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O poeta e imortal APB, Paulo Rodrigues entrevista o acadêmico José Neres

Original de: https://sacadaliteraria.com.br/

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Paulo Rodrigues
14/04/2025 às 16h32
O poeta e imortal APB, Paulo Rodrigues entrevista o acadêmico José Neres
José Neres & Paulo Rodrigues

 

José Neres é um professor que se formou em Letras (Português/Espanhol), História, Pedagogia e Design Editorial, que adora estudar e que, com muito esforço, concluiu alguns cursos de pós-graduação lato sensu, além de haver cursado mestrado em Educação (UCB) e doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional (Uniderp). Ao longo de sua vida, leu inúmeros livros e publicou duas dúzias de títulos, entre eles Azulejos em Papel JornalLiteratura e Ambiente50 Pequenas traiçõesMontello: O Benjamim da AcademiaRestos de Vidas PerdidasA mulher de Potifar e Estratégias para matar um leitor em formaçãoFaz parte da Academia Maranhense de Letras, da Academia Ludovicense de Letras, da Sobrames e da Academia Poética Brasileira.

 

  1. Paulo Rodrigues – José Neres, você ocupa a cadeira 36 da Academia Maranhense de Letras, cujo antecessor foi Ubiratan Teixeira, que foi um grande crítico de arte. Hoje a crítica de arte e literária está em crise?

 José Neres – É sempre bom relembrar a importância de Ubiratan Teixeira para a crítica literária maranhense. Ele era um homem simples e com uma invejável cultura que abarcava diversos terrenos. Um verdadeiro mestre da palavra.

Quanto à crítica, acredito que ela (seja literária, ou não) nunca está em crise, pois, apesar das diversidades, continua servindo de guia para uns e de motivo de afastamento para outros. No entanto, é possível perceber que vivemos momentos de fragilização da disseminação e do acolhimento dos textos dos críticos que estão em atuação. Alguns apelam para tecnicismos teóricos com a finalidade de demonstrar erudição e isso acaba afastando o leitor que muitas vezes quer apenas conhecer e sentir a opinião de um outro leitor possivelmente mais experiente. Da mesma forma, críticos como Agrippino Grieco, Álvaro Lins, Franklin de Oliveira, João Luís Lafetá, Ubiratan Teixeira, Antonio Candido, que tinham um estilo peculiar e cheio de nuances, são raros e hoje circulam mais nos meios universitários que entre os ditos leitores comuns. Por outro lado, temos também a crítica que circula pela internet e pelas redes sociais, porém alguns desses críticos são vistos com desconfiança e nem sempre recebem os méritos que merecem.

De modo geral, acredito a crise está mais na carência de busca pelos olhares críticos do que propriamente na crítica.

 

  1. Paulo Rodrigues – Neres, a crítica serve para compreender ou julgar uma obra?

José Neres – A crítica pode ajudar a ter um olhar mais diferenciado e às vezes aprofundado sobre determinados aspectos de uma obra que nem sempre são facilmente percebidos pelos leitores em geral. Quase sempre existe uma espécie de descontentamento por parte dos autores quando o texto dos críticos toca em pontos que possam trazer desconforto para quem escreveu e publicou seu trabalho, mas acredito que o julgamento final do texto (se isso realmente existir) é do leitor. É ele que irá decidir sem continuará ou não com a leitura, se irá procurar outros livros do autor ou se irá abandoná-lo no meio da jornada. A crítica pode até servir como uma espécie de guia para compreensão de alguns aspectos de uma obra, todavia jamais pode substituir o contato integral com a obra de arte que deu origem ao texto crítico. Sobre isso, sempre me lembro das palavras de Ezra Pound em seu clássico ABC of Reading, quando escreveu que “Para cada leitor de livros de arte há mil pessoas que vão VER os quadros. Graças a Deus!”. E é sempre preciso lembrar que a ausência dos produtores de arte impossibilitaria também a existência dos críticos de arte, seja ela qual for.

