Mhario Lincoln*
A primeira vez que ouvi essa frase foi num Sarau da Feira do Poeta, aqui em Curitiba. Subiu um frio maior do que fazia naquele dia. Mas um frio de sensação de originalidade daquilo que ouvia. E foi dita, no palco, pelo poeta gaúcho, mas residente em Curitiba9PR), Ênio de Oliveira, que por sinal me atende em seu Salão/Barbearia, (coisa bacana, isso!). A frase é: “Hoje, peguei minha vida de frente, nos abraçamos e pedimos trégua...” Essa revela, lá no fundo, uma maturidade existencial rara: o momento em que a pessoa deixa de fugir de si mesmo.
Porque isso não se trata apenas de coragem, mas de aceitação — uma disposição fundamental no estoicismo, que valoriza o encontro honesto com a realidade tal como ela é. Essa “trégua” não simboliza rendição, mas sim o reconhecimento de que lutar contra aquilo que é incontrolável (passado, destino, tempo) é desperdiçar energia vital. Marco Aurélio, imperador-filósofo estóico, dizia: "Aceite tudo o que lhe acontecer e costure isso com a sua natureza, como uma parte do plano que o destino traçou para você." Essa “trégua” é, portanto, o início da verdadeira liberdade interior.
O abraço entre a ALZAMORRA (espetacular) e a própria vida é uma imagem simbólica poderosíssima. No estoicismo, a ataraxia (a tranquilidade da alma) nasce da harmonia entre razão e natureza. Abraçar a vida é alinhar-se ao logos — a razão universal que permeia o cosmos. Nesse gesto de reconciliação, Maria Alzamorra sugere que a paz não está em mudar os eventos externos, mas em mudar o modo como nos relacionamos com eles. Epicteto alertava: "Não são as coisas que nos perturbam, mas a opinião que temos sobre elas." Ao olhar sua vida de frente e acolhê-la, a narradora deixa de ser vítima do acaso e torna-se coautora do próprio destino.
Por fim, o verbo “peguei” carrega ação e consciência. É o contrário de se esconder, de se omitir. Há aqui uma convocação à responsabilidade ética tão cara aos estóicos: viver conforme a virtude é viver com lucidez, não se deixando levar por paixões desordenadas ou arrependimentos paralisantes. O que Maria propõe é uma prática filosófica cotidiana — um diálogo com a própria existência em vez de um embate. Essa trégua, longe de significar fraqueza, representa a vitória silenciosa sobre os impulsos do ego.
É um gesto de sabedoria, onde o orgulho se rende ao entendimento, e o passado, enfim, encontra repouso no presente.
Mhario Lincoln é editor-sênior da Plataforma Nacional do Facetubes.
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Abaixo, Ênio participa do programa GOTAS DO FACETUBES, na Rádioweb da Plataforma Nacional do Facetubes: