(Nota do editor). O ano era 1995. Período em que o Brasil popularizava os remédios tricíclicos. Os primeiros medicamentos de sucesso para depressão (e outras doenças afins). Foi exatamente nesse período que a poeta e escritora produziu um dos textos de maior sucesso em sua carreira. Na época, publicado em vários jornais, o escrito de Soraya Fialho Felix tornou-se um ícone. Por isso, tenho o grande prazer de reproduzir esse maravilhoso insight que marcará, novamente, época entre os grandes textos da história da literatura maranhense. (MHL).
Soraya Fialho Felix é poeta e escritora maranhense. Casada, Mãe, Avó e Jardineira nas horas vagas. Tem poesias publicadas em jornais e nesta Plataforma Nacional do Facetubes. Já participou de Antologias Poéticas. Neta de uma grande poeta maranhense, Isabel Fialho Felix, autora do livro de poesias, "O Por do Sol de Minha Terra". Sem dúvida é uma das mentes critivas mais aplaudidas, especialmente pelo senso de humor e pela perspicácia que contêm a maioria de seus textos.
UM PAPO MUITO DIAZEPÂNICO
*Soraya Fialho Felix
O Telefone toca:
- Alô!
- Oi coleguinha, tudo bem?
- Soca, tu tens cipramil aí na tua bolsa?
- Não, eu não tomo mais cipramil.
- E o que tu tomas ?
- Агорах.
Vixiiiiii !!
Aropax quase me mata!
- Mas eu me dei bem.
- Tu não tomavas cipramil ?
- Dois anos atrás.
- Porque tu largaste?
- Eu não larguei, o médico que mudou, porque não estava mais fazendo efeito.
- Tu não tomavas Prozac?
- Três anos atrás.
- E porque tu largaste?
- Porque o médico mudou para Cipramil.
- Soca, eu falei com aquele doutor lá do Rio, aquele que descobre até doença que tu vais ter daqui a dez anos, ele mandou eu suspender o Prozac e o Lexotan e tomar Cipramil com "Olgadil".
- Olgadil não, Olcadil.
- Simmm, tu já tomaste essa combinação?
- Eu já, é óootima!
- E porque tu mudaste?
- Porque surtei. Na verdade, a melhor combinação que eu já tomei foram os tricíclicos.
- Ouais Soca?
- Anafranil e Tofranil com Lexotan.
- E porque tu mudaste?
- Porque surgiu a pílula da felicidade, e eu queria ser feliz e emagrecer. Eu mesma pedi para o médico que mudasse.
- E aí?
- Emagreci, fiquei ótima de corpo.
- E a cabeça?
- Ficou em conflito, quase explode!!!!!
- Como assim, Soca?
- A pílula forçava a mente, ou melhor, iludia, dizia que estava tudo bem. Eu ria a toa, mas com problemas até na tampa. Parecia uma louca rindo e de manhã, tinha um monte de problemas para enfrentar.
- Então essa combinação te deixou liquidaaada !!!!
- Lógico!
- Sim Soca, e agora finalmente o que tu tomas?
- Aropax, com Bromzepax.
- Como tu estás?
- Óóóótima!!!
- Tu não tiveste mais depressão?
- Não menina!
- Não sentes mais nada?
- Imagina, consegui equilibrar meus neurônios. Já faço até meditação. Imagino-me na Ilha de Caras, com o Marcelo Antony, faço todo o dia um exercício em frente ao espelho: eu estou linda, não estou envelhecendo, estou magérrima, não tenho contas a pagar, meu nome não está no Serasa, o Salão lotado de clientes, Marcelle está quase se formando, Fred se encontrou no curso de Turismo, meu carro não tem nenhum problema mecânico e aí querida, visto a minha melhor roupa, empino o meu nariz, pego a minha bolsa cheia de contas vencidas, entro no meu Celta vermelho 1.0, finjo que não escuto os vinte ou mais ruídos estranhos gue tem nele, ligo o som com a música evangélica que diz assim: "Você é mais que um vencedor!!!” … e vou embora começar o meu dia.