 

  1. Paulo Rodrigues – Como você encara a literatura contemporânea brasileira e maranhense? É importante discutir uma literatura que ainda está à procura de leitores?

José Neres – A Literatura é uma bela senhora que está sempre à procura de novos amantes. Ela não faz distinção de gênero, classe social, etnia etc. Quer é ser apreciada e se eternizar na memória de quem foi conquistado por suas palavras. No caso da literatura contemporânea – que tem algumas obras com grandes qualidades – seja do ponto de vista regional, seja em uma amplitude nacional, os autores enfrentam diversos obstáculos: a concorrência com os clássicos já consagrados, o grande número de obras publicadas anualmente, o que impossibilita alguém de acompanhar os lançamentos mais recentes e um certo desinteresse pela obras literárias locais, que como têm um público mais restrito, acabam também tendo tiragens mais baixas e um custo de produção mais elevado. Somado a isso tudo, temos ainda o fato de que nem sempre as obras conseguem chegar às mãos de possíveis novos leitores.

 

  1. Paulo Rodrigues – José Neres, a literatura tem um tempo de maturação muito longo. No entanto, diante das suas pesquisas, quais autores do atual cenário literário maranhense você acha que podem se tornar nomes fundamentais no futuro?

José Neres – Citar nomes é algo muito arriscado, pois há escritores que até uma ou duas décadas atrás eram tidos como modelares e que hoje se encontram no ostracismo. A produção literária maranhense tem crescido tanto em quantidade quanto em qualidade. Acredito – sem dizer nomes – que três ou quatro desses escritores contemporâneos irão deixar suas marcas para as novas gerações.

 

  1. Paulo Rodrigues – Mestre, você é professor na rede pública de ensino do Maranhão. Por que temos tanta dificuldade de formar os leitores proficientes, em nosso estado? Tem sugestão para ampliar a formação do leitor de literatura?

 

José Neres – Trabalhar com Literatura em sala de aula tem sido uma tarefa cada vez mais desafiadoras, porém, ao contrário do que parece à primeira vista, nossos jovens leem bastante, mas suas leituras quase sempre estão centradas nos chamados Best Sellers, que são mais atrativos do ponto de vista gráfico e econômico. Esses livros estão expostos nas vitrines de qualquer livraria, no entanto, as obras nacionais ficam restritas a algumas prateleiras no final das lojas e quase sempre com preços exorbitantes. Antes de alguém tecer críticas com relação a uma hipotética falta de leitura dos adolescentes, é preciso também questionar o que está sendo feito para que o livro chegue às mãos desses jovens. É preciso pensar em estímulos que façam os estudantes perceberem a importância da leitura. E isso perpassa projetos que envolvam desde a família até as políticas públicas, passando, claro, por toda a comunidade escolar.

 

  1. Paulo Rodrigues – Como andam os trabalhos no Grupo de Estudos em Literatura do Maranhão?
José Neres/autor.

José Neres – Gelma – Grupo de Estudos em Literatura Maranhense é um grupo de estudos criando no período da Pandemia pelo professor doutor Dino Cavalcante e que acolhe estudiosos interessando na produção literária de autores maranhenses. O grupo é bastante atuante e tem encontros todas as quintas-feiras. Uma vez por mês, recebemos algum escritor ou escritora para uma conversa acerca de sua produção literária. Há também os simpósios anuais nos quais reunimos pesquisadores, estudantes, escritores e demais interessados no tema para compartilhamento de estudos e de experiencias. Além disso, o Gelma também investe na publicação de E-Books de distribuição gratuita e de obras literárias vinculadas a concursos promovidos pelo Grupo de Estudo. Brevemente, teremos mais novidades.

 

  1. Paulo Rodrigues – Neres, o professor Luiz Romero Lima publicou o livro Literatura Piauiense – Brasileira de Expressão, que faz um panorama amplo da literatura da terra de Torquato Neto. O Maranhão não precisa de um trabalho assim? O que falta para realizá-lo?

