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Há mais coisas entre SPINOZA e MAIAKOVSK do que possa imaginar nossa vã filosofia.

Afinal, de quem são realmente os textos “O Deus de Spinoza” e o poema “No Caminho com Maiakovsk”?

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario LIncoln/Spinoza/Maiakovski
06/02/2025 às 20h42 Atualizada em 06/02/2025 às 21h41
Há mais coisas entre SPINOZA e MAIAKOVSK do que possa imaginar nossa vã filosofia.
Arte: MHL

UTOPIAS OU DISTOPIAS?

*Mhario Lincoln

 

 

“Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens”. (Albert Einstein).

 

Introdução 

O texto atribuído ao filósofo racionalista Baruch von Spinoza sobre Deus levanta questionamentos sobre sua veracidade e interpretação. Alguns acreditam que, após ser analisado por especialistas na linguagem casta da Holanda e por alguns filósofos contemporâneos, (não sou eu quem afirma, que fique claro e evidente), o texto revela uma natureza mais metafórica e um apelo espiritual divergente, o que pode entrar em conflito com o próprio pensamento de Spinoza. Assim, surge a dúvida sobre a validade e a coerência dessas afirmações. Mas, só por envolver Spinoza, vale quaisquer reflexões, sejam positivas ou negativas. O que é importante é discutir o mérito, não o entorno, correto? Pois bem!

É sabido que a posição teológica de Spinoza é conhecida pela expressão "Deus sive Natura" ("Deus ou Natureza"), que originalmente aparece na obra "Meditações" do filósofo René Descartes. 

René Descartes desenvolveu um método filosófico baseado na dúvida para encontrar uma certeza na qual possa fundamentar o conhecimento seguro. Essa certeza fundamental de Descartes é chamada de 'cogito' e sua formulação principal diz: "Deus sive natura".

Essa expressão apresenta a ideia de uma divindade imanente e inseparável da natureza. Spinoza compreende "Deus sive Natura" como a concepção de uma única substância (monismo) em vez de uma dualidade (dualismo). Ele afirma - segundo estudiosos - que o poder humano, como explicado por sua essência atual, "faz parte do poder infinito, ou seja, da essência de Deus ou da natureza".

Essa visão imanentista de "Deus sive Natura" implica na concepção de que Deus é intrínseco a um sistema no qual todos os elementos da natureza estão contidos. Deus é concebido como uma entidade não personificada que é o próprio mundo natural. É importante ressaltar que essa posição levou Spinoza a ser acusado de ateísmo e panteísmo. O panteísmo é a crença de que Deus não é um criador absoluto, mas sim que Ele permeia e compõe tudo, fazendo parte do Universo que se manifesta na Natureza. 

Para Spinoza, o panteísmo e o ateísmo eram conceitos idênticos nesse contexto. A perspectiva teológica de Spinoza sobre a natureza de Deus revela claramente a existência de um Deus espiritual. No entanto, ao analisar o texto em questão, (ler a íntegra mais abaixo) torna-se evidente a incompatibilidade entre o conteúdo apresentado e a própria postura filosófica do pensador. 

Por isso, muitos garantem que tal essência é originariamente do texto escrito por Francisco Javier Ángel Real, um autodenominado médium mexicano, que utiliza o pseudônimo de Anand Dilvar, cuja passagem é encontrada em seu livro intitulado "Conversaciones con mi Guía" (página 14). Nesse livro, Javier Ángel relata um diálogo com uma entidade espiritual, erroneamente atribuída a Spinoza.

A origem da polêmica.

O TEXTO NA ÍNTEGRA

"Para de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti. Para de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti. Para de me culpar da tua vida miserável: eu nunca te disse que há algo mau em ti, ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho… Não me encontrarás em nenhum livro! Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho? Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor. Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.

Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso? Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti. Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é a única que há aqui e agora, e a única que precisas. Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno. Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho: vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei. E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste… Do que mais gostaste? O que aprendeste?

Para de crer em mim – crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar. Para de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Aborrece-me que me louvem. Cansa-me que me agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Sentes-te olhado, surpreendido?… Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar. Para de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações? Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro de ti. Aí é que estou".

