Editoria de Cultura e Pesquisa da Plataforma do Facetubes.
1º Razão
A relação entre álcool, drogas e produção literária é um tema delicado, porém recorrente ao longo da história da cultura mundial. Muitos poetas e escritores buscaram em substâncias psicoativas – lícitas ou ilícitas – um meio de expandir a percepção, aliviar dores emocionais ou, simplesmente, enfrentar as pressões da vida. Contudo, os riscos associados ao abuso destas substâncias são amplamente documentados: além de poderem culminar em graves problemas de saúde, episódios depressivos e comportamentos suicidas. Tais episódios, frequentemente prejudicam a própria qualidade de vida e a longevidade do artista.
2º Razão
Diversos nomes de peso na literatura estiveram profundamente ligados a experiências com o álcool e outros entorpecentes. Autores universais, como o francês Charles Baudelaire descreveu em “Paraísos Artificiais” seu envolvimento com o ópio e o haxixe; o inglês Thomas De Quincey eternizou seus relatos em “Confissões de um comedor de ópio”; William S. Burroughs foi outro expoente do uso de heroína e outras drogas no contexto da Geração Beat. E, quando conversamos especificamente em alucinógenos, muitos estudiosos consideram Hunter S. Thompson como um dos escritores que mais sofreu com o uso abusivo de uma variedade de substâncias psicodélicas – LSD, mescalina, psilocibina – além de álcool, cocaína e outras drogas, o que ele retratou sem rodeios em obras como "Medo e Delírio em Las Vegas".
3º Razão
Infelizmente, não são raros os casos em que o escritor, sob forte influência do consumo abusivo, acaba tirando a própria vida. Um exemplo forte nesse sentido é o próprio Hunter S. Thompson, que cometeu suicídio em 2005, resultante de uma combinação de depressão, problemas de saúde e dependências diversas certamente desenvolvidas para o desenvolvimento trágico. Outro caso emblemático, embora mais relacionado ao álcool, é o de Ernest Hemingway, (O Velho e o Mar), que também se suicidou após anos de luta contra o alcoolismo e as restrições de sua saúde mental.
4º Razão
Do ponto de vista psicológico, há quem argumenta que a experiência artística de alguns autores ganha “intensidade” ou “profundidade” criativa em função do uso dessa substância. De fato, o senso comum romântico muitas vezes associa “gênio” e “loucura”, indicando que o artista que sofre, bebe e se intoxica estaria acessando camadas mais profundas da própria psique e da realidade. Porém, os estudiosos da criatividade alertam que, a longo prazo, o abuso tende a prejudicar a consistência e a disciplina, diante da produção literária regular. A “percepção expandida” proporcionada por alucinógenos ou a euforia momentânea do álcool pode até gerar lampejos de inspiração, mas o custo em saúde mental e física costuma ser elevado.
5º Razão
No que diz respeito ao valor do mercado das obras produzidas em êxtase alcoólico ou de drogas, há um fato curioso: alguns autores ganham certo “culto” após episódios trágicos ou comportamentos extremos, incluindo violência, desconexão social e dependência de substância. Assim, pode ocorrer um aumento da procura por livros, telas e discos, por exemplo, seja por curiosidade mórbida do público ou pela mística de “autor maldito”. Entretanto, para o mercado editorial, esse tipo de notoriedade não é necessariamente sustentável. Editoras e agentes literários sabem lidar com autores produtivos e saudáveis, capazes de cumprir prazos e desenvolver parcerias rigorosas. O “glamour” do artista que vive em eterno caos costuma gerar instabilidade, cancelamentos de projetos, dificuldades legais e, em última instância, prejuízos financeiros e reputacionais.
6º Razão
Na Grécia Antiga, embora o consumo de vinho fosse parte integrante da vida social (especialmente nos simpósios famosos), não há registros sólidos de filósofos que entraram em decadência por alcoolismo ou uso de drogas de modo semelhante ao que se observa na modernidade. Alguns estudiosos chamam atenção para o fato de que Sócrates era conhecido por sua incrível resistência ao vinho – descrita no Simpósio , de Platão – mas nada indica que ele fosse um abusador de substância. Já entre os poetas líricos gregos, encontramos Anacreonte (c. 582–c. 485 aC), famoso por celebrar os prazeres do vinho e do amor em seus versos. Um de seus fragmentos diz: “Falemos de alegria, brinquemos com o vinho, pois a vida é breve.”(*). Embora Anacreonte não fosse um filósofo e sim um poeta, seus escritos evidenciam como a cultura grega via o vinho de forma festiva e, em certa medida, ritual.
7º Razão
O prejuízo real que um poeta ou escritor com problemas graves de alcoolismo pode causar ao mercado editorial é significativo. Os projetos são interrompidos, os prazos não são cumpridos, além de existirem complicações legais (por exemplo, processos ou incapacitações) que inviabilizam contratos. Grandes editoras, ao perceberem a instabilidade do autor, tornam-se mais cautelosas para investir em lançamentos e campanhas de divulgação. Além disso, o público leitor, ao mesmo tempo que pode se interessar pela “figura trágica” do escritor, também pode se desmotivar quando percebe que a qualidade e a frequência das publicações caem vertiginosamente. Em termos de mercado, a relação custo-benefício acaba se tornando desfavorável.
8º Razão
Para quem busca aprofundar o tema no âmbito acadêmico, há estudos e teses que investigam a clareza entre criatividade, transtornos mentais e uso de substância. Uma referência clássica é o trabalho da psicóloga Kay Redfield Jamison, no livro "Touched with Fire: Manic-Depression Illness and the Artistic Temperament" (Free Press, 1993), na tradução livre de nossa equipe, algo como "Tocado pelo fogo: a doença maníaco-depressiva e o temperamento artístico", que, embora foque principalmente no transtorno bipolar, discute como a instabilidade emocional pode levar tanto a grandes criações artísticas quanto a comportamentos de risco, incluindo o abuso de substância (*).
A GRANDE DÚVIDA
E sobre Diógenes de Sinope, o Cínico? O filósofo grego famoso por andar pelas ruas de Atenas durante o dia, carregando uma lanterna acesa e proclamando que estava procurando um homem honesto. Essa ação simbólica refletia sua visão cínica ou ele usava alguma substância alucinógena, como o próprio vinho? Não há evidências históricas disso. Porém alguns autores ainda refletem dúvidas sobre suas ações. O certo é que ele tinha uma vida de extrema simplicidade e ascetismo, muitas vezes habitando um grande barril e subsistindo com o mínimo necessário. Então, psicólogos atuais ou especialistas em mudanças de comportamento por ingestão de barbitúricos questionam: a filosofia Diógenes, o Cínico, que focava na autossuficiência, na indiferença às convenções sociais e na busca pela verdadeira felicidade através da virtude era naturalíssima ou problemas mentais acelerados ou, ainda, advinha de algo (de consumo externo, como gafanhotos, por exemplo)que nunca foi descoberto?
O leitor pode nos explicar melhor. Comenta!
-------------------
Referências:
Link oficial onde se encontra informações sobre este estudo (em inglês) é:
https://www.simonandschuster.com/books/Touched-with-Fire/Kay-Redfield-Jamison/9780684831831
(**) Fonte: Greek Lyric, Volume II: Anacreon, Anacreontea , editado e traduzido por David A. Campbell, Loeb Classical Library, Harvard University Press.