Sinos do Natal
Socorro Guterres
Pessoas passavam apressadas nas ruas atulhadas de ambulantes que por vezes tomavam os espaços em frente às lojas. A véspera de Natal era o motivo de tanta agitação. Os supermercados promoviam ofertas aparentemente atraentes aos consumidores que enchiam os carrinhos de compras na ânsia da ceia farta. Um pequeno grupo familiar rumara da periferia para o centro econômico em busca da generosidade que sobrasse das sacolas cheias dos transeuntes e observava acanhado o trânsito intenso.
O pai, a mãe e um menino traziam pequenas trouxas com seus parcos pertences. O menino olhava admirado a velocidade dos carros, pois era sua primeira vez no fluxo da cidade grande, cuja estrutura diferia muito do lugar em que viviam no casebre pobre, onde restos de lona e papelão lhes serviam de abrigo. Caminharam muito para chegar ao destino em que o Natal se apresentava em cores, luzes e prédios ricamente ornamentados. A mãe já deixava à mostra as pernas magras e a barriga avolumada a denunciar a gravidez que encurtava o vestido surrado. O pai procurava guiar o menino no caos de suas vidas: era o que podia proporcionar. No cair da noite recostaram-se na parede de uma iluminada confeitaria de amplas janelas de vidro que exibiam prateleiras de bolos e tortas artisticamente trabalhados. Do lado de dentro crianças bem vestidas escolhiam à vontade a variedade de doces para o jantar festivo.
O menino, que muito andara, exibia a poeira da estrada nos pés quase descalços, expostos em sandálias gastas, e nas mãozinhas sujas que avidamente tocaram a divisória transparente que separava os dois mundos. Ele sempre tão calado em sua resignação que nem a fome incomodava, chorou ao ver que não podia ultrapassar a barreira cristalina. Debateu-se no pulso forte do pai que procurava se desculpar frente ao gerente do estabelecimento pela presença importunadora da família, cuja mão infantil maculara a límpida vitrine. Desse modo, seguiram adiante, numa dignidade santa, pelas ruas vazias de compaixão. Um Papai Noel com falsas barbas e saco de presentes fictícios passou, em seu trabalho natalino, badalando um sino estridente que abafou os soluços do menino. Afinal, era noite de Natal.
POEMINHA
Pequeno Cisne
(Socorro Guterres)
O palco tão grande
E a bailarina pequenina.
O collant apertadinho
E o tutu engomadinho.
A sapatilha prendia
A meia-calça que subia.
E a menininha atrevida
Mantinha a postura devida.
Elevava o olhar
E na pontinha do pé
Iniciava o bailar
Em sauté e plié.
E os bracinhos ondulavam
Nas águas musicais.
E de repente senti
Que meus sonhos são reais.
Pois o pequeno cisne
Que no palco brilhava
Era um sonho de criança
Que meu peito acalentava.
E toda a platéia viu
Quando a bailarina sorriu
Para a vovó que a admirava.