A NOTÍCIA
Um jovem foi literalmente engolido e cuspido por uma baleia-jubarte e a notícia viralizou nas redes sociais. Adrián Simancas, de 20 anos, passeava de caiaque pelo Canal de Magalhães, no Chile, quando foi abocanhado pelo animal. A cena chamou a atenção de profissionais especialistas em comportamento animal, pois o ser humano não faz parte do cardápio das baleias. Além disso, muitas pessoas pensaram que a gravação se tratava de uma montagem. ao final as cenas eram reais e foram gravadas pelo pai, Dell Simancas. Foram "3 segundos que viraram uma eternidade", confessou Adrián.
ALÉM DA NOTÍCIA
*Editoria de Jornalismo da Plataforma do Facetubes
O domingo amanheceu diluviado com a notícia de que um homem havia sido engolido por uma baleia Jubarte. Depois de comprovadas (e filmada a ação pelo próprio pai), chega a grande mídia a reação do principal envolvido. Trata-se de Adrián Simancas. E é com base na reação dele, que nossa editoria decidiu fazer uma análise, além da notícia, a partir do que o próprio Simancas relatou a BBC: “imediatamente, após ver as cenas, pensei na mesma situação de Pinóquio”.
Para nossa equipe, esse era o mote para se escrever algo sobre esse episódio insólito, tendo como base, metaforicamente, a narrativa literária de “As Aventuras de Pinóquio”, escrita pelo jornalista e escritor italiano Carlo Collodi, pseudônimo de Carlo Lorenzini. Nessa narrativa há explícita alusão ao abismo existencial e a possibilidade de transformação através do enfrentamento da escuridão, envolvendo os dois personagens principais. O próprio Pinóquio e o pai, Gepeto.
A partir daí, passamos a imaginar a imagem da “baleia que engole o homem” como um arquétipo poderoso, recorrente em mitologias e narrativas religiosas, como o episódio de Jonas na Bíblia, engolido por um grande peixe e cuspido após três dias, simbolizando renascimento espiritual.
Carl Jung, em suas reflexões sobre os arquétipos do inconsciente coletivo, veria a baleia como uma representação do inconsciente devorador, a descida ao caos primordial, onde o ego é desfeito e confrontado com suas fraquezas.
No caso de Adrián Simancas, ao perceber que já havia sido "engolido", abandona a resistência e aceita a situação, deslocando seu pensamento para a sobrevivência e adaptação. Esse deslocamento psíquico é precisamente o que Jung chamaria de integração da sombra: aceitar a realidade brutal e buscar sentido mesmo dentro do caos. É a passagem do desespero à resiliência criativa.
Já na narrativa (original) de Pinóquio e Gepeto, o movimento é inverso, mas complementar. O pai é engolido pelo abismo enquanto busca o filho. É o filho que, descendo ao mesmo ventre escuro, resgata o pai. Essa inversão contém uma verdade psicanalítica fundamental, isto é, o desenvolvimento do filho permite que o pai se reinvente.
Donald Winnicott, pediatra e psicanalista britânico, destacou que a relação saudável entre pais e filhos é dialética – o filho não apenas é moldado pelos pais, mas também os transforma. Desta forma, esse resgate do pai pelo filho, no caso de Gepeto, pode ser visto como um símbolo do papel das novas gerações na revitalização dos valores e das estruturas desgastadas.
A pergunta crucial, então, (no caso envolvendo o filho Ardían e o pai Dell Simancas) que não quer calar: e se o filho morrer? – ressoa com a ideia de que, sem o futuro, o presente do pai perde sentido. Freud, em Luto e Melancolia (1917), descreve a perda de um ente querido como uma ferida narcísica profunda. O luto é o processo doloroso de soltar o investimento libidinal naquele que se foi. Quando um filho morre, essa ferida se intensifica, pois morre também a projeção do pai sobre o futuro. É a aniquilação do sentido que o filho representava.
Contudo, Freud também nos ensina que a elaboração do luto pode permitir ao enlutado integrar a perda, reconstruindo sua narrativa pessoal. Viktor Frankl, em Em Busca de Sentido, ao narrar sua experiência nos campos de concentração, enfatiza que o sentido pode ser encontrado até mesmo na dor extrema, e que o homem é capaz de se reinventar após a perda total.
A metáfora da baleia é, em última análise, sobre o confronto com o nada e a necessidade de extrair sentido desse vazio. Seja Simancas, aceitando que foi engolido e pensando no passo seguinte; seja Pinóquio, resgatando o pai do abismo; seja o pai que perde o filho e precisa reconstruir sua existência – todos eles enfrentam o ventre escuro da baleia.
Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra, nos lembra que aquele que olha para o abismo deve saber que o abismo também olha para ele.
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Fontes: