
Dino de Alcântara.
Manhã de sexta-feira, abril de 2009. Maria Goreth estaciona o carro pertinho da Feira da Liberdade e desce, segurando a chave e a bolsa. Caminha em direção à parte de peixes. Olha, examina aqui, mexe numa guelra de uma pescada, até que se decide. Manda pesar três quilos, bem pesados, como ela gosta de dizer. É que, para os desavisados de plantão, as balanças do Maranhão nem sempre fazem uma justa pesagem. O peixe é posto numa sacola. Ela paga e vai em busca de ingredientes sem os quais a pescada não pode ser cozida, nem assada. Feitas as compras, é hora de retornar ao carro, guardar as coisas e rumar para casa. Ainda tem muita coisa para fazer.
Mas, ao chegar ao carro, um susto: haviam batido no seu Pálio. Certamente alguém dando ré, não viu e bateu.
No entanto, um detalhe chamou a atenção. Um papel preso no para-brisa, bem debaixo do limpador. Propaganda na certa. Mas não era. Era uma carta, ou melhor, um bilhete.
Ela pega e lê:
“Bati no seu carro. Mil desculpas. Dei ré e não vi. Ainda esperei que você chegasse. Precisei ir embora. Entre em contato. Vou pagar todas as despesas. Meu telefone: 99171722. Placa PSL1722. Jair de Jesus.”
E bem mais embaixo, depois da assinatura:
“P.S: Por favor, não me chame de tolo, nem de burro, por fazer isso. É que sou um homem de caráter.”
O ódio literalmente saiu dos olhos de Goreth. Ela riu-se como se estivesse diante de um homem muito burro e ainda tendo que se explicar por que era burro.
Em casa, o marido a aconselhou a ligar logo para esse número.
– Não. Vou primeiro ver a oficina. E vou na mais cara.
E riu-se à larga.
No trabalho, no Colégio Dom Bosco, ela comentou com todas as amigas, rindo da imbecilidade dele.
– Olha, Letícia, eu achei que não havia mais gente assim...
– Assim como?
– Tu sabe, um jumento, amiga. Eu, numa dessa, cairia fora, de fininho, sem dizer nada.
– Eu também, amiga.
E as duas caíram na gargalhada.
No aniversário de uma sobrinha, não se falou de outra coisa. A mãe de Goreth ainda disse: Oh, coitado desse. Vai aprender as boas maneiras de viver nesta terra.
– Gente, será que ele é daqui ou de fora? – Quis saber a cunhada de Goreth.
– Deve ser gente de fora, porque daqui não.
E riram todos.
Uma semana depois, já com o carro na oficina e com o orçamento em mãos:
Lanternagem: 90,00
Farol Esquerdo: 270,00
Pintura: 250,00
__________________
Total: 610,00
Goreth finalmente pegou o número no bilhete e digitou no celular Nokia. Fez a chamada. Mas um aviso estranho chegou-lhe aos ouvidos.
“A OI informa: este número de telefone não existe”.
– Não é possível! – Comentou consigo mesma uma atônita professora.
Tentou mais uma vez. Mais uma. Mais uma...
A mesma voz:
“A OI informa: este número de telefone não existe”.
Foi aí que ela percebeu tudo. Com certeza o desgraçado estava rindo que só. E aquela placa? Que merda de placa. Com certeza ele inventou também.
– Homem de caráter? Só se for caráter de merda, isso sim!
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