TEXTOS PARA O DIA DA MULHER – ACADEMIA POÉTICA BRASILEIRA
1. CHÁ DE VÓ
Joema Carvalho
Chegava naquela casa de madeira, todo o final de semana. Na frente tinha uma magnólia-amarela e nos fundos, urucum, pé de figo, mangueira, limoeiro, árvores, arbustos e herbáceas da casa da vó.
Sobre o fogão, cascas de laranjas secas. Ela dizia que tinha que ter em casa. Era bom para um monte de coisa. O sabugueiro também era, assim como as outras.
Queimava o açúcar, colocava cravo, canela e as cascas secas da laranja, deixava cozinhar até homogeneizar com o açúcar queimado. Jogava água quente, esperava o açúcar derreter. O cheiro continua até hoje.
Na geladeira, arroz-doce temperado com canela, cravo e folha de figo. Temperava a calda de ameixa do manjar de coco com estas folhas também, hoje seria gourmet.
Dividíamos o pudim de leite entre todos, o resto da tigela ficava para o vô. Isto custou-lhe três dedos do pé. Menosprezou a diabetes.
Nas laterais da casa e nos fundos, herbáceas baixas e de porte médio, todas serviam para cura. As vias de acesso de tijolo cheio de musgo separavam os canteiros inexistentes da casa de madeira. As plantas cresciam do jeito que queriam.
Ela carregava e doava mudas medicinais. Sabia para que serviam. Dizia que tinha que ter em casa.
Foi uma referência para mim. Descobri depois. Acredito que os princípios ativos das plantas tenham alguma relação com a distribuição dos grupos ecológicos. Plantas de sombra que ocupam o piso da floresta, plantas de luz que buscam o dossel. As intermediárias que preferem não estar plenamente na sombra e tão pouco sobre a intensidade dos raios de uma estrela de quinta grandeza. As de água, de pedra, de areia têm uma dinâmica peculiar, o metabolismo delas é fantástico.
O metabolismo ativo no organismo de um ser vivo é alquimia. A maioria dos problemas se resolvem ativando o metabolismo e reduzindo o pH. Imagine a energia de uma planta que se estabelece na adversidade!
Quem é ligado em planta sabe o lugar delas. No quintal e dentro de casa, se reproduz no micro, o macro. Uma forma de controle passional.
As plantas têm um jeito também. De longe dá para ver quem é, assim como uma pessoa que conhecemos.
Quem tem planta sabe disso.
Foram-se os anos. A vó teve parkinson avançado, parte do seu organismo deixou de processar sua função. Teve um problema de varizes que a acompanhou desde muito tempo. A ferida da perna concentrou uma escolha, onde abdicou da menina brava que sumia por entre as árvores e tomava banho de rio. Tudo tem um preço. Deus é banqueiro, cobra juros e multas se não fizermos o que tem que ser feito. Ser o que somos. Talvez ela fosse só espírito e não precisasse do corpo.
Ela incorporava espíritos. Eu nunca vi. Diziam que dava para perceber quando não era ela.
Morreu sentada no sofá. No final, era pele e osso. Semblante de paz, como um chá de camomila ou do hortelã do caminho da entrada da casa dela que eu comia a folhinha quando criança.
Ela aguardou a vinda de todos os filhos e netos. Os de São Paulo, Curitiba e Santa Catarina. Não deu tempo de mudar o tratamento. Optou por seguir.