(José Neres)
Reprodução de foto que estava em reposição na VXII Feira do Livro de São Luís
Uma das características mais recorrentes na produção poética da escritora e professora Maranhense Laura Rosa (1884-1976) é a sua capacidade de, utilizando-se de estruturas e de vocabulário simples, representar a complexidade humana em poemas singelos e que, à primeira vista, parecem superficiais.
É o que ocorre, por exemplo, em Vaporosa, poema composto por apenas cinco estrofes e que foi publicado no jornal A Folha do Povo, em 26 de outubro de 1926, há quase um século, mas que ainda pode ser lido com certo grau de atualidade, conforme reprodução abaixo.
VAPOROSA…
(Laura Rosa - Violeta do Campo)
Nuvem branca, pequenina,
Um pedacinho de véu
Que Deus tirou da neblina
E pendurou lá no céu:
Dize, dize, nuvem leve,
Na tua linguagem pura
Como é que no céu se escreve
Esta palavra - Ventura?
Eu quisera ter a dita,
Ó, nuvenzinha discreta,
De vê-la na terra escrita,
Mas… a Ventura completa.
… Vai a nuvem vaporosa,
Que passava e que fugia,
Lá do alto respondeu:
Quem na terra a escreveria,
Se a Ventura é como a rosa,
A Ventura é como eu?
É a palavra que eu conheço
(Inda a nuvem diz assim)
Está na terra o começo
No céu é que está o… fim.
Sem descuidar dos aspectos estruturais e fônicos - enfatizando as rimas alternadas e a métrica em redondilha maior - a autora estabeleceu um imaginário diálogo entre um eu lírico feminino e uma nuvem que vaga pelo céu. O centro da discussão é a possibilidade ou não de haver ventura, em sua totalidade, na terra.
Interpretando-se a palavra “ventura” com o seu sentido mais literal e imediato - o de boa sorte, sucesso ou felicidade - o eu lírico deseja encontrar fora do mundo terreno a resposta para seus anseios. Assim como ocorria nas cantigas trovadorescas de amigo, no poema de Laura Rosa, a mulher, talvez na impossibilidade de manter um diálogos com as pessoas que a cercam, recorre aos elementos da natureza para desabafar e fazer suas confidências.
No entanto, em pleno início de século XX, a autora não mais recorria a elementos que estivessem presos ao rés do chão, pois, aparentemente, suas dúvidas estavam acima das possibilidades de respostas terrenas. A escolha lexical por “véu” e “neblina”, apesar de estar ancorada na necessidade de combinar palavras que rimassem com os demais versos da estrofe, remetem também o leitor a uma atmosfera de mistério e de opacidade. E, diante desse fato, somente as forças divinas poderiam trazer alguma possibilidade de interpretação.
A opção de personalizar a palavra Ventura a partir do uso de iniciais em letras maiúsculas, em uma atitude que remete à estética simbolista, envolve também a necessidade de utilização de fonemas fricativos que evocam a passagem do ar e o deslocamento das nuvens pelo céu. Dessa forma, é possível notar a presença de palavras que trazem fonemas representados pelas letras S, F, V, C e Ç. Esses detalhes aparentemente fortuitos podem contribuir para a interpretação e intelecção do poema, já que não temos ali apenas um amontoado de palavras, mas uma cuidadosa escolha vocabular a partir do anseio da construção de uma imagem poética a ser destrinçada tanto pelos aspectos sonoros, quanto pela estrutura gráfica do texto.
Outro detalhe significativo é o fato de o eu lírico saber como se escreve Ventura na terra, mas indagar como essa mesma palavra é escrita no céu. Ou seja, não é que ela não conheça o que seja Ventura, mas sim o desejo de conhecer a “Ventura completa”, o que demonstra uma espécie de descontentamento para com o que já tem ou conheceu e uma busca de fatores desconhecidos que possam completar uma equação para a qual possivelmente não se tem uma resposta completa.
A resposta da nuvem - que vem quase em forma de charada - demonstra que parte das respostas para se chegar a conhecer a Ventura em totalidade não pode ser encontrada facilmente, já que parte dela está na terra (representando o lado material da vida) e a outra parte só pode ser encontrada no céu (uma simbologia da morte e dos mistérios indevassáveis).
Creio que Laura Rosa seja uma escritora que apresenta margens para diversos estudos. Sua obra ainda não está totalmente conhecida e há diversas facetas que precisam ser exploradas. Vale a pena conhecer o trabalho dessa escritora que passou tanto tempo no limbo de um injusto esquecimento.