Carlos Nina
"La pace sia con tutti voi!” Com essas palavras o Papa Leão XIV saudou o público que lotava a Praça de São Pedro, no Vaticano, após sua eleição, dia 8 de maio de 2025. E enfatizou: “[...] gostaria que esta saudação de paz entrasse no vosso coração, chegasse às vossas famílias, a todas as pessoas, onde quer que se encontrem, a todos os povos, a toda a terra.”
Para a Doutrina Social da Igreja, extraída de suas encíclicas, a paz verdadeira só é possível onde há respeito integral à dignidade humana. Em Rerum Novarum (1891), Leão XIII denunciou a exploração dos trabalhadores e o empobrecimento das massas como causas de instabilidade e conflito. Para ele, a justiça social e o bem comum devem ser metas dos governantes.
João XXIII, em Pacem in Terris (1963), foi explícito: sem respeito aos direitos fundamentais — vida, trabalho, educação, participação política — não pode haver paz entre os povos. A paz decorre da justiça e exige instituições públicas que a promovam e não que a inviabilizem.
Paulo VI, em Populorum Progressio (1967), associou a paz ao desenvolvimento dos povos. “O desenvolvimento é o novo nome da paz”, escreveu, alertando que a miséria crônica alimenta conflitos, enquanto a solidariedade internacional constrói uma ordem mais justa. João Paulo II, em Sollicitudo Rei Socialis (1987), criticou as estruturas econômicas globais que geram exclusão. Para ele, a solidariedade entre indivíduos e nações é a resposta cristã à desigualdade.
Francisco, em Evangelii Gaudium (2013) e Laudato Si’ (2015), trata dos danos causados pelo sistema que coloca o lucro acima da pessoa.
São discursos que convergem num ponto: a paz e a dignidade humana são inconciliáveis com a ambição egoísta de líderes que, em vez de promoverem o bem comum, exploram os recursos públicos em benefício próprio.
Entretanto, desde quando os seres humanos começaram a dominar seus semelhantes, escravizando-os, explicitamente ou através de meios criativos, como os imaginados por Maquiavel e Montesquieu, a única paz duradoura tem sido a dos cemitérios, especialmente, se considerado o conceito básico da doutrina da Igreja: o respeito à dignidade humana. Existe, é verdade, em comunidades perdidas no tempo e resistentes em alguns espaços. Mas aí já não se trata de “todas as pessoas, onde quer que se encontrem, a todos os povos, a toda a terra”, como quer Leão XIV.
Harari, no prólogo de seu novo livro, Nexus: Uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à inteligência artificial (2024), considera que “Nos últimos 100 mil anos, [...] acumulamos um poder enorme. [...]. Mas poder não é sabedoria e, depois de 100 mil anos de descobertas, invenções e conquistas, a humanidade se arrastou para uma crise existencial.”
Dadas essas circunstâncias e as de um mundo pleno de guerras, dominado por psicopatas, penso que um dos desafios de Leão XIV será conciliar sua conduta não só com seu próprio discurso, mas com o de Leão XIII, que combate ideologias farsantes e trata de temas por elas usados para estimular conflitos.
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*AUTOR: Carlos Nina é Advogado e jornalista. Juiz estadual aposentado. Ex-Promotor de Justiça.