Mhario Lincoln
Existem muitas coisas que a gente passa na vida e esquece (ou faz questão de esquecer). Outras, no entretanto, permanecem em nosso imaginário cordiano até o fim dos tempos. São poucas. Mas ótimas passagens. Como esta que conto agora e que aconteceu de forma mágica, como mágico eram aqueles tempos. Então...
Naquele tempo, quem diria, uma simples história de um jovem que se arriscaria nas pistas de dança para ganhar um concurso de sobrevivência, contagiaria o planeta inteiro? Pois foi justamente isso que aconteceu com “Embalos de Sábado à Noite”, estrelado por John Travolta e pela talentosa Karen Lynn Gorney.
Na verdade, foi uma combinação de passos frenéticos, roupas 'marcianas' e a batida inconfundível dos Bee Gees, "Stayin' Alive”. Era o ano de 1978. Parecia que toda festa, em qualquer canto do mundo, tinha uma luz estroboscópica pronta para transformar qualquer jovem desajeitado em dançarino de final de semana. O sucesso foi tão grande que surgiram concursos de dança em todos os lugares imagináveis.
Enquanto Travolta e Karen Lynn Gorney eram imediatamente lembrados ao som do Bee Gees, instigando jovens de todos os cantos do Planeta a criarem suas próprias coreografias, para participarem dos concursos que explodiam em todos os cantos.
Um desses lugares inimagináveis era o salão do clube social maranhense, Casino. Aí entra a figura agradabilíssima do paraense, com supercoração ludovicense, Sergio Tamer, hoje homem de grande destaque nas letras e nas atividades acadêmicas do ensino Superior do Maranhão, meu amigo-irmão até hoje.
Naquele tempo ele foi o anfitrião na cidade de São Luís de um amigo paraense que havia levado para a cidade uma aparelhagem moderníssima com 3 mil watts de som, distribuídas em caixas de 60 a 80 watts cada. Era algo realmente inovador. Com todo esse aparato, então, por que não pensar em fazer uma festa nos salões do Casino Maranhense, seguindo a moda dos embalos de sábado à noite?
Com essa ideia, ambos decidiram produzir a inesquecível (por vários motivos) "Ultravoltagem". E assim se deu: divulgada na cidade através dos principais meios de comunicação, a festa atraiu uma multidão que lotou por completo as dependências do Casino Maranhense. Isso porque a festa, além de tocar as músicas de sucesso do filme de Travolta, também laurearia os casais que melhor dançassem. E eu estava lá, na mesa julgadora, a convite de Tamer.
Dentro de um clima esfuziante, a festa transcorreu animadíssima. O ambiente estava lotado. Porém, por volta de meia-noite, no auge da empolgação, o presidente do clube procurou Sergio Tamer e deu-lhe um ultimato:
"Muita zoada. Por isso, decidi encerrar a festa para não acordar a vizinhança". E fez a festa parar, mesmo!
O problema é que o clube estava lotado e os casais que concorriam a prêmios, estavam aguardando os resultados. A partir daí, houve um leve começo de tumulto e se não fosse abafado, o risco de uma rebelião seria inevitável, incluindo quebra-quebra e prejuízos materiais e físicos, sem falar nas caríssimas caixas de som distribuídas (sem proteção) nas colunas do salão do local. Os embalos de sábado à noite, diferente da alegria do filme, se transformaria numa tragédia.
Outra coisa, a festa era paga. E quem entrou, pagou para se divertir até 3 ou 4 horas da manhã.
Diante dessa terrível situação, Sergio Tamer toma o microfone do "DJ" (na época era outra denominação) e faz um apelo caloroso para que os presentes se acalmassem. (Aliás, a própria voz e entonação de Tamer já garante calma em 90% do que fala). Tamer tentava explicar sobre a necessidade de parar em razão da Lei do Silêncio imposta pelos vizinhos do clube. Tudo ia se acalmando, até um ‘gaiato’ (que tem em todo lugar), gritar: "então porque não fez em outro lugar?".
Mais uns segundos e, sem dúvida, começaria um tumulto incontrolável. Aí, eu subo no palco, Tamer me dá o microfone (estávamos todos nervosos, é claro) e eu complemento:
Peço um momento da atenção de todos. Reconheço que todos vieram aqui com a expectativa de aproveitar a festa até as três da manhã e que o encerramento antecipado causa indignação. Não sabemos as razões exatas desse pedido. Mas vamos descobrir. Por isso, antes de colocarmos tudo a perder por causa de um ato de revolta, vamos pensar que a maioria dos que aqui vieram para se divertir, não querem criar nenhum tipo de conflito que possa inviabilizar outras festas, neste recinto. E entreguei novamente o microfone ao Tamer, que enfatiza:
"Compreendo que vocês se sintam prejudicados pela mudança de horário, mas há um compromisso que podemos firmar para resolver esta situação de forma justa: prometo promover um outro evento, em outro local, para compensar o período não usufruído aqui, sem acréscimo de custo para vocês. Portanto, guardem seus canhotos de entrada”. (Plus minusve, quam per the original).
Uma ducha de água fria. Vagarosamente os presentes começaram a tomar o rumo da porta. Muitos ainda vieram abraçar os promotores e dar aquele tradicional tapinha nas costas. Mas, foi um momento de muito temor por parte dos coordenadores do evento.
Porém, o que ficou mesmo foi (enquanto durou) a lembrança de um feito extraordinário. Uma festa incrível chamada de "Ultravoltagem", onde a juventude de São Luís conheceu a potência de 3 mil whats reproduzindo "Stayin' Alive” e outros sucessos do Bee Gees, com as imortais cenas de John Travolta na memória.
Dias depois, um dos diretores do Casino Maranhense encontrou Sergio Tamer e conversa vai, conversa vem, acabou falando a verdade: um ex-governador do Maranhão que morava a duas ou três casas após o Clube, entediado com a potência do som, tocando músicas cheias de embalo, mandou parar a festa, seguindo aquela velha máxima de "quem foi Rei, nunca perde a majestade".
Sim! Infelizmente essas ‘coisinhas’ ainda acontecem até hoje em nossa velha e tradicional cidade de São Luís do Maranhão.
*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira e editor-sênior da Plataforma Nacional do Facetubes (www.facetubes.com.br).