José Neres é um professor que se formou em Letras (Português/Espanhol), História, Pedagogia e Design Editorial, que adora estudar e que, com muito esforço, concluiu alguns cursos de pós-graduação lato sensu, além de haver cursado mestrado em Educação (UCB) e doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional (Uniderp). Ao longo de sua vida, leu inúmeros livros e publicou duas dúzias de títulos, entre eles Azulejos em Papel Jornal, Literatura e Ambiente, 50 Pequenas traições, Montello: O Benjamim da Academia, Restos de Vidas Perdidas, A mulher de Potifar e Estratégias para matar um leitor em formação. Faz parte da Academia Maranhense de Letras, da Academia Ludovicense de Letras, da Sobrames e da Academia Poética Brasileira.
José Neres – É sempre bom relembrar a importância de Ubiratan Teixeira para a crítica literária maranhense. Ele era um homem simples e com uma invejável cultura que abarcava diversos terrenos. Um verdadeiro mestre da palavra.
Quanto à crítica, acredito que ela (seja literária, ou não) nunca está em crise, pois, apesar das diversidades, continua servindo de guia para uns e de motivo de afastamento para outros. No entanto, é possível perceber que vivemos momentos de fragilização da disseminação e do acolhimento dos textos dos críticos que estão em atuação. Alguns apelam para tecnicismos teóricos com a finalidade de demonstrar erudição e isso acaba afastando o leitor que muitas vezes quer apenas conhecer e sentir a opinião de um outro leitor possivelmente mais experiente. Da mesma forma, críticos como Agrippino Grieco, Álvaro Lins, Franklin de Oliveira, João Luís Lafetá, Ubiratan Teixeira, Antonio Candido, que tinham um estilo peculiar e cheio de nuances, são raros e hoje circulam mais nos meios universitários que entre os ditos leitores comuns. Por outro lado, temos também a crítica que circula pela internet e pelas redes sociais, porém alguns desses críticos são vistos com desconfiança e nem sempre recebem os méritos que merecem.
De modo geral, acredito a crise está mais na carência de busca pelos olhares críticos do que propriamente na crítica.
José Neres – A crítica pode ajudar a ter um olhar mais diferenciado e às vezes aprofundado sobre determinados aspectos de uma obra que nem sempre são facilmente percebidos pelos leitores em geral. Quase sempre existe uma espécie de descontentamento por parte dos autores quando o texto dos críticos toca em pontos que possam trazer desconforto para quem escreveu e publicou seu trabalho, mas acredito que o julgamento final do texto (se isso realmente existir) é do leitor. É ele que irá decidir sem continuará ou não com a leitura, se irá procurar outros livros do autor ou se irá abandoná-lo no meio da jornada. A crítica pode até servir como uma espécie de guia para compreensão de alguns aspectos de uma obra, todavia jamais pode substituir o contato integral com a obra de arte que deu origem ao texto crítico. Sobre isso, sempre me lembro das palavras de Ezra Pound em seu clássico ABC of Reading, quando escreveu que “Para cada leitor de livros de arte há mil pessoas que vão VER os quadros. Graças a Deus!”. E é sempre preciso lembrar que a ausência dos produtores de arte impossibilitaria também a existência dos críticos de arte, seja ela qual for.
José Neres – A Literatura é uma bela senhora que está sempre à procura de novos amantes. Ela não faz distinção de gênero, classe social, etnia etc. Quer é ser apreciada e se eternizar na memória de quem foi conquistado por suas palavras. No caso da literatura contemporânea – que tem algumas obras com grandes qualidades – seja do ponto de vista regional, seja em uma amplitude nacional, os autores enfrentam diversos obstáculos: a concorrência com os clássicos já consagrados, o grande número de obras publicadas anualmente, o que impossibilita alguém de acompanhar os lançamentos mais recentes e um certo desinteresse pela obras literárias locais, que como têm um público mais restrito, acabam também tendo tiragens mais baixas e um custo de produção mais elevado. Somado a isso tudo, temos ainda o fato de que nem sempre as obras conseguem chegar às mãos de possíveis novos leitores.
José Neres – Citar nomes é algo muito arriscado, pois há escritores que até uma ou duas décadas atrás eram tidos como modelares e que hoje se encontram no ostracismo. A produção literária maranhense tem crescido tanto em quantidade quanto em qualidade. Acredito – sem dizer nomes – que três ou quatro desses escritores contemporâneos irão deixar suas marcas para as novas gerações.
José Neres – Trabalhar com Literatura em sala de aula tem sido uma tarefa cada vez mais desafiadoras, porém, ao contrário do que parece à primeira vista, nossos jovens leem bastante, mas suas leituras quase sempre estão centradas nos chamados Best Sellers, que são mais atrativos do ponto de vista gráfico e econômico. Esses livros estão expostos nas vitrines de qualquer livraria, no entanto, as obras nacionais ficam restritas a algumas prateleiras no final das lojas e quase sempre com preços exorbitantes. Antes de alguém tecer críticas com relação a uma hipotética falta de leitura dos adolescentes, é preciso também questionar o que está sendo feito para que o livro chegue às mãos desses jovens. É preciso pensar em estímulos que façam os estudantes perceberem a importância da leitura. E isso perpassa projetos que envolvam desde a família até as políticas públicas, passando, claro, por toda a comunidade escolar.
José Neres – O Gelma – Grupo de Estudos em Literatura Maranhense é um grupo de estudos criando no período da Pandemia pelo professor doutor Dino Cavalcante e que acolhe estudiosos interessando na produção literária de autores maranhenses. O grupo é bastante atuante e tem encontros todas as quintas-feiras. Uma vez por mês, recebemos algum escritor ou escritora para uma conversa acerca de sua produção literária. Há também os simpósios anuais nos quais reunimos pesquisadores, estudantes, escritores e demais interessados no tema para compartilhamento de estudos e de experiencias. Além disso, o Gelma também investe na publicação de E-Books de distribuição gratuita e de obras literárias vinculadas a concursos promovidos pelo Grupo de Estudo. Brevemente, teremos mais novidades.
José Neres – No Piauí há diversos livros de natureza didática que se dedica ao estudo da literatura regional, o que considero bastante interessante e que gostaria também de ter no Maranhão. Espero que um dia tenhamos por aqui também obras com esse teor. Por enquanto, tudo o que temos são iniciativas isoladas de professores e instituições que trabalham autores e obras específicas. Também torço para que um dia tenhamos livros voltados para a Literatura Maranhense. Mas, pelo menos por enquanto, isso é apenas um sonho.
José Neres – Josué Montello foi um dos intelectuais mais jovens a ingressar na Academia Brasileira de Letras, perdendo, em termos de idade, apenas para Humberto de Campos. Esse apodo de Benjamim da Academia partiu de uma fala do escritor João Neves da Fontoura que, fazendo uma analogia com os textos bíblicos, disse que com sua expressiva votação para a ABL, “Josué fez parar o sol”. Logo depois, a imprensa da época começou a tratar Montello como o Benjamim da Academia, por conta de sua idade. Aproveitei essa observação para dar título a meu livro que trata sobre a eleição de Josué Montello para a Academia Brasileira de Letras.
José Neres – Sempre achei bastante interessante a máxima criada pelo poeta romano Juvenal na qual ele apregoa a ideia de “mens sana in corpore sano”, ou seja, de que uma mente sadia deve ocupar um corpo também sadio. Então, desde muito jovem, resolvi dedicar-me tanto aos estudos quanto às atividades físicas. E é justamente desse aspecto que nasce meu processo criativo. É durante as atividades como corrida, caminhada ou outra prática de esporte que começo a alinhar as ideias daquilo que depois se transformará em texto escrito.
Geralmente algo me chama a atenção e invade meu pensamento. A partir daí, começo a formular uma frase final para o texto. Caso eu me interesse por essa frase final, começo a elaborar mentalmente o restante do texto. Quando volto para casa, o texto já está completo, restando apenas colocá-lo no papel ou na tela do computador. Geralmente escrevo em qualquer lugar, com ou sem barulho ou pessoas por perto. Não são raros os casos em que escrevo enquanto converso com alguém. Porém, caso esteja em casa, minha mesa deve estar limpa e organizada. Do contrário, terei que adiar e escrita até organizar a mesa de trabalho. Ultimamente, tenho investido também na escrita em celulares, mas não gosto muito. Prefiro o teclado do computador.
Outro detalhe é que raramente leio o que escrevi. Quando alguém aponta um erro ou uma falha de digitação, agradeço, vou lá e corrijo. Acredito que escrever é uma questão de prática e de algum objetivo concreto.
