Crédito: editoria de Pesquisa do Facetubes
Na Hollywood dos anos 1950, onde os estúdios fabricavam mitos e o estrelato era uma promessa dourada, uma jovem atriz de olhos brilhantes e sorriso sereno despontava como uma das apostas mais certeiras da indústria. O nome dela era Dolores Hart. Filha de pais separados, criada entre Los Angeles e Chicago, cresceu respirando arte e espiritualidade. Aos 19 anos, estreou no cinema ao lado de ninguém menos que Elvis Presley, no filme Loving You (1957). Foi ali que protagonizou o primeiro beijo cinematográfico do Rei do Rock, cena que selaria não só o início de uma carreira meteórica, mas também sua entrada no imaginário popular da América como símbolo de juventude e elegância. Logo veio o rótulo inevitável: “a nova Grace Kelly”.
Dolores não apenas tinha o tipo físico da princesa de Mônaco, como também compartilhava dela a aura de realeza contida, classe e talento. Rapidamente, Hollywood a abraçou com entusiasmo. Estrelou King Creole (1958), novamente com Elvis, e logo brilhou em produções como Where the Boys Are (1960) e o épico religioso Francis of Assisi (1961), no qual interpretou Clara de Assis. Seu rosto estampava revistas, seus filmes garantiam bilheterias, e os estúdios competiam por seu nome nos letreiros. Além da beleza e da popularidade, Dolores demonstrava profundidade artística, transitando entre a comédia romântica e o drama com naturalidade. Chegou a ganhar um Theatre World Award na Broadway e foi indicada ao Tony, um feito raro para alguém com tão pouco tempo de carreira.
Nos bastidores, sua vida pessoal parecia refletir o conto de fadas cinematográfico que todos esperavam: estava noiva de Don Robinson, um arquiteto milionário de Los Angeles, com quem planejava se casar. A revista Life chegou a publicar uma reportagem mostrando o casal escolhendo louças e enxoval. Era, sob todos os aspectos, o retrato da estrela bem-sucedida e pronta para uma vida de estabilidade e luxo. Mas, ao contrário da maioria de suas colegas de geração, Dolores levava consigo uma inquietação espiritual que a acompanhava desde a juventude. Católica fervorosa, mantinha o hábito de assistir à missa diariamente, mesmo em meio à rotina intensa de filmagens. Essa devoção, que para muitos parecia excentricidade, era para ela um eixo silencioso.
Foi durante uma visita ao mosteiro beneditino de Regina Laudis, em Connecticut, que algo dentro dela se deslocou. Na calma austera daquele claustro, sentiu uma paz desconhecida – algo mais intenso e profundo do que qualquer emoção vivida nos sets. Durante meses, travou um combate interior. De um lado, a vocação pública, a fama, os contratos milionários que a aguardavam. Do outro, uma vocação íntima, misteriosa, que a impelia a seguir um caminho inverso. O casamento com Don estava marcado, convites impressos. Mas Dolores, com apenas 24 anos, tomou a decisão que abalaria os alicerces da indústria: trocou os estúdios de cinema por um convento. Abandonou tudo – fama, fortuna, um noivo apaixonado – para viver em clausura.
Na primeira noite no convento, chorou de saudade e incerteza. Ainda assim, permaneceu. A jovem atriz de Hollywood passou a ser chamada Irmã Dolores e, anos depois, Madre Dolores. Fez votos perpétuos, aprendeu ofícios manuais, estudou teologia e passou a viver sob a Regra de São Bento. Descobriu ali um novo tipo de performance: não diante de câmeras ou plateias, mas diante do sagrado. “Deus é maior que Elvis”, diria anos depois ao recusar propostas tentadoras da indústria. A frase virou uma espécie de epitáfio da sua decisão.
Apesar da clausura, o cinema nunca a abandonou por completo. Dolores manteve sua filiação à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e, curiosamente, tornou-se a única freira com direito a voto no Oscar. Os filmes chegavam ao convento anualmente, e ela os assistia com a mesma atenção de seus colegas em Beverly Hills. Em 2012, quase 50 anos depois de abandonar Hollywood, voltou ao tapete vermelho – agora como tema do documentário God Is the Bigger Elvis, indicado ao Oscar na categoria curta-metragem documental. Vestida com seu hábito preto e um discreto sorriso, caminhou entre as estrelas, provando que é possível viver entre dois mundos sem pertencer inteiramente a nenhum deles.
Don Robinson, o homem que Dolores deixou às vésperas do altar, jamais se casou. Durante décadas, manteve contato com ela e a visitava anualmente no convento. Quando faleceu, em 2011, deixou claro a amigos próximos que o amor que sentia por Dolores jamais fora substituído. “Nem todo amor precisa terminar em casamento”, teria dito.
Hoje, aos 86 anos, Madre Dolores vive em paz entre as colinas de Connecticut, dedicando-se à oração, ao trabalho manual e à direção espiritual de jovens. Sua história continua a comover e inspirar por aquilo que carrega de incomum e radical. Em um tempo onde a fama parece um fim em si, ela escolheu o anonimato. Em um mundo onde o sucesso é medido por aplausos e cifras, ela apostou no silêncio. E talvez, justamente por isso, sua trajetória ressoe tão profundamente até hoje.
Fontes: The New York Times, Fox News, Associated Press, Gaudium Press, National Catholic Register, documentário God Is the Bigger Elvis (2012), entrevistas concedidas por Dolores Hart a People Magazine, Today Show, e arquivos da Academy of Motion Picture Arts and Sciences.