..................

RELEITURAS OU PLÁGIOS?

Mas, não é a primeira vez que acontece isso na história dos "mal-entendidos literários". No século XX, logo após a proliferação da internet, um poema criado e publicado no livro do poeta brasileiros Eduardo Alves da Costa, edição de 1984, durante mais de 30 anos foi atribuído ao russo Vladimir Maiakovski. Chama-se "No Caminho, com Maiakovski" e dizia assim, nesse fragmento do poema:

 

"(...)

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na Segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

(...)".

 

Com o pequeno-grande livro de Eduardo da Costa.

À rigor, a mim me parece ser toda a confusão com o poema de Eduardo Alves da Costa, decorrido do próprio título do poema -  "No Caminho, com Maiakovski" -, que é também o título do livro em que foi publicado. (Vide foto).

 

Ainda no mesmo assunto, há quem relembre outro poema, na verdade, um trecho de sermão, ou prédica, de um pastor luterano, alemão, da época do nazismo, chamado Martin Niemöller, de 1933, que entre os versos, aparece: "(...) Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar (...)".  E aí?

 

Voltando ao Eduardo Alves da Costa, lá nos idos de 1980, ele falou à Folha sobre essa confusão literária:

FOLHA - Você se arrepende de ter posto Maiakovski no título?

Eduardo Alves da Costa - De maneira nenhuma! Tanto que vou usar o mesmo título para o livro que sai agora.

FOLHA  - Durante mais de 30 anos acreditaram que o poema era dele. Isso não o incomoda?

Costa - Era uma enxurrada muito grande. Saiu em jornais com crédito para Maiakóvski. Fizeram até camisetas na época das Diretas-Já. Virou símbolo da luta contra o regime militar.

FOLHA - Como surgiu o engano?

Costa -O poema saiu em jornais universitários, nos anos 70. O psicanalista Roberto Freire incluiu em um livro dele e deu crédito ao russo e me colocou como tradutor. Mas já encomendei da França a obra completa do Maiakóvski. Quando alguém me questionar, entrego os cinco volumes e mando achar o poema lá.

 

Mutatis Mutandi, milhares de eventos literários foram construídos com base não só sobre o poema de Eduardo Alves da Costa, como em cima da "prece" de Spinoza. Tudo válido em razão da criatividade tendo como ponto inicial algo já escrito? Então, até que ponto críticos literários divergem entre Plágio e Releitura? Antes, vale ressaltar a distinção entre plágio e releitura, considerando a ética e a legalidade envolvidas: 

 

"(...) o plágio é uma prática condenável, visto como desonesta e ilegal, pois consiste na cópia literal ou na apropriação indevida do trabalho de outra pessoa, sem dar o devido crédito ao autor original.  Já a releitura é uma expressão legítima de criatividade e interpretação artística, desde que respeite os direitos autorais e não prejudique injustamente o trabalho do autor original. Na releitura, reconhece-se a fonte de inspiração e busca-se adicionar algo novo, em vez de simplesmente copiar ou se apropriar indevidamente do trabalho alheio (...)". (Dicionários de Literatura).

 

Daí, a linha que separa o plágio da releitura nem sempre é clara e pode gerar debates acalorados no campo da crítica literária. Um exemplo de possível plágio que ganhou o mundo e foi parar nos tribunais americanos:

PLÁGIO?

"O Código Da Vinci" de Dan Brown e "O Santo Graal e a Linhagem Sagrada" de Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln. O livro de Dan Brown foi alvo de uma ação judicial por plágio, movida pelos autores mencionados. Todavia, a Suprema Corte dos EUA recusou o apelo. Ou seja, a decisão mostra que os dois livros não são similares e a obra de Brown não infringe os direitos autorais do outro livro. A corte de apelações manteve uma decisão similar, de um juiz federal.

 

RELEITURAS?

Por outro lado, existem exemplos de releituras bem aceitas pelo público leitor, que demonstram uma abordagem criativa e respeitosa em relação ao trabalho original.

