Na obra Alfinetes de Luiza Cantanhede logo de início experimentamos algo muito próximo de suas próprias experiências num jogo não só de palavras, mas principalmente de intenções, ela nos remete ao real usando a linguagem poética impalpável, mas sentida por isso a primeira parte faz referência a pontadas, sim aquelas sentidas na carne, mas principalmente na alma, na mente, nas sensações que permeiam sentimentos guardados que fazem parte de uma parte da caminhada.
Vejamos em PONTADA 10:
"Entre as tramas
do destino,
os enlaces
e o abismo,
teço o caminho
para emendar
cicatrizes".
Um encontro bordado pela poética, costurado, para inclusive emendar "cicatrizes" a matéria que remete a dor, a poética que transcende a mera matéria.
Luiza segue a costura sob a superfície da "derme" e mais uma vez o físico sempre trata o real sob a forma da abstração, e há força nas palavras para serem entendidas na construção de suas metáforas que trazem sim o que é real, memórias vivas esculpidas na pele e no sentir do que perdura em pensamentos. A força da poesia predominantemente nas ideias da autora oferecem beleza à escrita, mas acredito que a maior intenção é mexer com as emoções, é impulsionar as reflexões, é fazer a realidade brotar dos versos e alcançar as mentes.
" Esgotos desembocam
no crepúsculo do rio
os peixes choram."
A construção acima é de um apuro lírico de grande valor, falando da matéria numa linguagem poética que transforma a forma de comunicar. O uso da palavra crepúsculo e da expressão metafórica, "os peixes choram" conclui uma expressão riquíssima na linguagem poética e remete o leitor a uma profunda reflexão sobre fatos reais.
E no refúgio das palavras elas simplesmente fluem sem preocupação com elementos rigorosos da sintaxe e dizem por dizer, querem apenas fluir. E quando o convite da autora aponta o êxodo que encontra na história o "semblante desvanecido de Madalena; e a barba ancestral de Machado"?
E nesse mesmo movimento a memória acha judiado comboio de almas revestidas pela derme rica em melanina.
"Saturação" a autora continua sua saga agora seria a hora de dominar as pontadas o que atingiu a derme, o esforço é tamanho, entretanto ela está lá, "uma fenda que sangra sem alarde". E é nesse compasso tendo a metáfora da saturação, que a poeta rasga a voz em brados poéticos falando das estrelas em ANSEIO PELO INFINITO, da vontade de habitá-las e com a perspectiva de quem sabe um dia ela chegue a essa luz estelar, assim como o crepúsculo chegou em sua morada.
[...] Uma tristeza toma conta de mim.
queria muito ver o crepúsculo,
quem sabe um dia eu chegue as estrelas
como o crepúsculo chegou aqui.
ALFINETES de Luíza Cantanhede é um convite riquíssimo a mergulhar no que há de melhor na poesia, uma lírica envolta de história, sentimentos e memórias que não deixam o leitor passar sem sentir ou refletir sobre questões humanas necessárias.
Joizacawpy Muniz Costa
Luiza Cantanhede, natural de Santa Inês – MA e radicada em Terezina Piauí desde 1984, é técnica em contabilidade, poeta. Atualmente, é secretária da Academia Piauiense de poesia e diretora da Associação de jornalitas e escritoras do Brasil – Maranhão. Autora de quatro livros, tem poemas publicados em antologias nacionais e internacional, com traduções para o grego, espanhol e italiano. Sua trajetória é marcada por diversas premiações. É vice-presidente regional da Academia Poética Brasileira, seccional PI.