A viagem à noite se mostrava prazerosa, embora uma chuva miúda teimasse em cair dissipando as nuvens para a saída da lua cheia. Mês de junho friozinho, íamos animados para a colheita da alegria que esta época proporciona com os festejos característicos. As músicas regionais, raízes do cancioneiro nordestino deixadas como dote a um povo sofredor, cativo em seca e abandono, lembram tempos de tristeza, em que até mesmo a asa branca do sertão se retirou, como o rei do baião em versos bem retratou. Mas também são dias lindos, pois dias são joaninos, em que o milho no roçado é benção e renovação. Com a lua ao meu lado em todo aquele estirão, já sem o vidro molhado, tudo clareza e amplidão, eu tinha toda certeza que Deus chegou ao sertão. E o vento sacolejava meu vagão, num comboio animado, de alegre tripulação, em uniformes xadrez quadriculado, colorindo e disfarçando qualquer anseio ou pena sobre qualquer coração. E a manhã verdejante vinha em brilho disputar com os derradeiros lumes das fogueiras a queimar. Fogueiras que rememoram em tempos já muito idos o sinal de Isabel a Maria para a Santa Visitação, no que resultaria, em anunciação, de todo e qualquer pecado a nossa libertação.
E o trem de ferro passando...
E as pessoas acenando...
Bandeirinhas esvoaçando nas casinhas, tão próximas, tão coladinhas, como apertos de mãos.
Do Recife vai ligeiro, buscando o bem passageiro, e ainda assim verdadeiro.
Então, vem lembrança altaneira do poeta maior, Bandeira. E desse modo digo igualmente, alvissareira: "Que vontade de cantar!"
Um trem é como a vida, pouco a pouco toma força e desatina em corrida. Vai em trilhos por mãos divinas assentados, parando nas estações, até alcançar finalmente ou mesmo subitamente, o ponto crucialmente chamado de terminal. Mas entre essas partidas e o destino final, no mês de junho aclamado, por muitas danças marcado, é certo que só queremos alegrias cultivar, que nem o milho que brota do bendito milharal.
E no doce da canjica, da pamonha e mungunzá, nas noites só de luar, da janela do meu trem descortino o amanhã que se dispõe a clarear, como mãos cheias de milho pra toda fome aplacar.