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Raimundo Fontenele: A ideologia é a camisa-de-força do pensamento

MEMÓRIAS DOS MARES DO SUL Indo embora (Continuação do capítulo II)

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Raimundo Fontenele
30/01/2025 às 22h10
Raimundo Fontenele: A ideologia é a camisa-de-força do pensamento
Raimundo Fontenele na Rua XV, em Curitiba-PR

Raimundo Fontenele, poeta, escritor e colaborador do Facetubes.

O CREA funcionava tendo como principal base o serviço de fiscalização. Eram os fiscais que visitando obras em construção produziam relatórios que atestavam se aqueles serviços obedeciam os trâmites da lei. Qualquer construção acima de sessenta metros quadrados necessitava, no mínimo, de um projeto arquitetônico assinado por profissional habilitado.

E conforme o tamanho e sofisticação da obra eram necessários projetos elétrico, hidráulico, etc. Todo santo dia, no fim do expediente, os fiscais chegavam de vários pontos da cidade e também de cidades do interior com um calhamaço de relatórios.

O meu trabalho consistia em datilografar os chamados autos de infração, aplicados àquelas construções que estavam fora dos ditames da lei. Os proprietários de tais obras eram multados e tinha um prazo para regularizá-las sob pena de terem os serviços embargados, até que as multas fossem pagas e profissionais fossem contratados para assumirem a responsabilidade técnica pelos serviços.

Era uma rotina e uma burocracia que me deixavam doido. Ainda mais que eu olhava a coisa pelos olhos das ideologias, uma praga mental, que anula qualquer liberdade de expressão. A ideologia é a camisa-de-força do pensamento.

Então eu achava tudo errado. Como é que um sujeito pobre, que sempre fez das tripas coração para sobreviver, e que, a certa altura da vida, comprara ou ganhara um terreninho onde com todo sacrifício pretendia construir uma casinha pra dar, até  que enfim, um pouco de dignidade para sua família, ia poder contratar um engenheiro ou arquiteto para fazer o tal projeto arquitetônico?

Às vezes eu fazia hora extra pra adiantar o serviço de datilografia dos benditos (para o CREA) e malditos (para os pobres) autos de infração, e muitas vezes tomado por um sentimento de senso de justiça, analisava aqueles relatórios e segundo minha ótica um tanto vesga, deixava de fazer os autos de infração e rasgava relatórios que enfiava num saco de lixo. E, pra falar a verdade, nunca me pegaram no flagra cometendo uma insubordinação dessa.

A minha rotina tinha se tornado uma mistura de tédio com burocracia. Havia me mudado do Portão para uma rua que começava no centro da cidade, a Marechal Deodoro, mas no número que eu morava, aquela região ali era chamada de Altos da XV, uma referência à famosa rua XV de Novembro.

Está no Google:

“A Rua XV de Novembro é um dos logradouros mais importantes do município de Curitiba, a capital do estado do Paraná. Foi batizada para homenagear a data da Proclamação da República. Em seu trecho turístico, entre a Avenida Luiz Xavier e a Rua Presidente Faria, cujo pavimento é exclusivamente de petit-pavè, é conhecida como "Rua das Flores". Esta intervenção a tornou a primeira via pública exclusiva para pedestres do Brasil, implantada e inaugurada em 1972 na gestão do então prefeito Jaime Lerner.”

A estrutura funcional do CREA, fora os departamentos administrativos como pessoal, financeiro, etc., era constituída por três órgãos colegiados:  Câmara de Engenharia Civil, Câmara de Agronomia e Câmara de Engenharia Elétrica, que se reuniam uma vez por semana. Cabia a elas deferir os registros de profissionais de cada área e também julgar e decidir sobre os vários recursos interpostos pelos proprietários que se sentiam prejudicados com a aplicação de multas ou embargos obras, acusados de não cumprimento das leis e normas emanadas do  CREA.

Devido a minha competência e responsabilidade no serviço que me cabia, passei a assessorar as reuniões da Câmara de Engenharia Elétrica,  chefiada pelo Dr. Junqueira, figura boníssima que me tratava com um certo respeito e amizade. Isso era uma promoção que trazia mais uma gratificação financeira.

Agora vou dar uma pausa nessa história de CREA e voltar ao convívio e ao seio da literatura que foi o que sempre me nutriu e me fez homem.

Lendo a página de eventos do jornal Gazeta do Povo deparo com uma notícia do lançamento de um livro de 4 poetas, Reinoldo Atem, Hamilton Faria e os outros dois não lembro o nome.

No dia e hora marcados estava lá no local indicado, na região central de Curitiba, sem conhecer ninguém e sem convite formal; observando a movimentação de pessoas chegando, instintivamente me aproximei de uma delas e perguntei sobre o evento.

Essa pessoa era um dos poetas em questão, Reinoldo Atem, piauiense de nascimento, mas que migrara ainda criança para Curitiba com sua família. Seu pai era desembargador e, portanto, o Reinoldo pertencia a uma classe social que poderíamos chamar de média alta.

A gente conversou durante breves instantes, ele tinha que ir para a mesa onde já estavam os demais poetas e algumas autoridades culturais, a fim de iniciar o protocolo de lançamento do livro e sessão de autógrafos.

Ele havia me dado seu endereço e telefone e disse que seria um prazer receber-me em sua casa.

Nem esperei o coquetel que seria servido a seguir. Pensei apenas em como fui bem tratado por aquele poeta que iria se tornar meu grande amigo, um irmão de sonho e poesias.

(CONTINUA NA PRÓXIMA QUINTA-FEIRA)

 

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JaimeHá 2 semanas BSB/DFBela publicação, prende a nossa atenção!!!
Maria Eliane Moraes Dias Há 2 semanas São LuísSe eu não te conhecesse diria que era uma estória, não história. Já quero o livro completo,
Wellson Alves de Oliveira Há 2 semanas Coelho Neto- Maranhão Nobre Fonteca, subversão é uma prática que tu, ó meu querido Fonteca, sempre aplicara em vossa vida social, de modo que se compatibilizar com agonia dos desafortunados em face ao projeto da casa própria, não é de maneira alguma surpreendente, mas com o desenrolar da crônica, um ato que sim, poder-se-ia deduzir. A propósito,a sensação de um Maranhense encontrar um Piauiense nos mares do sul é de encontrar um conterrâneo
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