- Nossa Soca, tu tá óoootima, vamos sair hoje para jantar?
- Hoje não dá
- Porque?
- Estou doente
- O que tu tens?
- SCI
- O que é isso?
- Sindrome do Colon Irritável. É emocional, os médicos dizem que é uma inflamação do intestino alto e baixo, que vai até o anus. As tensões vão se acumulando até que (um dia) meu organismo não
aguenta e aí me arrebento. Mas não é nada grave, só dá uma febre de 40°, dores fortíssimas no abdômen, náuseas, cabeça pesada e dor no corpo.
- E o que tu tomas?
- Os médicos receitam repouso sem contrariedades, Lexotan e dormir o máximo que puder. Mais não te preocupas, estou óoootima!!!
- Esses remédios não têm efeitos colaterais?
- Coisa pouca. Certa vez achei que não precisava mais deles e senti uma leve síndrome de abstinência: tremores nas mãos, que desceram para as pernas, tremia toda até os dentes, um “fogo” saindo das orelhas, uma espécie de choque elétrico de 2 em 2 minutos. Fiquei “meio pensa” para o lado direito, via de quando em vez um flash, parecia que alguém batia a minha foto toda hora, sem falar que não dormi durante oito dias e fiquei com um par de olheiras enormes. Via uma espécie de buraco ou batente e todas as vezes que dava um passo achava que estava caindo. Como vê, foi pouca coisa.
- Soca, esses remédios não diminuem a libido?
- De jeito nenhum!
- Basta tu ler um livro erótico de mais ou menos 900 páginas, assistir uns três filmes pornôs, que tu ficas no ponto.
- Mas isso todo o dia?
-Nãaão!
- Uma vez por mês, para não cair na monotonia.
- E os efeitos colaterais?
- Ah! Nem te impressione, são suaves e transitórios. Além da dependência, pode ocorrer: sonolência, distúrbio do sono, agitação, boca seca, ansiedade, aumento da salivação, sensação de inquietação, alucinação, e, em casos isolados, podem ocorrer agressividade, vertigens, cefaléias, freqüentes tremores, raríssimas crises convulsivas, visão borrada, ondas de calor, distúrbio da micção e algumas coisinhas mais, que não vão acontecer com a gente
- Como tu sabes?
- Pensamento positivo, meu bem.
- Tu fizeste terapia, Soca?
- Claro, o efeito foi rapidinho.
- Quanto tempo?
- Mais ou menos cinco anos.
- Tu já tiveste alta?
- Eu mesmo me dei alta. Entrei para um grupo de terapia, que trabalha a respiração, uma espécie de yoga transcedental. Passei a vislumbrar horizontes, me purificando, botando pra fora toda a força presa, mergulhando dentro de mim mesma, encontrando o mais puro EU. Limpando
a minha essência!
- Como assim? Não estou entendendo nada.
- Ah, minha filha, é virar do avesso, assim que eu fiquei. Sem passado, porque não se pode olhar para trás, perdida no espaço, procurando me encontrar presa em uma pirâmide cor de rosa, para não sair da esfera.
- Então não valeu a pena?
- Ow, se valeu! Tudo isso me fez procurar um santo psiquiatra.
- E o que ele fez?
-Como o que ele fez? -Passou os meus queridos remedinhos da felicidade e aqui estou eu, feliz, feliz...Faz o que eu estou te dizendo e seremos alegres e equilibradas, nunca ficaremos velhas, porque velhice está na cabeça e nossas cabeças são óoootimas!!!!!
E minha filha, eu chiquérrima, magérrima, tendo na minha bolsa uma caixinha de aropax ou prozac,
lexotan e rivotril eu vou longe...
-Tu... Tu... Tu...Tu.
- Poxa, a ligação caiu, e eu nem expliquei tudo direito pra ela.
(Soraya Fialho Felix)