*Equipe de pesquisas do Facetubes com Mhario Lincoln (redação final).
Claro e evidente que o ZUMBI dos Palmares foi o ponto de partida para a construção da ideia do Dia Nacional da Consciência Negra. Porém, há de se valorizar também, aqueles que vieram depois e deram suas vidas para que tal fato continuasse a exercer a mesma força individual que une os preceitos e objetivos. São inúmeros nomes que vieram há um, dois ou séculos, antes, e continuam a exercer essa força de união.
Em livros, peças, quadros, poesias, há sempre uma força uníssona garantindo que a união de valores nunca se deixe vencer. Entre elas, segundo uma das coletâneas mais importantes da história brasileira - ANTOLOGIA DA POESIA AFRO-BRASILEIRA - 150 anos de consciência negra no Brasil - organizada por Zilá Bernd - é um marco para quem quer realmente sentir (esse é o termo) a grandiosidade da influência direta de todas as artes nessa sustentação do pensamento negro no país.
Isso porque, a literatura afro-brasileira constitui-se como espaço de resistência cultural, política e estética, promovendo a afirmação identitária de todos. Assim, mesmo que no Dia da Consciência Negra, seja celebrada a resistência e a contribuição inestimável de Zumbi dos Palmares é imperativo reconhecer a importância de vários outros nomes que são verdadeiros baluartes da Consciência Negra no Brasil.
Um deles tem lugar obrigatório nessa luta: Luiz Gama (1830-1882), poeta, advogado e abolicionista que desempenhou um papel fundamental na luta contra a escravidão no Brasil. Seu poema "Quem sou Eu", também conhecido como "Bodarrada", é uma obra marcante que aborda questões de identidade, resistência e afirmação da negritude em um período marcado pela opressão racial.
Em "Quem sou Eu", Luiz Gama utiliza a ironia e a sátira para confrontar os estereótipos raciais e desafiar as estruturas sociais da época. Ao se apropriar de termos pejorativos usados contra os negros, como "bode", ele ressignifica essas palavras, transformando-as em símbolos de orgulho e resistência. O poema é escrito em primeira pessoa, o que coloca o sujeito negro no centro da narrativa, rompendo com a tradição literária que retratava o negro apenas como objeto ou tema secundário.
Desta forma, Luiz Gama contribuiu significativamente para a formação da identidade brasileira ao inserir a voz e a perspectiva afro-brasileira na literatura nacional. Sua poesia não só expressa a experiência do negro escravizado como também reivindica espaço e reconhecimento na sociedade.
Segundo o pesquisador Eduardo de Assis Duarte, “Luiz Gama inaugurou uma nova postura na literatura brasileira, trazendo o negro para o protagonismo de sua própria história e influenciando profundamente a consciência nacional” (Duarte, 2011). A historiadora Wlamyra R. de Albuquerque também confirmou a importância de Gama, afirmando que sua atuação foi crucial para a mobilização contra a escravidão. Ela enfatiza que “a poesia de Luiz Gama desempenhou um papel essencial na denúncia das injustiças e na promoção da identidade afro-brasileira como parte integrante da formação do país” (Albuquerque, 2009).
"Eu sou filho da raça preta,
De origem humilde e pobre,
Mas levo a frente erguida
E o coração nobre."
(Luiz Gama/"Quem sou Eu")
Vale ainda ressaltar com grande manifestação de carinho e apreço, com relação à identidade afro-brasileira, grandes nomes também citados na ANTOLOGIA DA POESIA AFRO-BRASILEIRA:
Cruz e Sousa: O Cisne Negro do Simbolismo, é considerado o principal representante do Simbolismo no Brasil. Filho de escravos alforriados, sua poesia é marcada por profunda musicalidade e temáticas que exploram a angústia existencial e o preconceito racial. Obras como "Missal" (1893) e "Broquéis" (1893) destacam sua genialidade e sensibilidade artística, influenciando gerações posteriores.
Abdias do Nascimento: Arte e Militância, poeta, ator, dramaturgo e um dos mais importantes ativistas pelos direitos dos negros no Brasil. Fundador do Teatro Experimental do Negro em 1944, utilizou a arte como ferramenta de combate ao racismo e de valorização da cultura afro-brasileira. Sua obra literária e teatral promove a consciência racial e o orgulho da negritude.