Como "Ophelia", de Lisa Klein, cujo romance é uma releitura da peça de Shakespeare "Hamlet". A autora dá destaque à personagem Ophelia, anteriormente retratada como uma figura secundária e frágil, e constrói uma história própria ao explorar seus pensamentos, emoções e experiências, desafiando as interpretações tradicionais da obra de Shakespeare.

 

EM TEMPO:

Aliás, o poeta maranhense João Batista do Lago, fã incondicional do filósofo holandês Baruch von Spinoza, não se abalou acerca da discussões entre a autenticidade de "O Deus de Spinoza" e construiu um dos poemas mais fortes a ser publicado em seu segundo livro físico, final do ano. Peço permissão para mostrar essa obra-prima racional, que imerge em Spinoza - e desmergulha mais à frente, na superfície de "uma unidade de substância": 

 

POEMA PARA ESPINOSA

João Batista do Lago

 

(Deus não existe… Deus É)

Foi contigo, Ó excomungado

que aprendi da inexistência de Deus,

foi contigo que aprendi a suspeitá-lo,

porque apesar da Sua inexistência,

assim como a Poesia, Deus apenas É.

Contigo aprendi Sê-lo na minha essência;

contigo aprendi que Ele não morrera

porque quem É não é mortal

já que é sumamente infinito na sua essência:

daí a Nutureza do infinito Ser.

Contigo também fui expulso do rabinato

porque não me permiti auscultar a divindade tirânica,

preferi entendê-Lo como Natureza em ato

como pura Poesia de toda sabedoria

como um Deus que simplesmente É:

um Deus que não se abriga nas igrejas das tiranias!

*********

 

Que assim seja,

Mhario Lincoln

Presidente da Academia Poética Brasileira.

 

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Judith BittencourtHá 1 mês WhatsApp“Deus sóis vós”, como citado por São Paulo, sim Mhario, acredito na criação do microcosmos da imagem e semelhança, que nos revela o amor e a beleza dos sentimentos. Excelentes considerações que fazes entre poetas e pensadores, em 1978, busquei Maiakovsky, e o encontrei no livro “Poética” e no final do livro coloquei, em 1980, - Os talentos da Poesia existem porque não suicidaram a Poesia que há dentro de si.
Joema CarvalhoHá 1 mês CuritibaMuito bom Mhario! As conexões ficaram ótimas. Acredito neste Deus que é, que se expressa no que faz bem.
alcina maria silva azevedoHá 1 mês Campinas- SPQue maravilhosos textos e, formas de falar de Deus! Fiquei embriagada pelas concepções de Spinosa, Javier Àngel, Descartes e tb o lindo poema do autor João B do Lago. Me identifiquei muito com Javier Ángel, que nos mostra um Deus livre, que não castiga e nem condena, nos deixa aproveitar de todas as belezas deste mundo, sem causar danos aos outros. Qdo em seu livro ele diz: " pare de ficar rezando e batendo no peito. O que eu quero que faças é que saia pelo mundo e desfrutes da sua vida.
Joizacawpy Há 1 mês São luís A filosofia é um ampo fértil de possibilidades, nela encontramos a liberdade de pensar, e geralmente para formular um pensamento surge os questionamentos muitos rodeados de dúvidas, logo uma verdade absoluta parece incoerente quando as formulações filosóficas buscam caminhos, respostas, mas a imposição da verdade não parece condizente com a mesma. Logo tudo passa por uma avaliação que é permeada de individualidades, mas precisa alcançar a coletividade. A filosofia está onde se fórmula ideias
Carmen Regina DiasHá 2 anos CascavelPacifico-me deitada na rede da varanda imaginária lendo esta riqueza escrita pelo mestre Mhario Lincoln. Nada menos q Spinoza, Maiakovski e João Batista do Lago dando o ar de suas graças. E o poema de João Batista dando o tom poético à tarde: “como a Poesia, Deus apenas É. Contigo aprendi Sê-Lo na minha essência; contigo aprendi que Ele não morrera porque quem É não é mortal já q é suma/infinito na sua essência: como um Deus q simplesmente É: um Deus q não se abriga nas igrejas das t
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