Eloi Melonio
Depois de escrever muita coisa sobre tanta coisa, chegou a hora de eu direcionar meu holofote literário para essa "coisinha" charmosa, brincalhona, alegre, irreverente e muitas outras coisas. E que tanta atenção dispensa a mim e aos meus leitores.
Em cena, sem subterfúgio, a nossa estrela lexical: coisa.
Ante tal “coisastação”, acho que vou seguir a sabedoria popular: “uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa”. Ou seja, é tudo uma questão coisada naquilo que se vê realmente e naquilo que se queria ver. E aí, percebe-se que nem sempre uma coisa e outra coisa são a mesma coisa, não é verdade?
Então, vamos lá! De coisa em coisa, a gente vai se apropriando de algumas das muitas possibilidades de que essa palavra se reveste. Porque ela parece estar em toda parte, quando “tudo é muita coisa” e até quando “nada é coisa nenhuma”.
“A coisa tá preta!”, diz um pessimista, reclamando da vida. Do outro lado da rua, o grito é de um otimista: “Agora a coisa vai”. Entre um e outro, o cético simplesmente acha que os dois não estão dizendo “coisa com coisa”.
Quem pensa que “coisinha” é pouca coisa se engana "coisadamente". Essa palavrinha pode ser um baita elogio: “Sua cadela é a coisinha mais fofa que eu já vi”. Esse diminutivo é usado para dar a ideia de alguém ou algo delicado, sensível, belo. E foi Beth Carvalho quem a popularizou com a música “Coisinha do Pai” (1979), cujo refrão está gravado em nossa memória afetiva. Já “coisinha de nada” dá a ideia de insignificância ou desvalorização, assim como “qualquer coisa”, quando assume o caráter de generalidade. Um casal que se desentende por qualquer coisa, mesmo que seja uma coisinha de nada, não vai muito longe, ou vai?
E “coisão ou coisona”, será que existem? Se existirem, são um desserviço à notoriedade da “coisa” nossa de cada dia.
Uma coisa qualquer pode virar uma obra de arte na vibe de um gênio da estirpe de Caetano Veloso. Ou seja, uma viagem de Salvador a Marrakesh para levar um papo “qualquer coisa”. Brincando com as palavras, esse baiano arretado revela como isso é possível: “Mexe qualquer coisa dentro doida/ Já qualquer coisa doida, dentro, mexe”. O sentido, bem..., o sentido é que “esse papo seu já 'tá de manhã'” ("Qualquer coisa", 1975). Nem todo mundo gosta dessa "coisa" desencontrada do Caetano, mas, para os críticos, é aí que reside a sua genialidade.
E o verbo “coisar”, hein? Xá pra lá! Acho que não vale a pena explorar a opção sexual das palavras. Isso é coisa do capeta cara de pau. Até porque, segundo o dito popular, "quem coisa quer casa". Ou "casar", numa versão mais moderna. No fundo, no fundo, é a mesma coisa, não acha?
Se alguém não diz “coisa com coisa” é porque suas ideias estão desconexas. Mas, para encurtar uma conversa, “e coisa e tal” serve como uma luva. Já “coisa de louco” é algo tão esquisito quanto queimar cem cédulas de cem dólares.
Duas mulheres conversam sobre um casal de amigos: “Alguma coisa provocou essa separação”. “Certamente. E não foi coisa banal não”. “É verdade. Mas acho que logo vão se acertar, pois sabem resolver suas coisas”, enfatiza a primeira. E a segunda recorre à poesia: “Se foi coisa do coração, o Quintana tem um conselho: ‘Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho’”.
Que coisa, siô!”, reage um humilde senhor maranhense ao ver uma foto em que um casal homossexual esconde, com as mãos, as suas coisas. Não tão diferente, o gaúcho Roberto Kovalick (“Hora Um”, REDE GLOBO), quando indignado com uma notícia indesejada, costuma dizer: “Que coisa!”
Entre coisas pra lá e coisas pra cá, peço-lhe, enfim, permissão para citar um versinho de "Travessia" (set/2021), meu segundo livro de poemas: "Ah, a vida são tantas coisas!"