Lino Guedes: Voz do Jornalismo Negro, jornalista e poeta, reconhecido por suas crônicas e poemas que abordavam a discriminação racial e a luta por igualdade. Atuou em jornais como "O Clarim da Alvorada", veículo importante na divulgação das questões negras. Sua obra contribuiu para a formação de uma consciência coletiva sobre a realidade dos afro-brasileiros.
Solano Trindade: O Poeta do Povo, poeta, ator e folclorista, conhecido por exaltar a cultura popular e a herança africana. Fundador do Teatro Popular Brasileiro, suas poesias, como "Tem gente com fome", retratam as injustiças sociais e dão voz aos marginalizados. Sua atuação foi fundamental para a disseminação da arte negra como forma de resistência.
Tem gente com fome
Solano Trindade
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Pisiuuuuuuuuu
Oswaldo de Camargo: Guardião da Literatura Negra, poeta e jornalista. Sua obra é dedicada à preservação e divulgação da literatura afro-brasileira. Livros como "O Negro Escrito" (1987) resgataram a produção literária de autores negros, promovendo o reconhecimento e a valorização dessas vozes na história literária nacional.
Oliveira Silveira: Idealizador do Dia da Consciência Negra, poeta e historiador, um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra. Sua poesia, presente em obras como "Banzo, Saudade Negra" (1970), reflete sobre a identidade afro-brasileira e a importância da memória histórica. Silveira foi fundamental na institucionalização dos dados em homenagem a Zumbi dos Palmares.
Domício Proença Filho: Acadêmico e Literato, escritor, poeta e membro da Academia Brasileira de Letras. Sua produção literária e acadêmica abordam a língua portuguesa, a literatura e a cultura brasileira, sempre destacando a contribuição afrodescendente. Obras como "Literatura Brasileira: História e Expressão" (2012) evidenciam seu compromisso com a educação e a valorização da diversidade cultural.
Eduardo de Oliveira: Educação e Consciência Negra, educador, poeta e um dos fundadores do Movimento Negro Unificado. Sua atuação esteve voltada para a promoção da igualdade racial e da educação como meio de transformação social. Sua poesia é marcada pela defesa dos direitos humanos e pela exaltação da herança africana.
Paulo Colina: A Literatura como Resistência, poeta e escritor, integrante do movimento de Literatura Negra em São Paulo nos anos 1970 e 1980. Suas obras, como "Os melhores contos de Paulo Colina" (1999), exploram as vivências urbanas do negro e denunciar o racismo estrutural da sociedade brasileira.
Antônio Vieira: A Voz Profética, embora não seja afrodescendente, o Padre Antônio Vieira (1608-1697) foi um defensor dos direitos dos indígenas e crítico da escravidão. Seus sermões e escritos denunciaram as injustiças sociais e desenvolveram-se para o debate sobre a igualdade e a dignidade humana no Brasil colonial. Um dos mais famosos, deu-se na cidade de São Luís, na Igreja de "Santo Antonio", e foi intitulado "Sermão de Santo Antônio aos Peixes". Nele, um dos pontos mais fortes que defendem a liberdade e critica veementemente a opressão dos poderosos sobre os mais fracos, usando a metáfora dos peixes grandes que comem os pequenos:
"Os peixes grandes comem os pequenos. Não há melhor nem mais comum retórica neste mundo. Os grandes oprimem os pequenos; e os pequenos, se podem, comem-se uns aos outros."
Neste trecho, Vieira denuncia a injustiça e a tirania, clamando por igualdade e liberdade. Ele utiliza a imagem dos peixes para refletir sobre a sociedade humana, condenando a exploração e defendendo o respeito aos que eram feitos escravos à época.
Entre todos citados e muito conhecidos, é hora da reaproximação com Luiz Gama, em especial:
"Eu sou aquele que trago / No sangue a cor da noite; / Sou filho da grande raça / Que espalha força e açoite."
Fica claro a luta pela poesia (arma que possuía e a usava com extrema habilidade) que nessas quadras, Gama afirma sua identidade e valoriza suas origens africanas, enfrentando a opressão e reivindicando espaço na sociedade. E mais: ratifica a identidade afro, no Brasil.
Enfim, Silvio Romero (1973) destacou a singularidade de Luiz Gama ao afirmar: “Eu disse uma vez que a escravidão nacional nunca havia produzido um Terêncio, um Epíteto ou sequer, um Espártaco. Há agora uma exceção a fazer: a escravidão, entre nós, produzida por Luiz Gama, que teve muito de Terêncio, de Epíteto e de Espártaco.”
Naturali Jure.
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