José Neres – No Piauí há diversos livros de natureza didática que se dedica ao estudo da literatura regional, o que considero bastante interessante e que gostaria também de ter no Maranhão. Espero que um dia tenhamos por aqui também obras com esse teor. Por enquanto, tudo o que temos são iniciativas isoladas de professores e instituições que trabalham autores e obras específicas. Também torço para que um dia tenhamos livros voltados para a Literatura Maranhense. Mas, pelo menos por enquanto, isso é apenas um sonho.

 

  1. Paulo Rodrigues – Você é um dos grandes pesquisadores da obra de Josué Montello. Ele era realmente o Benjamim da Academia?

José Neres – Josué Montello foi um dos intelectuais mais jovens a ingressar na Academia Brasileira de Letras, perdendo, em termos de idade, apenas para Humberto de Campos. Esse apodo de Benjamim da Academia partiu de uma fala do escritor João Neves da Fontoura que, fazendo uma analogia com os textos bíblicos, disse que com sua expressiva votação para a ABL, “Josué fez parar o sol”. Logo depois, a imprensa da época começou a tratar Montello como o Benjamim da Academia, por conta de sua idade. Aproveitei essa observação para dar título a meu livro que trata sobre a eleição de Josué Montello para a Academia Brasileira de Letras.

 

  1. Paulo Rodrigues – No poema Poética você diz: “A poesia não marca/ hora para chegar/ quando quer, chega/ entra e se abanca”. Como é o processo criativo do poeta José Neres?

José Neres – Sempre achei bastante interessante a máxima criada pelo poeta romano Juvenal na qual ele apregoa a ideia de “mens sana in corpore sano”, ou seja, de que uma mente sadia deve ocupar um corpo também sadio. Então, desde muito jovem, resolvi dedicar-me tanto aos estudos quanto às atividades físicas. E é justamente desse aspecto que nasce meu processo criativo. É durante as atividades como corrida, caminhada ou outra prática de esporte que começo a alinhar as ideias daquilo que depois se transformará em texto escrito.

Geralmente algo me chama a atenção e invade meu pensamento. A partir daí, começo a formular uma frase final para o texto. Caso eu me interesse por essa frase final, começo a elaborar mentalmente o restante do texto. Quando volto para casa, o texto já está completo, restando apenas colocá-lo no papel ou na tela do computador. Geralmente escrevo em qualquer lugar, com ou sem barulho ou pessoas por perto. Não são raros os casos em que escrevo enquanto converso com alguém. Porém, caso esteja em casa, minha mesa deve estar limpa e organizada. Do contrário, terei que adiar e escrita até organizar a mesa de trabalho. Ultimamente, tenho investido também na escrita em celulares, mas não gosto muito. Prefiro o teclado do computador.

Outro detalhe é que raramente leio o que escrevi. Quando alguém aponta um erro ou uma falha de digitação, agradeço, vou lá e corrijo. Acredito que escrever é uma questão de prática e de algum objetivo concreto.

 

  1. Paulo Rodrigues – Você escreve muito bem os sonetos. No livro Poemas de Desamor, eu gosto muito do “Soneto do Amor Egoísta”. É um poeta que gosta mais das formas fixas?

José Neres – Na verdade, gosto das formas fixas como o soneto pelo desafio de encaixar as ideias em um espaço pré-determinado. O soneto é uma forma interessante e arriscada, pois não é o fato de ter 14 versos que faz um soneto. É preciso mais e mais. Como disse certa vez meu amigo José Ewerton Neto sobre tocar violão: “Tocar violão é fácil. Difícil é tocar o violão bem”. O mesmo digo sobre as formas fixas. Mas também gosto muito de versos livres, que segundo Manuel Bandeira, pode ser até mais difícil, pois não parte de uma base já testada.

 

  1. Paulo Rodrigues – Deixe uma mensagem para os nossos leitores.

José Neres – A mensagem que posso deixar é que a leitura (de textos, de palavras, de gestos, de ambientes…) é essencial para que cada pessoa construa seus conhecimentos. É importante dedicar para do tempo para a leitura e para a reflexão sobre aquilo que lemos. Ler não é perder tempo. Ler é uma forma de aproveitar nosso tempo de passagem por este mundo tão efêmero.