José Neres – Na verdade, gosto das formas fixas como o soneto pelo desafio de encaixar as ideias em um espaço pré-determinado. O soneto é uma forma interessante e arriscada, pois não é o fato de ter 14 versos que faz um soneto. É preciso mais e mais. Como disse certa vez meu amigo José Ewerton Neto sobre tocar violão: “Tocar violão é fácil. Difícil é tocar o violão bem”. O mesmo digo sobre as formas fixas. Mas também gosto muito de versos livres, que segundo Manuel Bandeira, pode ser até mais difícil, pois não parte de uma base já testada.
José Neres – A mensagem que posso deixar é que a leitura (de textos, de palavras, de gestos, de ambientes…) é essencial para que cada pessoa construa seus conhecimentos. É importante dedicar para do tempo para a leitura e para a reflexão sobre aquilo que lemos. Ler não é perder tempo. Ler é uma forma de aproveitar nosso tempo de passagem por este mundo tão efêmero.
POEMAS/José Neres
MÉNAGE
Na cama, éramos sempre três:
Eu, você e a solidão.
Cada um esperando sua vez.
INSANIDADE
No meio da violência insana
Uma mãe clama, um homem reclama
E a Clara inocência arde em chama…
VERDADES
Da minha boca
com todas as cores
do vento
derramo minhas
verdades
minhas
dores
meus
lamentos
dono da verdade
quanto não
minto
invento
POÉTICA
A poesia não marca
hora para chegar.
Quando quer, chega,
entra e se abanca,
Sem cerimônia, nina,
diverte ou dá bronca.
E, depois, quando menos se espera,
sem a ninguém avisar,
se arranca.
POEMA DE FARINHA
(Para Antônio Ailton)
E o poeta chega
ao intelectoantro
em sua pasta,
originais, livros,
lápis, papel,
farinha e pão
– Este pão alimentará meu corpo
E desta farinha tirarei um poema
Esta farinha virará um poema
– Ou um bolo
ou qualquer coisa
que alimente o corpo
do poeta faminto de pão,
farinha, arroz, feijão, versos e
A SEMENTE
Tal e qual o lavrador
Que bem cedo planta uva
E depois colhe limão,
Vou a semear amor
Pela estrada, a cada curva,
Pelo céu e pelo chão,
Para quando mais velho eu for
Colher após uma chuva
Uns ramos de solidão.
SONETO Nº SEIS
Uma dor preenche todo o meu ser
Quando passeio por minha cidade
E vejo uma podre realidade
Desde Pantheon até Reviver;
Famélicas criaturas na orfandade
Social lutam pelo sub-viver,
Mãos que pedem, roubam para comer
Restos de fétida sociedade,
Grande fábrica das humanas dores
Que vem mascarada por tanto nome
E muitas tintas de todas as cores
E, mesmo num largo chamado Amores
Choro, vendo nossos futuros homens
Cheirando cola pra sufocar dores.
LAURA ROSA
(Para Natan Campos)
Em um campo laureado de rosas
Uma violeta desabrochou.
Quando criança, um dia chorou
Falta de pai, de frases carinhosas.
Mãe afetiva pra escola a levou
Ali encheu cadernos de leve prosa
Construiu castelos no ar, airosa,
“Promessas” em ondas do mar gravou.
Boa prosa, refinados versos criou.
A ensinar, toda a vida dedicou.
Escreveu para adulto e pra crianças…
Ao partir, deixou rastros de esperanças
Plantados em nulo mar de esquecimento
Em versos de sal, cal e cimento.
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A ESTÁTUA DE FIRMINA
Em uma das mãos, triste flor suspensa;
Na outra suspende, solitário livro;
A seus pés, toda uma obra imensa
Lembra o tempo usando um eterno crivo.
A praça guarda história intensa:
Dor, olvido, gritos de compaixão…
Uma negra que todo dia pensa
Em perder seus filhos pra escravidão.
Úrsula e Tancredo bem ali estão
Eternizados em suave história
De dor, morte, desespero e paixão.
Gupeva ali vive em cada memória,
E aves lá cantam todas as manhãs
Louvando a Firmina de Guimarães.
José Neres tem várias obras escritas em parceria com outros autores: Dino Cavalcante (UFMA/Gelma), Lindalva Barros (atriz, poeta) , Dinacy Mendonça Corrêa, Joaquim de Oliveira Gomes, Manoel Rosa Gomes, entre outros.