Por editoria de Ciência e Tecnologia da Plataforma Nacional do Facetubes
Durante anos, a neurocientista britânica Ruth Itzhaki enfrentou ceticismo e descrédito da comunidade acadêmica ao propor uma hipótese ousada: a de que vírus comuns, como o herpes simples tipo 1, poderiam estar envolvidos no desenvolvimento do Alzheimer. Ignorada por periódicos científicos e sem acesso a financiamento, ela seguiu adiante, amparada por uma convicção que hoje ganha novo fôlego na ciência contemporânea.
Itzhaki, atualmente professora visitante na Universidade de Oxford e professora emérita da Universidade de Manchester, começou seus estudos ainda nas décadas de 1980 e 1990. Foi uma das primeiras pesquisadoras a detectar a presença do material genético do herpes tipo 1 no cérebro humano — um vírus presente em mais de dois terços da população mundial e conhecido por sua capacidade de se manter “adormecido” no organismo e reativar-se em diferentes fases da vida.
O que era inicialmente uma hipótese especulativa agora começa a ganhar consistência com o avanço de novos estudos e testes clínicos que buscam entender o papel de agentes infecciosos no surgimento da demência. “Sempre soubemos que o herpes pode provocar encefalite, mas começamos a nos perguntar se suas reativações silenciosas ao longo da vida não seriam capazes de lesionar gradualmente o sistema nervoso, levando à morte neuronal”, explica a pesquisadora.
A principal descoberta da equipe de Itzhaki foi o padrão de concentração do vírus em áreas cerebrais ricas em depósitos da proteína beta-amiloide, justamente um dos principais marcadores da doença de Alzheimer. Isso levou à formulação de uma teoria intrigante: e se essa proteína, tradicionalmente vista como um agente patológico, tivesse inicialmente uma função de defesa — tentando capturar o vírus antes que ele se espalhasse?
Essa linha de raciocínio sugere que a beta-amiloide poderia funcionar como uma espécie de armadilha molecular. Por ser aderente, prenderia o vírus, retardando sua replicação até que o sistema imunológico fosse ativado. Contudo, em um ciclo repetitivo de reativações virais, essa resposta de defesa se tornaria crônica. Com o tempo, o acúmulo excessivo da proteína deixaria de ser benéfico e começaria a danificar os próprios neurônios, instaurando o processo neurodegenerativo.
A teoria, embora ainda sob investigação, ganhou tração com novas pesquisas publicadas nos últimos anos e está inspirando os primeiros testes clínicos com antivirais e vacinas como possíveis ferramentas de prevenção ao Alzheimer. Para o neurologista clínico Dr. Lucas Mendonça, especialista em neurovirologia da USP, “as descobertas de Itzhaki representam uma mudança de paradigma. Se confirmado, o vínculo entre infecção viral e Alzheimer pode abrir novas rotas terapêuticas completamente diferentes daquelas que vêm sendo tentadas há décadas.”
Apesar do entusiasmo crescente, a comunidade científica reconhece que a hipótese precisa passar por muitas etapas de validação. O cérebro humano é um território complexo e o Alzheimer, uma condição multifatorial. A presença do vírus em cérebros tanto de pessoas saudáveis quanto de pacientes com a doença indica que outros elementos, como predisposição genética e fatores ambientais, também influenciam diretamente na progressão do quadro.
Ainda assim, ao recuperar uma teoria antes marginalizada, Ruth Itzhaki ajuda a expandir os horizontes da ciência e reabre discussões sobre o que pode, de fato, estar na origem da perda de memórias. Com o avanço da pesquisa científica e o investimento em inovação, talvez a resposta para um dos maiores enigmas da medicina moderna esteja mais próxima — ou mais viral — do que se imaginava.