 

Franz Kafka foi um homem de família judaica que vivia em Praga, uma importante cidade tcheca, com cultura alemã, do império Austro-húngaro. As muitas identidades, até antagônicas, o tensionavam diariamente. Como seria ser judeu e tcheco e de cultura alemã? Seria possível uma identidade coerente? Talvez uma identidade 'funcional' fosse possível...

Estas incoerências levavam o sujeito a um constante questionamento de si mesmo e dos outros. Se não sei quem sou eu, como saberei sobre o outro, o que esperar do outro?

Tendo perdido a fé na religião da família, o judaísmo, Kafka em si conservou a base metafísica da crença hebraica: o Deus Único Altíssimo Transcendente. Um Deus Soberano e Inacessível.

Para um Islâmico tal definição faz sentido, pois é o mesmo Deus, Iavé, Ieovah e Allah, Criador e Juiz. Para um cristão, já há uma visão de Deus Transcendência e Imanência ao mesmo tempo. O Deus cristão desceu até a humanidade.

O Deus que habitava a mente de Kafka continuava inacessível. E sem fé e sem oração, ou intercessão, o mundo se fazia absurdo. Assim como parecia absurdo ao filósofo argelino e francês, ateu, Albert Camus.

É ao Deus inacessível do mundo absurdo que se dirige o olhar do jovem judeu tcheco de lingua alemã Kafka. É um monoteísmo severo que o atordoa. 

Não é um monoteísmo de confiança de um Abraham, ou um henoteismo de Akhenaton, ou um dualismo de Zoroastro, mas um monoteísmo de leis e regramentos de Moisés. Estamos todos sendo processados no Juízo Divino.

Reféns do pecado, precisamos cumprir estritamente e sem falhas os 613 mandamentos. Poucos de nós conseguimos cumprir os 10 principais! 

Entre o homem e o Divino está a Lei severa, soberana, cheia de ritual,  que sobrecarrega ... E sem certeza de salvação. Sem a Misericórdia Divina não há nada que o ser humano possa fazer.

O homem que deseja adentrar o Castelo, o ponto mais alto, deve passar por provas e acusações e suspeitas e  injustiças até se mostrar digno de ver a Autoridade. 

É certo que muito do que Kafka entendia por autoridade vinha da figura do pai, homem severo e sem diálogo. Assim a visão quanto ao Pai Celestial era embaçada pela lente com a qual o jovem via o pai terreno. A mesma severidade do pai aqui era transferida ao Pai de Além. 

Uma autoridade arbitrária e inacessível que dita a vida e a morte dos aldeões, e faz todo um povo girar em torno de regramentos e de caprichos, ao interesse do poder do Homem no Castelo. Quem ousa ir contra a supremacia? Um forasteiro? Um homem que se julga livre?

Diante de Deus Todo Poderoso é difícil imaginar uma liberdade. É a questão do livre arbítrio. Com uma Vontade Divina não há espaço nem vez para uma vontade humana. "Seja feita a Tua Vontade assim na terra como no Céu."

Caso a liberdade não fosse também uma oferta da Graça Divina os humanos seriam meros 'robôs' da Divindade. Como marionetes poderiam demonstrar fé e louvor? 

Que Deus é Altíssimo não há dúvida. Deus é inacessível e só revela o que é de Sua Vontade. A Vontade Divina está lá no Alto da Coroa, ou Keter, e de lá se irradia através da Sabedoria e do Entendimento, e atinge, através do Conhecimento e da Harmonia e da Intuição, o mundo da matéria e da manifestação, Malkuth. 

Esta visão cabalística era de plena ciência de Kafka e podemos ver bem nos comentários de Gershom Scholem e de Walter Benjamin, os primeiros críticos a se ocuparem com as obras do excêntrico autor judeu tcheco de lingua alemã chamado Kafka.

O autor de O Processo e O Castelo é um homem que perdeu a fé na religião de sua origem, mas manteve na sua  cosmovisão o Deus Altíssimo e severo que pensava ter rejeitado. Kafka que abandonou a Divindade e se sentia abandonado! Kafka que julgava o Eterno absurdo e que, assim, sentia o mundo absurdo!

O fato é que o homem pode rejeitar e pode abandonar ao Deus Altíssimo, mas o Divino não abandona os seres da criação. É o homem que perde a Sintonia com o Divino, pois a Presença de Deus está sempre lá irradiando a Luz que sustenta o Cosmo.

Assim como antes uma mente da potência de um Friedrich Nietzsche sucumbiu na descrença, a mente ativa e criativa de um Franz Kafka naufragou nas águas turvas do desamparo. Mesmo as mentes mais talentosas da nossa geração se sentem impotentes sem o Sentido da Vida. E este Sentido só vem da Contemplação justamente do Inacessível.


Nov.24
LdeM 

 

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