Por Mhario Lincoln c/a editoria-geral da Plataforma Nacional do Facetubes
Por várias vezes paguei "couvert artístico". Porém, nunca parei para pensar na importância desse ato. Todos sabem (e alguns se negam a pagar) que a cobrança do "couvert artístico" — aquela taxa geralmente embutida na conta de bares e restaurantes durante apresentações musicais — é uma tentativa de arrecadar dinheiro para pagar o artista que se apresenta no local. Mas não é apenas uma doação ou ajuda ao artista. Longe disso: é um pagamento real pelos serviços prestados pelo profissional da música. No entanto, na prática, esse entendimento esbarra em uma série de impasses legais, éticos e estruturais que merecem mais atenção do que se costuma dar.
Exemplo rápido se prende ao próprio "Código de Defesa do Consumidor (CDC)", que determina que "qualquer cobrança adicional precisa ser previamente informada de forma clara ao consumidor". Isso inclui o valor do "couvert", o nome do artista e a natureza da apresentação. Sem essa informação, a taxa se torna abusiva — e, portanto, ilegal. Mas, para a maioria dos legisladores, tal fato não é apenas um capricho legislativo. Porém, uma questão de transparência, respeito e equilíbrio entre as partes. Mas e mesmo assim. Nada acontece.
No entanto, não há uma legislação federal específica sobre o tema. Estados como Alagoas, São Paulo, Paraná e Ceará criaram normas próprias que variam em detalhes, mas todas convergem em um ponto central: o direito à informação prévia e clara. (Alguns donos de bares não seguem as regras, para não afastar mais fregueses).
No Ceará, a Lei Estadual nº 15.112, de 2 de janeiro de 2012, diz literalmente:
"Ficam os estabelecimentos comerciais, bares, restaurantes e congêneres que adotam o serviço denominado couvert artístico, obrigados a fixar, em local visível e de fácil leitura, informação clara e precisa sobre o seu valor.
Parágrafo único. A informação a que se refere o caput deverá ser afixada em placas com dimensões mínimas de 50cm (cinquenta centímetros) de altura por 40cm (quarenta centímetros) de largura."
Essa norma, em vigor desde fevereiro de 2012, visa garantir a previsibilidade e a transparência da cobrança. Mais recentemente, foi apresentado o Projeto de Lei nº 1044/2023, que pretende fortalecer ainda mais os direitos dos músicos. Dentre suas propostas:
Obrigatoriedade de repasse de, no mínimo, 90% do total arrecadado com o couvert artístico aos artistas. //// Criação de um selo “Estabelecimento Amigo da Música”, para locais que valorizam a arte local. //// Obrigação de manter por 1 ano os contratos e registros de arrecadação referentes ao couvert artístico, tornando-os acessíveis ao público.
Esse projeto representa um avanço significativo no reconhecimento da música como trabalho e na regulamentação dos direitos dos artistas da noite. E é neste ponto que o depoimento do músico Chiquinho França dado a mim, no começo da manhã, em áudio do WhatsApp, se torna um documento quase histórico:
“A grande polêmica do barzinho ainda é o 'couvert artístico', a forma de pagamento. Os bares que arrecadam muito preferem pagar um cachê. Os que arrecadam pouco oferecem o 'couvert artístico', mas não repassam. É complicado o artista saber quanto foi arrecadado, nunca sabe. Por isso estou lutando para que essa arrecadação tenha um caráter de um trabalho profissional, igual a tantos outros, entre o contratado e o contratante.” Acrescenta Chiquinho França.
Nessa fala sensível, registrada especialmente para esta matéria do Facetubes (www.facetubes.com.br), Chiquinho expõe a realidade de centenas de artistas, vários músicos que atuam sem contratos formais, sem garantias legais e, muitas vezes, sem o respeito básico à sua arte. Ele revela, com dureza, que muitos tocam para mesas que celebram aniversários, conversam alto ou sequer notam a presença do artista.
“Algumas pessoas confundem, acham que o 'couvert artístico' é uma ajuda para o artista, e não é. É pagamento! O artista é profissional, está prestando um serviço, levando música ao ambiente.” Diz França.
Há aqui um conflito essencial: a arte vista como entretenimento gratuito versus a arte como trabalho remunerado. A primeira concepção infantiliza o artista; a segunda, reconhece sua dignidade profissional. Chiquinho ainda cita Milton Nascimento: “todo artista tem que ir aonde o povo está”. Mas se o artista vai, é preciso que o povo — e os donos dos estabelecimentos — entendam que isso tem um custo justo, mensurável e legalmente respaldado.
1 - É imperativo, portanto, que o Brasil caminhe para uma normatização nacional clara do 'couvert artístico', garantindo:
2 - Informação visível e objetiva ao consumidor;
3 - Repasses transparentes e documentados aos artistas;
4 - Proibição de cobrança disfarçada ou não autorizada;
5 - Proteção legal a artistas que se sustentam com essas apresentações.
A cultura ao vivo é um ativo financeiro essencial da vida noturna brasileira. A voz no microfone, o violão afinado, a melodia de um samba ou de um jazz no canto do salão são mais do que sons: "são trabalhos, histórias, suor e talento. Desrespeitá-los — seja com silêncio, com desinformação ou com omissão de repasses — é comprometer o futuro da cultura popular nos palcos improvisados dos bares", diz ainda o músico e produtor musical (e meu parceiro em várias músicas), mestre Chiquinho França.
"Mhario Lincoln, essa é uma luta por justiça para os profissionais da noite. E a justiça, como a música, também precisa tocar aonde o povo está", complementa CF.
Gostaria muito que esse texto fosse enviado para muitos dos músicos conhecidos e desconhecidos a fim de que possa ser formada uma aliança nacional para, definitivamente, legalizar o "couvert artístico" e assim, garantir aos músicos e outros envolvidos o sustento legal a quaisquer que sejam as pessoas que tomem a música, como seu objetivo profissional de vida.
Façam seus comentários, e entrem nessa jornada. É humana e legal.
*****
Mhario Lincoln c/editoria-geral da Plataforma Nacional do Facetubes.
Depoimento exclusivo: Chiquinho França (músico e compositor)