NE: "A poesia está morta para todos os fins práticos, mas sua aura permanece". Jacques Roubaud poeta, romancista e matemático publicou este ensaio nas páginas do jornal LE MONDE e assustou algumas pessoas por suas colocações. O que está havendo com a comercialização da poesia no Mundo? Será que em pleno século XXI, os jornais mais poderosos do Planeta, através dos aludidos suplementos literários podem passar um ano inteiro sem publicar resenhas de livros inéditos da poesia contemporânea? E as livrarias, que, na maioria, não contam mais com uma seção dedicada a obras desse gênero? A televisão, muito menos. As autoridades constituídas, pior ainda. Será que é incômodo para as autoridades culturais tirar algum proveito desse fato social? E ainda tem muita gente que pouco se apercebe disso. Caminhamos na verdade para uma 'quase inexistência econômica da poesia'? A poesia não tem mais importância e, portanto, não se vende? ÉSerá que a poesia nossa de cada dia está mortalmente ferida no setor econômico das comercializações culturais dos países esclarecidos? Será que a poesia está diante de uma forma extrema de desaparecimento? E Por que? De quem é a culpa?
Insights do original de Jacques Roubaud/diplomatique.org.br
Há quase um século – e com uma obstinação tocante – a responsabilidade por tal circunstância é atribuída aos próprios poetas. Expõe-se uma série de acusações para explicar e justificar a desafeição comercial: os poetas contemporâneos são difíceis, elitistas, a poesia é uma atividade fora de moda e ultrapassada. Os poetas são narcisistas, não se dão conta do que realmente acontece no mundo, não intervêm para libertar reféns ou para lutar contra o terrorismo, não fazem diminuir a desigualdade social, não se mobilizam para salvar o planeta e não falam a mesma língua de todo mundo. Eis porque não os lemos. Eles mesmos são os culpados por isso.
Jacques Roubaud procura explicar:
"Quem se interessa por poesia, geralmente conhece e gosta de Victor Hugo, Baudelaire, Rimbaud, Apollinaire, Eluard, Aragon, Char e Michaux, por exemplo, nocaso específico dos leitores da França. Mas acha que os poetas de seu tempo são difíceis, escrevem de maneira incompreensível e, assim, não os lê. Parece que esses leitores estão na mesma situação de alguém afetado por uma grave doença e que, depois de ficar um mês na cama, enfrenta grandes dificuldades para permanecer em pé. Ou seja, lemos cada vez menos e o que, por acaso, tentamos ler, parece impenetrável".
O Verso Internacional Livre
A situação descrita acima teve efeitos diversos sobre os poetas. A primeira consequência foi precipitar uma evolução formal, que está em andamento há muito tempo. Houve o verso livre padrão dos surrealistas, que substituiu o verso metrificado-rimado tradicional, sua demolição pela vanguarda dos anos 1960 (Denis Roche) e a conversão, bastante difundida, ao Verso Internacional Livre, importado, como tantos outros produtos, dos Estados Unidos. O VIL é um verso não metrificado nem rimado e que, geralmente, ignora as características da tradição poética de determinada língua. Ele 'muda de linha', fugindo às rupturas sintáticas demasiado fortes. Podemos fazer VIL em quase todas as línguas. Qual é a vantagem? Evitar, sem grande dificuldade, as terríveis 'taxas alfandegárias da tradução', que desencorajam os editores e os tradutores, e escapar do confinamento nas 'fronteiras do dialeto', algo temível na era da globalização.
O VIL (verso internacional livre), ainda é muito presente na cena poética mundial, em todo festival internacional de poesia, toda antologia poética ou revista literária. Suas exigências protocolares são demasiado débeis, o que promove um deslizamento cada vez mais claro em direção a uma fase (a última?) da evolução formal: aquela em que o próprio verso não é mais considerado necessário. Já havia essa tendência – nos anos 1990, eu a constatei muitas vezes – de desaparecimento do verso, presente em grande número de poetas, que liam seus poemas como prosa, ornada retoricamente pela voz, pois é preciso ver que se trata de poesia. Nessas condições, por que não escrever simplesmente prosa? A poesia, então, e isso é particularmente perceptível nos poetas que mais se destacam na França ou nos Estados Unidos, se faz com prosas curtas, mas não visivelmente narrativas: a ausência de uma trama narrativa clara é, assim, o único indicador de que o texto pertence ao gênero da poesia.
