FASCISMO
É não dar o direito
de dizer adeus.
(Paulo Rodrigues – Cordilheira)
Um poeta de verdade grita mesmo quando aparentemente está calado, indiferente a tudo e com os olhos na linha do horizonte, as mãos no papel ou no teclado. O silêncio muitas vezes é sua grande arma. Mas não é um silêncio passivo ou covarde. É, sim, um silêncio estudado, meticuloso e carregado de intenções. Suas palavras e seus versos rasgam as vestes da indiferença e expõem ao mundo o preço a ser pago caso ousemos optar pela neutralidade diante das injustiças.
Paulo Rodrigues é um desses homens que, com a voz mansa, a calma peculiar dos sábios e com olhar atento a tudo o que se passa a seu redor, usa seus dons poéticos para dar voz às pessoas que possivelmente ainda não perceberam a força que têm.
Consciente de que vivemos em uma época tacocrônica e fluida, o poeta, desde suas primeiras publicações, investiu na brevidade dos poemas e no impacto imagético das palavras. Para ele, é mais importante ser compreendido do que ser decifrado, ser lido por todos do que apenas saber que seus livros enfeitam as estantes de algum exegeta cheio de títulos acadêmicos e de predicados eruditos. A poesia deve incluir, não excluir.
Em seu mais recente livro, Cordilheira (Patuá, 2024, 80 páginas), Paulo Rodrigues continua em seu intento de mostrar que um poema engajado não é necessariamente um texto escrito só com o objetivo de denunciar alguma incômoda situação. Pode também ser algo artístico e bem elaborado, com leveza e densidade suficientes para embalar corações e ao mesmo tempo causar espanto.
O livro inicia com um elucidativo e bem escrito prefácio assinado pela professora doutora Alexandra Vieira de Almeida e se encerra o excelente posfácio do poeta e acadêmico Isaac Souza. O volume conta ainda com um estudo crítico feito pelo também poeta Samuel Marinho, texto esse colocado na primeira “orelha” do livro.
Os três textos acima citados reconhecem a tessitura poética de Paulo Rodrigues e podem servir como importante guia para a leitura do livro.
Ao mergulhar nas páginas do livro, o leitor logo se depara com o estilo já característico de Paulo Rodrigues. Os poemas são breves e contundentes. Às vezes lembram pequenos contos escritos em versos. Porém, a intenção não é simplesmente contar uma história, mas sim despertar no leitor um possível sentimento de indignação com situações aparentemente corriqueiras e que, por já terem se repetido à exaustão, podem ter perdido o valor de novidade e que talvez nem mesmo seriam replicadas nas páginas de algum jornal, como é o caso do poema abaixo, no qual as alterações se desdobram na ironia de uma ação desesperadora que ocorre de modo até certo ponto pacífico, sem causar a esperada comoção.
MUDOU A COR DO OCEANO PACÍFICO
Seu Hani colocou os botões
atravessados na camisa branca
e saiu pensando no passado.
Pulou no Pacífico sem riso nem adeus.
Sobrou a bengala na boca de um cão
farejador (Pág. 28).
Cordilheira é um livro de denúncia social com ambientação prioritária na América Latina. Dessa forma o cenário e as personalidades históricas são constantemente evocados nos poemas. contudo, o poeta não se limita a descrever situações históricas. Ele se preocupa também com personagens que possivelmente jamais irão frequentar as páginas de um livro de história, mas que também são significativas para o contexto social que margeia o próprio esquecimento das pessoas tão anestesiadas pelas overdoses de realidade. Dessa forma, em um poema como “Antes tarde do que nunca”, cuja construção vai além da mera recorrência a um conhecido dito popular, Paulo Rodrigues faz o leitor mergulhar nas frestas de uma micro-história que pode ser multiplicada ao infinito, pois retrata a situação de miséria de inúmeras pessoas, como pode ser visto abaixo.
Um quarto
da população do país
vive com um terço
de um salário.
Observo os pés descalços
de Madalena:
as unhas amarelas,
a pele enrugada.
A mão direita por sobre o ventre.
E o riso da criança no retrato (pág. 29).
Imagens pungentes e doloridas como essa se repetem ao longo do livro, demonstrando que o sofrimento dos desalentados é algo cíclico e constante, que, embora possam variar quanto ao nome dos envolvidos, ao ritmo e à intensidade, continua sendo emblemático e representam o descaso para com toda uma parte da população ao longo de um grande intervalo de tempo.
Esses gritos silenciosos saltam das páginas do livro e ecoam por todos os (uni)versos, mal abrimos o livro e passamos os olhos pelas estrofes dos poemas, que estão agrupados em três partes bem definidas, a saber: 1) feridos de guerra na América; 2) O passado é mudo? e 3) Gênesis, sendo que todas essas partes se encontram em total equilíbrio com relação ao todo do livro.
Embora, talvez, o olhar ideológico de Paulo Rodrigues em seu livro não agrade a todos os leitores com defensores de espectros políticos diferentes, mas, certamente, os poemas podem despertar no leitor a angústia de saber que algo não está certo e que precisa ser corrigido urgentemente. E isso não depende de ideologias, mas sim no nosso grau de (in)sensibilidade humana. Vale a pena refletir.