O CONFLITO IDENTITÁRIO, NO POEMA “CÉU UTÓPICO PARA FAMÍLIA AMARELA” – de Antonio Aílton
Por Linda Barros, atriz e escritora e Mestranda em Letras. Membro da Academia Poética Brasileira e da ATHEART
Por: Mhario LincolnFonte: Linda Barros
23/02/2025 às 19h16Atualizada em 27/02/2025 às 11h47
Linda Barros, articulista do Facetubes
Linda Barros, atriz e escritora e Mestranda em Letras.
O que ou quem você é neste mundo? Ou ainda o que você gostaria de ser? E o que gostaria de ter? Numa visão bem holística do mundo e da vida, porque não somos o que queremos ser? O que nos impede de ser tudo o que quisermos, independente de nome ou sobrenome? Quando nascemos já temos um nome que foi escolhido para nós e que supostamente devemos ter muito orgulho, isso é fato, mas será que é isso mesmo?
Em meio a esses conflitos todos, está nossa identidade, nosso nome “de pila”, como se diz em espanhol. No entanto, vivemos num conflituoso mundo que nos reconhece pelo nome que carregamos, nem sempre pelo que somos, o que importa mesmo é a linhagem ou seja a família, será? Qual a minha, a nossa identidade? De onde vêm nossos sobrenomes, qual a importância deles para a sociedade a qual pertencemos?
Na vida percorremos vários caminhos e por esses caminhos deixamos nossas marcas, sejam elas boas ou ruins, mas no fim, alguém nos identifica. No belo poema CÉU UTÓPICO PARA FAMÍLIA AMARELA, do professor e poeta Antônio Ailton, encontramos todos esses conflitos existenciais, a começar logo no primeiro verso:
família, pano de parteiras
e toalha de mesa
rasgada, és a única que carrego
na ausência da mãe
Em todos os conflitos identitários, Família é a única que temos e que carregaremos para o resto de nossas vidas, não importa o que aconteça, pelo simples fato de não existir ex-pai, nem ex-mãe, ambos são a essência de nossa existência.
Natural de Bacabal, Antonio Aílton é poeta, professor, pesquisador e também um grande nome literatura maranhense contemporânea, e, por que não dizer um poeta traz angústia em seus versos. No poema Céu Utópico para uma Família Amarela, O poeta trouxe à tona, a visão de mundo e das pessoas sobre nós mesmos. Com versos conflitantes, Aílton mostra para a sociedade, como a própria sociedade nos ver:
estranho os sobrenomes em árvore
que os formulários de carreira exigem
para sondarem meu pedigree
se sou joão-de-barro
ou se sou joão-ninguém
O que somos para a sociedade? Ou ainda, a sociedade quer de nós? O que importa é que temos ou o que somos? E sendo assim, por que temos que agradar a todos? É como “o que vejo, o que sou e o que penso sobre o outro que conta”. Onde está escrito isso? Quais normas devemos seguir? Eu tenho que ser o que você quer que eu seja, não importam valores, condutas, amores, nada importa, apenas que eu siga esse ou aquele padrão. O Poema segue com esses questionamentos:
pedem-me isto e aquilo
e vendem-me um apartamento micro:
que eu não seja prolífico em filhos
nem transgrida os quadrados
que eu seja dado — a prazo
como quem confere paraísos ao relento
Sou ou somos para a sociedade apenas um cartão postal, com características bem definidas e predeterminadas, caso contrário somos extirpados do mundo “padrão”. Isso é possível? Claro que sim, basta ver nosso “pedigree”.
Detentor de várias obras Antonio Aílton recebeu prêmios em vários livros de poesia e ensaio, dentre eles podemos citar: Prêmio Literário e Cultural Cidade de São Luís (poesia e ensaio) e o Prêmio cidade do Recife (poesia). Em sua vasta carreira literária, tem vários livros publicados como: Cerzir - livro dos 50, Poesia 2019; Compulsão agridoce (Poesia 2015); Os dias perambulados & outros tOrtos girassóis (2008); As Habitações do Minotauro (2001) e Humanologia do eterno empenho (2003).
Com essa vasta publicação, Aílton deu vida a seu interior, trazendo dúvidas, angústias e questionamentos a cerca do ser poeta:
margens de um horizonte pré-determinado
tudo quanto flui seja morno e destroçado
que, segundo sua panóptica,stava
não tenham portos os postes da noite
no mais, insistem que eu banque
o previamente imputado
amanheça inseto transformado
e esconda em algum lugar de mim
meus sonhos, minhas
libertinagens
Nem todos têm uma vida fácil e plena, que não precisa provar nada para ninguém – aliás, por que temos que provar alguma coisa para alguém? Mas no mundo capitalista e materialista em que estamos inseridos, parece que “provação” é necessária o tempo todo. Tudo envolve o que sou e o que tenho, inclusive nossa própria liberdade de escolha.
Céu Utópico para uma Família Amarela foi o poema vencedor do 1º Concurso de Poesia da SOBRAMES – MA/2024, no qual houve vários textos inscritos, Aílton venceu com seu texto forte, realista, inquietante e com pitadas de sarcasmos, retratando uma sociedade que se esconde através de um manto obscuro da sobriedade e soberba. Ainda no poema, é possível ver claramente o mundo das aparências em que vivemos:
que meu chip de compras
seja um título rastreado on-line
a escorraçar meu abraço de ciborgue
que eu faça ponto em sua zona
de conforto — depois de esbanjar afeto
num velho comercial de televisão
Tudo é muito simples e claro quanto ao comportamento humano, o que devemos e precisamos fazer para estarmos inseridos neste mundo quase totalmente digitalizado, em que temos que acompanhar e que os outros têm que ver nos 24h do dia e da noite.
Por fim, o que importa mesmo é a todo custo está inserido nesse mundo, mas também, que tenhamos um nome e uma identidade significativa. Mas, na verdade, o que somos mesmo é uma imagem que ficará moldada nos:
dois cliques e nos colocam na moldura
para estarmos lá, pendurados
em um banco amarelo
família, cifrão cortado
trago por meu signo o teu riso congelado
folder,
utópica flâmula tremulando
aos poucos minha casa se retira
nas beiradas que prenunciam a distância.
Mas, na verdade o que somos e o que seremos mesmo é uma imagem que ficará moldada e pendurada em algum quadro amarelado que ficará guardada para uma futura geração ainda mais digital, mais contemporânea, que talvez sequer se lembrará do seu próprio “pedigree”.
E para aguçar um pouco mais essa discussão, nos diga ai caro leitor, qual o seu pedigree?
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Linda Barros, atriz e escritora e Mestranda em Letras. Membro da Academia Poética Brasileira e da ATHEART
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Monica Puccinelli Há 2 semanas Curitiba PR BR Parabéns, Linda Barros, pela clareza e força de sua expressividade. Lhe desejo sucesso em todas as suas artes, vc merece, Aceite meu abraço
Maria José da Silva Há 2 semanas Rio de Janeiro Sou sua fã e amo seus trabalhos de incentivo a todos. Parabéns Linda!
Raimundo SoaresHá 2 semanas São Luís Sou fâ. Leio tudo teu. Não demora muito. Quero te ler todo o dia.
Ana Lúcia Há 2 semanas São Luís Bom dia. Tu estás incrível nessa matéria.
Pedro DantasHá 2 semanas Ilha do AmorSó não concordo com o termo pedigri para qualificar a poesia. Fora isso, tudo bom.