"Ainda é possível ser poeta?" Pergunta e responde Jacques Roubaud :
Mas por que, nessas circunstâncias, manter a afirmação de pertencer à categoria “poeta”? As respostas são, com frequência, contraditórias e ambíguas. A fraqueza da poesia no terreno econômico provoca um desprezo mais ou menos evidente em relação aos que ousam reivindicá-la. Trata-se de um movimento natural do tipo de sociedade em que vivemos e em que vive o poeta. A poesia não se dedica muito aos acontecimentos desagradáveis que se reproduzem por toda parte – aliás, em minha opinião, esse não é seu papel. Mas, se por acaso ela tem a audácia de fazê-lo, lhe responderemos, como Stálin teria respondido a alguém que lhe falasse da oposição do papa à sua política: 'O Vaticano? Quantas divisões?'. Para as pessoas, e para a 'quarta página dos jornais', onde ficam os anúncios publicitários, ser poeta é, no fundo, rigorosamente nada.
E continua Roubaud:
Aliás, se dirá, a poesia, coisa nobre, não é mais o que fazem os poetas. Eles não a merecem. A poesia está em outros lugares: na canção, no pôr-do-sol, no romance etc. Pois a poesia, para as pessoas, só é concebível quando a encontramos onde ela não está. Isso pode ser chamado, a partir de uma expressão de Yannick Liron, de efeito fantasma. A poesia está morta para todos os fins práticos, mas sua aura permanece. Não surpreende que, para muitos, declarar-se poeta, em nossos dias, tenha algo de ridículo e até de vergonhoso. Os efeitos de decomposição formal mencionados anteriormente se conjugam com o sentimento de inadequação ao mundo e com um desejo legítimo de reconhecimento social, levando um grande número de poetas a não apresentar seus livros como poesia, a negá-los. E assim, inevitavelmente, excelentes poetas, desencorajados pela ausência de repercussão (vendas inexistentes; espera de um ou dois anos para ver seus livros publicados por editoras que não sejam minúsculas ou financiadas pelo próprio autor; o silêncio infalível da imprensa etc.), passam a se dedicar a outras atividades: ao romance, ao teatro, ao cinema ou à ópera.
Completa:
Sendo a poesia inútil, ou seja, invendável, passada, ultrapassada, atividade linguística fora de moda, gênero literário moribundo, muita gente pensou que seu desaparecimento não seria ruim, e que seu lugar seria reservado a um novo produto, livre das pressões do passado literário, “absolutamente moderno”. (...). Parece que se pode deduzir, de tudo o que foi dito até aqui, que os dias da poesia estão contados. Entretanto, na massa daqueles que não são mais leitores de poesia, e que são até cada vez menos leitores simplesmente, a fascinação pela poesia não desapareceu. Podemos falar, parafraseando o título de um livro de Paul Fournel (Besoin de vélo2, Necessidade de bicicleta, N. do T.), de uma “necessidade de poesia”. Os progressos técnicos, que permitem publicar a baixo custo, e, principalmente, o desenvolvimento exponencial da internet, com a multiplicação dos sites e dos blogues, favorecem a expressão dessa necessidade. A própria natureza da poesia, que se faz nos poemas, geralmente de dimensões modestas, lhe permite ser muito mais acessível na tela do que o romance, por exemplo. (Quem já leu Em Busca do Tempo Perdido em uma tela de computador?) (...) Contudo, podemos constatar que encontramos muitos poemas na rede mundial de computadores e, que a poesia, por isso, atinge mais leitores que o livro, pois esse é pouco vendido.
Ao mesmo tempo, as leituras de poesia se multiplicaram, e os auditórios têm frequentemente dimensões respeitáveis. A economia, entretanto, uma vez mais, desempenha um papel nesse fenômeno: muitas cidades descobriram que era muito mais barato convidar um ou dois poetas do que um cantor, uma orquestra ou um balé. É nesse contexto que a necessidade de poesia encontrou um modo de expressão original: o slam.
E aí? O Slam é um Sarau? É uma forma de libertar o poeta de sua clausura? Roubaud explica: "Todo mundo, portanto, pode “dar uma de poeta”. O slam, se diz, é uma 'arte de expressão popular oral, declamatória, que se pratica nos lugares públicos como bares ou associações, sob a forma de encontros e de justas oratórias'. Extraio esta passagem de uma apresentação do slam: “a palavra slam designa, na gíria americana, ‘o tapa’, ‘o impacto’, termo emprestado da expressão ‘to slam a door’, que significa literalmente ‘bater a porta’. No quadro da poesia oral e pública, trata-se de pegar o ouvinte pelo colarinho e de ‘bater’ nele com as palavras, as imagens, para sacudi-lo, emocioná-lo.
No contexto, resume-se este artigo com a seguinte conclusão de Roubaud: "Esse artigo serve para defender o seguinte ponto de vista: que a poesia tem lugar em uma língua; que ela é feita com palavras – sem palavras não há poesia; que um poema deve ser um objeto artístico da língua com quatro dimensões, ou seja, composto para uma página, para uma voz, para um ouvido, e por uma visão interior. A poesia deve se ler e dizer."
*Jacques Roubaud é poeta, romancista e matemático.
---------------------------------------------------
Para ler a íntegra: https://diplomatique.org.br/a-decadencia-da-poesia/
Mín. 16° Máx. 19°