Esta matéria deve ser lida pelo público adulto
NOTA DO EDITOR: Esta matéria publicada no comecinho de 2022, traz um tema muito especial. A palestrante, poeta e escritora, SHARLENE SERRA especializada em inclusão social, fez essa emocionante homenagem a Leninha, uma cadeirante-artista, falecida dia 20 de agosto de 2021. Sem dúvida, uma página que deve ficar na história. Por isso, a republicamos hoje. A matéria contém mais de 1.140 acessos e 41 comentários. Parabéns, confreira APB. (Mhario Lincoln).
Hoje amanheci lembrando de uma amiga muito amada: Leninha Acessibilidade como todos a conheciam, ela não gostava de dizer seu nome e por respeito não o colocarei aqui.
Uma mulher que ousou, sabia da sua inteligência, beleza, do seu encanto, de um sorriso que iluminava, acreditava no amor, no desejo, era apaixonante e muito intensa em tudo que fazia. Aos 19 anos em um acidente de carro perdeu seu amor e a lesão medular a tornou uma mulher com deficiência. Paraplégica, lutava incessantemente pela inclusão, acessibilidade, respeito e a sua voz ecoava forte em tudo que acreditava. A deficiência nunca tirou o sorriso e a sensualidade, que era sua marca registrada.
Eu e Leninha nutríamos uma amizade pela conexão da inclusão, ela conhecia meu trabalho na literatura inclusiva e eu sua luta por inclusão, existia então, uma admiração recíproca, conversávamos sobre tudo e o tema sexualidade da pessoa com deficiência foi surgindo, pois era um um assunto que ao mesmo tempo que fazia os olhos de Leninha brilharem a preocupava, mediante a falta de informação que existia, mas ela transitava nele com naturalidade, ignorando os tabus que a sociedade nutria.
- Sharlene precisamos escrever sobre a sexualidade, pois muitas pessoas acham que o sexo não existe para as pessoas com deficiência. dizia Leninha.
Homens e mulheres com deficiência se fecham para o amor por acharem que o sexo fora do patrão " sem movimentação "causa estranheza. Precisamos entender que o casal deve buscar novos caminhos, novos jeitos de desfrutar da companhia um do outro. Na tetraplegia por exemplo (lesão medular do pescoço para baixo), precisamos entender o sexo de forma subjetiva. A sociedade estabelece padrões, mas o padrão deve ser estabelecido pelo casal. É importante lembrar ainda que a ausência ou amputação de membros, assim como deficiência visual, auditiva ou outras deficiências, não impedem homens e mulheres de vivenciarem uma vida sexual mediante a sua condição, quando entendem que tem direito à sexualidade e que tem necessidade sexual como qualquer pessoa, que não é feio querer ser tocado, beijado, acariciado, amado, seu comportamento e atitudes mudam e a parte erótica flui com mais naturalidade. No entanto, não há como isso acontecer se a pessoa com deficiência não se depreende dos seus próprios receios ou a sociedade não respeita sua condição na liberdade da própria intimidade. E Leninha se libertava, era essa mulher que voava em sua cadeira de rodas, repleta de desejos, de aceitação, acreditava no seu potencial de sedução e se permitia amar e ser amada.
Diante as nossas conversas, nasceram alguns poemas que na tentativa de fazer surpresa, o tempo nos mostra que a vida é agora, Leninha nãos chegou a ler, faleceu no dia 20 de agosto de 2021, mas plantou a semente para que muitos sentissem prazer ao ler cada poema de exaltação ao amor e respeito a condição do outro.
Dedico cada poema a todas as pessoas com deficiência em especial a minha amiga Leninha, pela força feminina, pelo sorriso que mesmo em dias tristes, nunca deixou de sorrir. Leninha partiu mas em cada pessoa que conheceu, permanece a continuidade da sua luta.
MULHER ACROBATA
Mulher com todas
as letras e sensações
dança lutas,
lágrimas,
partos,
vidas.
Não a negue
o direito
de ser, viver!
não a discrimina
A deficiência é
um detalhe,
o teu olhar,
a torna invisível e
a mata.
Mas a mulher tem
desejos latentes
na veia percorre
uma loba de
alma
acrobata.
+++++++++
CHAMAS NO GIRO
Rodas
rodeiam
rodopiam
giram
giram
movimento
emoção
Passos em
liberdade
visto como
prisão.
Sensualidade e
sexualidade
Gira em rotação
Mulher com
deficiência
exala sedução.
Enlaço de
rodas- pernas
Entregue o prazer
no desejo em
abundância
o movimento do giro
na sensualidade
da chama.
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(Sharlene Serra)
PRAZER FORA DOS PADRÕES
Entre pernas
mãos, silêncios
ou rodas
prazer
Libido
força
desejo
*oda
Fluidos que se trocam
Intimidade prazerosa
Da vontade do querer
Poesia vira prosa
No toque da pele
Do bem querer
Suspiros desejos
nos pontos A, B, C, G
A nudez da alma
Liberdade do corpo
cumplicidade
a sensatez do desequilíbrio
acessibilidade x intimidade
O desejo dita regra
Beijo, línguas em reciprocidade
O prazer
presente divino
àpice que leva ao infinito
Não existe padrão
a liberdade dita a regra
o amor direciona
ao prazer que ele
mesmo gera
(Sharlene Serra)
++++++
ORGASMO NEURAL
O prazer visto e revisto na
presença.
No olhar sem visão,
enxergar com o toque,
corpo no movimento imóvel
no sussurro dito com as
mãos.
Inclusão do poema em excitante conexão.
Poemas da pele,
da intimidade do
corpo sem movimento,
do instante e
o beijo como alimento.
O fetiche da liberdade sensorial,
o desejo incontrolável
do possuir e apenas
no imaginar
sentir orgasmo neural.
(Sharlene Serra)
++++++++
MÚLTIPLOS PRAZERES
A sensualidade e a sexualidade
preconceito latente
como se a deficiência
eliminasse o desejo presente.
A deficiência constrói e reconstrói,
o cérebro vira um órgão sexual,
identifica o excitante, atraente,
gerando prazer neural.
A percepção do prazer
Cérebro acionado
na congruência do ato.
Braços, pernas amputado
envolvendo todos os
sentidos: visão, audição, paladar e tato.
(Sharlene Serra)
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Sharlene Serra – de São Luís Maranhão, poeta, escritora. Graduada em desenho industrial, pedagogia e especialista em Ed. inclusiva. Participa de diversas antologias/coletâneas nacionais. Membro da Academia Poética Brasileira , vice presidente da AJEB- Associação de jornalista e escritoras do Brasil, coordenadoria do Maranhão e de outras associações literárias.
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