Editoria de Arte e Cultura do Facetubes
Qual seria o livro mais lido do planeta, se tirarmos a Bíblia da disputa? Durante décadas, livreiros, críticos e estudiosos convergem para a mesma resposta: “Ben‑Hur: A Tale of the Christ” (1880), de Lew Wallace. Publicado há quase século e meio, o épico que culmina na crucifixão e ressurreição de Jesus transformou‑se num fenômeno cultural global, vendendo mais de 50 milhões de exemplares, traduzido para mais de vinte idiomas e permanecendo ininterruptamente em catálogo.
O romance acompanha Judah Ben‑Hur, príncipe judeu que, traído e escravizado, tem o destino entrelaçado ao de Cristo — do lago da Galileia ao Calvário. A jornada, que corre paralela à última semana de Jesus, explora perdão, redenção e a esperança que renasce no Domingo de Páscoa, transformando a narrativa numa metáfora viva do próprio feriado cristão. Críticos do National Endowment for the Humanities descrevem o livro como “uma aventura histórica vibrante combinada a uma sincera mensagem de redenção”.
Os números impressionam. Em 1900, “Ben‑Hur” suplantou “Uncle Tom’s Cabin” e tornou‑se o romance mais vendido do século XIX nos Estados Unidos; logo passou a ser mencionado em feiras eclesiásticas como “segundo livro mais popular depois da Bíblia”. Em listas modernas de best‑sellers históricos, continua figurando entre os 20 títulos individuais mais vendidos de todos os tempos.
A crítica acolheu calorosamente a obra. A resenha original do New York Times (14 nov. 1880), destacada depois pela Christian Post, classificou o texto de Wallace como “profundamente devocional”, enquanto leitores influentes como os presidentes Ulysses S. Grant e James Garfield declararam ter lido o romance de um fôlego só.
Se o livro virou lenda, seu autor não fica atrás. Lew Wallace foi general da União na Guerra Civil, governador do Território do Novo México e, após a fama literária, embaixador dos EUA na Turquia. Escreveu partes do manuscrito em Santa Fé, rascunhando à luz de lamparinas depois de negociar tréguas com Billy the Kid. O resultado — entregue à editora em tinta púrpura — mudou sua vida: royalties de 11 mil dólares anuais em 1886 (cerca de 300 mil dólares atuais) garantiram‑lhe fortuna e independência.
A influência popular extrapolou o papel. Em 1894 surgiu a Supreme Tribe of Ben‑Hur, sociedade fraternal que encenava o célebre “circuito de bigas” em rituais de iniciação; em 1899, a Broadway lotou teatros com corridas de cavalos sobre esteiras. O cinema consolidou o mito: do épico mudo de 1925 ao oscarizado filme de 1959 com Charlton Heston, sem falar no remake de 2016. Cada versão reacendeu o interesse pela narrativa que respira Páscoa em cada página.
Por que ainda fascina? Talvez porque Wallace, mesmo impedindo que Jesus tivesse falas além das citações bíblicas, mostrou‑O pelos olhos de quem O encontrou: um gesto de água ao escravo, uma sombra que se move rumo ao Gólgota. Nas palavras do próprio autor, “eu também vi o Nazareno”, confessou a uma plateia em São Francisco, relatando a conversão que viveu escrevendo o livro.
Assim, a saga de Judah Ben‑Hur continua sendo a porta de entrada literária mais popular para os mistérios cristãos; um convite à reflexão sobre culpa e renascimento que atravessa gerações, línguas e mídias.