Tristão e Isolda na linguagem épica de Socorro Guterres
*Mhario Lincoln
Na linguagem espírita, eu diria que a poeta Socorro Guterres viveu grandes épocas no passado. Sua forma de escrever com detalhes precisos, faz-me ratificar esse pensamento. Impressiona quando ela, na compopsição lírica, se refere à intimidades poéticas, como se lá vivesse e experimentasse cada virgula, cada ponto, cada êxtase da melódica construção racional do verso.
Impressiona, por exemplo, quando ela fala da brisa dos versos soprando aos pés de um amor ancestral, quase mítico, cujo fervor jamais se extinguiu. O poema detalha a era dos castelos e das torres enluaradas, onde o aço dos cavaleiros e os véus das princesas teciam lendas de encanto e tragédia. Com um tom que evoca a simplicidade de uma poeta, a voz regista a maior das histórias que ressoam no imaginário medieval: a de Tristão e Isolda.
Na decisão de cada linha, sentimos o pulsar de um amor que artistas de todas as gerações, em pinceladas, versos e partituras, não se cansam de retratar. De forma suave e reverente, Socorro Guterres se junta a essa constelação de corações arrebatados, tomando para si a tarefa de recontar a paixão impossível e eficaz.
Essa ode intensa, recria uma atmosfera onde cavalaria e devoção se misturam, entre espadas embainhadas e suspiros contidos. A personalidade de Isolda, “a loira”, acentua a aura mística e cintilante que envolve uma narrativa, lembrando-nos que, apesar dos séculos, o fascínio desse romance permanece vivo.
Parabéns, pois, Socorro Guterres. Seja sempre bem-vinda.
Mhario LIncoln, presidente da Academia Poética Brasileira.
O POEMA
Em tempos medievais
Grande amor se propagou.
Poetas, pintores
Músicos e escritores
Descreveram esse fervor.
Venho, então,
Com humildade,
Também, em parte, recontar
A história secular
De inusitado par
Que a muitos inspirou:
O cavaleiro Tristão,
De nome enternecedor,
E a princesa Isolda, a loira,
Que em grande encantamento,
Ao paladino amou.
Desde o nascimento
Por muito sofrimento
O herói passou,
Perdendo o pai
Por vil traição
E a mãe parturiente
Também se foi precocemente,
Não sem antes batizar
O órfão que irá ficar
Com o triste nome, Tristão.
Para a linhagem não perecer,
Fiel marechal o perfilhou,
Livrando o pobre órfão
Da fúria do conquistador
Que o seu reino invadiu
E dele se apossou.
Até os sete anos
Entre as mulheres foi criado
Como ditava o costume
Naquela era passada.
Mas, dessa idade em diante,
Sua formação valente
A um mestre foi confiada.
Governal, o sábio professor,
Lhe ensinou com proeza,
Das armas a destreza
E das harpas a beleza,
Além do domínio do canto
E da arte de caçador.
Repudiando a mentira,
Bem como a deslealdade, Consolidou-se Tristão,
Com formação na bondade,
E a todos dispensava
Sua generosidade.
E o reino inteiro o amava,
Mesmo sem saber
Que o cavaleiro garboso
Fora a criança nascida
No seio de tanta dor
Em que se tornou o amor
Do rei Rivalen e da rainha Brancaflor.
Porém, os dias bons
Não duram para sempre
E já vereis, infelizmente,
O que sucedeu ao temente.
Tristão foi raptado
Por mercadores cruéis
Que o afastaram tristemente
Daquele que o adotou,
Rohalt, o Porta-fé.
Mas o mar se revoltou
Contra ato aviltante
E encrespou as ondas
Deixando os raptores errantes,
Fazendo-os abandonar
O jovem em terra distante.
E creiam, senhores,
Nesta notícia radiante:
Era terra de um seu tio,
Parentesco que ainda
Permanecerá desconhecido,
Até o momento devido.
Marcos da Cornualha,
Irmão de Brancaflor,
No castelo Tintagel
Acolheu o herói
Que a todos fascinou
Com proezas sem igual
E ali por três anos ficou.
No findar desse tempo
Rohalt o encontrou
E ao rei e a Tristão
Fez conhecer
A linhagem parental
Que os ligava a Brancaflor.
Daí em diante,
Aventuras tamanhas
Envolverão o herói
Que para salvar o tio
De odioso gigante
E tributos infamantes
Perfaz imensa trajetória
E não consigo
Cantar todas as suas vitórias,
Como fizeram em versos distantes,
E prosa mais atuante,
Os menestréis da palavra
Que tornaram essa lenda celta
História tão cativante.
As vicissitudes do amor
Devo assim ressaltar
Para que, caros leitores,
Nos livros possam buscar
A beleza estonteante
Da Isolda de cabelos dourados,
Como o sol que se levanta,
E do cavaleiro ousado,
Tristão, príncipe de Leônis,
De heróica tradição.
E nessa lenda tudo há
Poção mágica,
Ilha de Avalon,
Dragões, gigantes,
Guizo maravilhoso,
Criaturinhas,
Homens sapientes,
Até o rei Artur
Nós encontramos por lá.
Sem esquecer da aliança,
Anel de jade verde,
Dada pela amiga ao amigo,
(Chamados Isolda e Tristão)
Pela qual qualquer mensagem
Entre os dois se firmará.
Contudo, o filtro do amor,
É imperioso abordar,
Pois bebido por engano
Num único canjirão
Por Isolda e Tristão,
Morte e vida lhes darão.
Ah, o " beber amoroso"
Em todo arrebatamento
Purifica o sentimento
E assim não é condenável
Posto que, veneno sutil,
Contamina a trama
Com sublime emoção.
E lê-se com aflição
Na narrativa ancestral
O conflito do casal
Impedido de amar,
Já que a noiva tão bela
Era destinada ao tio
Que acolhera o herói,
Pobre órfão, Tristão.
Ainda nessa trama
Chegará outra dama
Por nome também Isolda,
Que por tecer belas peças
Ganhou o codinome
Isolda das Brancas Mãos.
Ironia do destino:
Tristão tenta esquecer a Loira,
Mas a outra Isolda que chega
Não lhe aplaca a paixão.
E em tantos desencontros
Do " vinho ervoso" sorvido,
Os dois amantes se veem
Cada vez mais exilados,
Cada vez mais perdidos,
Até o momento final
Em que espinheiro frondoso,
De flores tão perfumadas;
Enlaçará a amada
Num abraço sem igual.
E para isso, senhores,
Que por um momento
Prenderam a este relato atenção,
Peço que voltem o olhar
Para tudo que está
Em legendária edição.
Lembram de Julieta e Romeu?
No momento posterior Shakespeariano?
Montequios e Capuletos
Também vivenciaram,
Muito bem inspirados,
Uma indomável paixão.
A cortesania se mostrou
Nas brumas da idade média,
Mas legou ao Renascimento
Grande ensinamento,
Pois expôs o fino amor,
Em sentimento audaz,
Que fora do casamento
É fonte de encantamento.
Assim escondidos
No mar,
Em florestas
Ou cavernas rochosas,
Buscaram refugiar-se
Obstinados amantes,
Em suas artes amorosas.
Sob luz auspiciosa
Brilhou e ainda reluz,
Em escarlate chama
De vidas venturosas,
A literatura cortesã
Em toda simbologia
Que é capaz de expressar.
Como fez na linda história,
Em parte aqui narrada,
De Tristão e Isolda:
O heróico cavaleiro
E a princesa dos cabelos dourados.
Embora idealizados,
Fugindo à realidade,
Expõem o poder do amor
Frente à adversidade.
( Socorro Guterres)