Capítulo II — Indo embora
Paranaê, Paranaê, Paraná…
No início de fevereiro de 1977, depois de haver acertado as contas com o Dr. Adirson Vasconcelos, de receber seus agradecimentos pelo trabalho que eu fizera, fui, pela última vez, almoçar no restaurante do Tribunal de Contas e eis o que aconteceu.
Como era minha última refeição ali naquele local, sentei à mesa e fiquei esperando o garçom e, enquanto esperava, pensei que seria bom sair do trivial e pedir algum prato diferente, especial, algo que tornasse aquele almoço inesquecível. E realmente tornou-se inesquecível, mas por outro motivo, hilário até.
Quando o garçom trouxe o cardápio e, por Deus do céu, eu não sabia o que era almôndega e assim pedi arroz, feijão, salada e almôndegas. Quando a comida chegou à meda a minha decepção não tinha tamanho. Então almôndegas eram aquelas bolinhas fritas?
Lembrei da minha infância em São Domingos, e a casa dos meus tios Raimundo Almeida e Lili, onde trabalham como domésticas a Domingas e sua sobrinha Raimunda. Eu costumava almoçar por lá e um dia minha tia Lili perguntou à Domingas o que seria o almoço e ela de pronto respondeu:
— As bolotas do “seu” Raimundo.
Então almôndegas não passavam daquelas bolinhas de carne fritas e que a Domingas chamava de bolotas do “seu” Raimundo?, pensei frustado com a minha ignorância, pois até aquela data jamais soubera o que era almôndega.
Depois dessa gafe só restava mesmo me despedir de meus familiares, e no dia seguinte a este almoço embarquei num ônibus da Real Expresso e segui viagem rumo ao Paraná.
À proporção que o ônibus avançava em direção ao sul, passando por Goiânia, depois as cidades mineiras de Uberlândia e Uberaba, cruzando a fronteira São Paulo-Paraná, observando a estrada e a vegetação, os pontos de apoio onde fazíamos um lanche ou uma refeição, a organização, a limpeza e o cheiro destes locais, eu notava quão diferente era está região do Brasil daquela outra, de onde eu estava migrando.
Nos aproximando de Curitiba, já no alto da Serra do Mar, à minha direita descortinou-se uma paisagem linda, uma espécie de pequeno lago que ao receber a luz solar parecia transformar-se num imenso espelho. Tomado pela emoção do espetáculo que a natureza me proporcionou naqueles breves segundos fiz mentalmente o poema Voyage que iria publicar anos mais tarde no meu sexto livro de poesia, Venenos, editado pela EditorAlcance, em 1994, de Porto Alegre, vinte e três anos depois daquele momento mágico em que contemplei aquela bela paisagem da Serra do Mar. Ficou dormitando, pois, no meu inconsciente durante muito tempo, até materializar-se no livro acima mencionado.
Voyage
ó meu divino algoz
inumano daqui me vou
às paragens mais bíblicas
Cafarnaum, Tietê, Inferno
vou-me sem papas na língua
ou freio nos dentes
só as mãos em conchas
só as mãos
só elas
depois na viagem perdi as sementes
paisagem é coisa veloz
um ônibus sem passageiros
descendo ou subindo a Serra do Mar
lagos de mar e sol
luz intensa brilhando
rios que descem serras
assim sumiu minha vida
Um dia e mais seis horas durou a viagem, quando finalmente o veículo manobrou no centro de Curitiba e adentrou o pátio de estacionamento de ônibus da imponente Rodoviária curitibana.
Era fevereiro, o sol brilhava nos céus da capital paranaense, onze horas da manhã, a temperatura estava por volta dos 28°, tomei um táxi e fui direto para o endereço onde ficaria hospedado, nem lembro mais o nome da rua, mas sei que o Bairro era o Portão, mais ou menos trinta minutos do centro de Curitiba de ônibus coletivo.
Lembro que a minha chegada deu-se numa quinta-feira, 3 de fevereiro. No dia 4, bem cedo saí para comprar o jornal mais completo, a Gazeta do Povo, e conferi os anúncios de emprego. Um destes me chamou a atenção: tratava-se de vagas para diversos cargos no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia — CREA-PR, e as inscrições fechavam dia 8, terça feira.
Na segunda-feira lá estava eu, cedinho, preenchendo a ficha de inscrição e, como não tinha curso superior, escolhi o cargo de Assistente Administrativo. E os testes estavam marcados para a próxima segunda-feira, dia 14.
No dia do teste travei conhecimento com um cara chamado Leite, uma empatia natural nos aproximou, conversamos um pouco e nos despedimos desejando um ao outro boa sorte naquela vaga de emprego. Ele havia optado por um cargo no Setor de Pessoal, fato que mais tarde teria influência quando me insurgi, com o meu jeito rebelde de ser, contra certas regras e normas da instituição e que ele, como Chefe do Setor de Pessoal, tinha a obrigação de fazer com que estás fossem cumpridas.
Pois é, com esta informação sobre o Leite, adiantei que tinha sido aprovado e, após o cumprimento das questões burocráticas como entrega de documentos e exame médicos, fui contratado com um bom salário, e passei a entender melhor em que boca eu estava entrando:
“O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) é um conselho de fiscalização profissional, não sendo entidade de classe, na forma de autarquia pública, responsável pela regulamentação e julgamento final no Brasil das atividades profissionais relacionadas às classes que abrange: Engenharia, Agronomia, bacharéis em Geografia, Geologia e Meteorologia, possuindo mais de trezentos títulos profissionais, nos níveis técnico e superior (tecnólogo, licenciado e bacharel), além de anotar também títulos de pós-graduação.
Foi instituído em 1966 por decreto do presidente Castelo Branco pela lei n° 5194/66.
Os Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (CREA) são entidades pertencentes à esfera estadual e constituem a manifestação regional do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA), sendo responsáveis pela fiscalização do exercício das profissões da área tecnológica em âmbito regional. O CREA exerce o papel de primeira e segunda instância, verificando, orientando e fiscalizando o exercício profissional com a missão de defender a sociedade da prática ilegal das atividades abrangidas pelo sistema CONFEA/CREA.”
Era isso aí, e mais tarde, já exercendo minhas atividades profissionais ali dentro do CREA-PR, eu ia saber como a coisa funcionava na prática, por fora e por dentro.
(CONTINUA NA PRÓXIMA QUINTA-FEIRA)