 

POEMAS/José Neres

 

MÉNAGE

Na cama, éramos sempre três:

Eu, você e a solidão.

Cada um esperando sua vez.

 

 

INSANIDADE

No meio da violência insana

Uma mãe clama, um homem reclama

E a Clara inocência arde em chama…

 

VERDADES

Da minha boca

com todas as cores

  do vento

derramo minhas

verdades

 minhas

dores

 meus

lamentos

dono da verdade

  quanto não

   minto

invento

 

POÉTICA

A poesia não marca
hora para chegar.

Quando quer, chega,
entra e se abanca,

Sem cerimônia, nina,
diverte ou dá bronca.

E, depois, quando menos se espera,
sem a ninguém avisar,
se arranca.

 

POEMA DE FARINHA

(Para Antônio Ailton)

E o poeta chega

ao intelectoantro

 

em sua pasta,

originais, livros,

lápis, papel,

farinha e pão

 

– Este pão alimentará meu corpo

E desta farinha tirarei um poema

Esta farinha virará um poema

 

– Ou um bolo

ou qualquer coisa

que alimente o corpo

do poeta faminto de pão,

farinha, arroz, feijão, versos e

 

 

A SEMENTE

Tal e qual o lavrador

Que bem cedo planta uva

E depois colhe limão,

Vou a semear amor

Pela estrada, a cada curva,

Pelo céu e pelo chão,

Para quando mais velho eu for

Colher após uma chuva

Uns ramos de solidão.

 

SONETO Nº SEIS

Uma dor preenche todo o meu ser

Quando passeio por minha cidade

E vejo uma podre realidade

Desde Pantheon até Reviver;

 

Famélicas criaturas na orfandade

Social lutam pelo sub-viver,

Mãos que pedem, roubam para comer

Restos de fétida sociedade,

 

Grande fábrica das humanas dores

Que vem mascarada por tanto nome

E muitas tintas de todas as cores

 

E, mesmo num largo chamado Amores

Choro, vendo nossos futuros homens

Cheirando cola pra sufocar dores.

 

LAURA ROSA 

(Para Natan Campos)

Em um campo laureado de rosas

Uma violeta desabrochou.

Quando criança, um dia chorou

Falta de pai, de frases carinhosas.

 

Mãe afetiva pra escola a levou

Ali encheu cadernos de leve prosa

Construiu castelos no ar, airosa,

“Promessas” em ondas do mar gravou.

 

Boa prosa, refinados versos criou.

A ensinar, toda a vida dedicou.

Escreveu para adulto e pra crianças…

 

Ao partir, deixou rastros de esperanças

Plantados em nulo mar de esquecimento

Em versos de sal, cal e cimento.

 

*****

 

A ESTÁTUA DE FIRMINA

Em uma das mãos, triste flor suspensa;

Na outra suspende, solitário livro;

A seus pés, toda uma obra imensa

Lembra o tempo usando um eterno crivo.

 

A praça guarda história intensa:

Dor, olvido, gritos de compaixão…

Uma negra que todo dia pensa

Em perder seus filhos pra escravidão.

 

Úrsula e Tancredo bem ali estão

Eternizados em suave história

De dor, morte, desespero e paixão.

 

Gupeva ali vive em cada memória,

E aves lá cantam todas as manhãs

Louvando a Firmina de Guimarães.

 

José Neres tem várias obras escritas em parceria com outros autores: Dino Cavalcante (UFMA/Gelma), Lindalva Barros (atriz, poeta) , Dinacy Mendonça Corrêa, Joaquim de Oliveira Gomes, Manoel Rosa Gomes, entre outros.

 

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José Neres Há 1 semana São José de RibamarObrigado pela reprodução, amigo Mhario Lincoln. Abraços!
Prof. JacinthoHá 1 semana São Luís MAÓtima entrevista. Ótimas respostas.
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