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José Neres fala sobre obras do Padre João Mohana, neste seu Centenário de Nascimento

(Reprodução de um artigo publicado em 02 de agosto de 1999, no Jornal O Estado do Maranhão)

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: José Neres
15/06/2025 às 20h58 Atualizada em 15/06/2025 às 22h07
José Neres fala sobre obras do Padre João Mohana, neste seu Centenário de Nascimento
Prof. José Neres

NOTA DO CONVIDADO: "Hoje, 15 de junho de 2025, é a data do centenário de nascimento do padre e escritor João Mohana, um dos melhores escritores da prosa maranhense. Para não deixar a data passar em branco, antecipo nosso artigo de segunda e reproduzo o texto abaixo, no qual tecemos breves comentários sobre os dois romances do autor". (José Neres).

 

OS ROMANCES DE JOÃO MOHANA

José Neres

Há pessoas que têm o poder da multiplicação do próprio tempo. Envolvendo-se nas mais diversas atividades, elas conseguem desenvolver seus projetos a contento e ainda lhes sobra fôlego para voos mais audaciosos. Foi o que aconteceu com o bacabalense João Mohana, uma mistura equilibrada de sacerdote, médico, psicólogo, professor, teatrólogo, ensaísta, pesquisador, musicólogo e romancista.

Hoje, passados alguns anos do falecimento do escritor, já se pode ter uma visão mais crítica e racional sobre sua produção literária, principalmente sobre seus dois romances: Maria da Tempestade e O Outro Caminho, duas das melhores obras da prosa maranhense contemporânea. O primeiro traz a dramática história de Bárbara, narrada em um clima de suspense e expectativa, prendendo o leitor da primeira à última página, quando recebe o choque de um desfecho inesperado.

Ao mesmo tempo em que a história é contada, uma série de análises paralelas podem ser feitas: o comportamento humano é esmiuçado, mostrando as personagens sob vários ângulos. Cora Mendes, Guilherme, Ribamar, Padre Tarjet e a família da protagonista simbolizam mais que meros elementos de ficção, retratam, sim, uma boa parte da sociedade maranhense do início do século XX.

O Outro Caminho, premiado pela Academia Brasileira de Letras, conta a história de Eyder, um padre dividido entre as imposições sacerdotais e os desejos da carne. Narrada de forma envolvente, a saga de Eyder desenvolve-se em tom de drama psicológico.

Cada página lida traz uma nova faceta dos sofrimentos do jovem padre, que tem a sociedade maranhense de sua época, mesquinha e preconceituosa, como a grande antagonista. Novamente, os personagens não aparecem na obra por acaso, todos são essenciais para o desenrolar da história, que já apresenta seu desfecho nas primeiras páginas do livro.

Embora as narrativas sejam diferentes (ambas encantadoras), pode-se perceber claramente as semelhanças estilísticos-semânticas que enlaçam os dois romances. Em alguns casos, uma situação de um livro apresenta correspondência no outro. É o caso, por exemplo, da desestruturação familiar e das descrições da morte. Algumas personagens também parecem uma imagem especular de outras, como Padre Tarjet e Padre Francisco, que parecem a mesma pessoa em livros diferentes.

No entanto, essas recorrências não empobrecem os romances de João Mohana, e sim provam sua capacidade de manusear as características de certos grupos de forma coerente, já que os dois padres e as duas famílias, nos livros, são representações de dois sistemas complementares, porém antagônicos. Quanto à morte, presença marcante nos dois livros, é em suas descrições que o escritor atinge a plenitude de sua força narrativa. A agonia do pai de Bárbara, da criança natimorta, a morte da mãe de Eyder e o falecimento do protagonista de O Outro Caminho são páginas antológicas em que temos a junção perfeita do padre, do médico e do escritor João Mohana, cada um dando sua contribuição para que as cenas fossem narradas de maneira exemplar.

Outro ponto bastante denso da obra de Mohana é a sua busca de verossimilhança, chegando ao ponto de o leitor menos acostumado com seu estilo questionar-se sobre a existência ou não de Bárbara Sena, bem como o leva a acreditar que Eyder e João Mohana sejam a mesma pessoa, esquecendo-se de que tudo não passa de ficção.

Em verdade, os dois livros trazem lições de vida. No final, todos estão entregues às mãos do Criador e é Ele quem decide o futuro. Ao leitor resta a sensação de vazio e a certeza de que todos nós vivemos numa eterna tempestade, sempre com a angústia de querer saber como seria a vida, caso tivéssemos seguido por outro caminho, eis a lição do padre, do médico  e do humanista João Mohana, seguramente um dos maiores analistas da alma humana no século XX,

 Acima, reprodução de um artigo publicado em 02 de agosto de 1999, no Jornal O Estado do Maranhão.

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