Isto não é um livro. É um libelo acusatório.
Um livro pequeno (“libellus”, em latim). Uma grande denúncia. Um sumário de culpa.
Este livro existe porque uma cidade deixou de existir, exilada de si mesma pelos que, loucos, locupletam-se do locus deslocado.
O autor, Wybson Carvalho, não economizou perplexidade, indignação e furor, a não ser pelos limites das letras e linhas de seus versos.
Essa cidade -- a “pólis” do Leste maranhense (portanto “polislestiana”, no neologismo wybsoniano) – é uma cidade sem “o perfume dos jardins urbanos”, sem “a linguagem singela do cotidiano”, sem “a romântica pregação dos poetas”, mas com “a inimizade humana” que agora estaciona nela. É o que, logo de face, logo na cara, nos estapeia o “Canto ao Exílio”, poema-paráfrase da “Canção do Exílio”.
Resta saber que dor é mais tormento e tristeza: não rever sua terra e saber-se morrendo, ou (vi)ver sua terra e sabê-la sendo morta.
Nas duas situações, o destino do vivente é tragédia: em uma, engolido pelo oceano; na outra, esmagado por um mar de intrigas políticas, estelionatos eleitorais, incompetências administrativas, embromações burocráticas, corrupções intermináveis.
Wybson Carvalho sabe fazer crítica social e política e sabe documentar descalabros urbanos e administrativos sem renunciar à poesia. Sua poética da denúncia, por ser substantivamente poesia, sobreviverá ainda que se lhe extinguissem os motivos que a levaram a existir. Porque poética é “poiésis”, criação/reconstrução, enquanto o objeto da denúncia é “páthos”, doença/destruição.
O “páthos” do poeta não é transiente nem é dagora. É uma dor -- “Dor munícipe” -- que nele se impregna e “há muito [foi] iniciada”. Pior, “sem prever o fim”. Por quê? Porque “há anos / a pólis troca-se e se veste / com a mesma roupa”. Portanto, um “Vestuário de forças” (nem precisa dizer: políticas).
Uma cidade inteira dobra o lombo àqueles aos quais ela se abriu e abrigou no coração. No dizer do poeta: “a pólis lestiana curva-se aos adotados”.
São novos-velhos maestros políticos querendo que todos dancem conforme (sua) música. Novos-velhos, gordos e (al)vadios sapos querendo que todos se acocorem em terras tidas como deles.
Quem e quantos não mais dançarão conforme a música nem se acocorarão em terras de Bufos, bufonídeos e bufões, que saltam e salteiam? (E, ainda assim, saltando e assaltando, “o não entregue aos carentes / não sacia a ganância dos abastados”: é como atesta o poema “Negação” reescrevendo o “quanto mais tem, mais quer”).
Das sublinhas e subleituras do poema “Valor patrimonial lestiano” pode-se inferir: Não são apenas “paralelepípedos” que estão “escondidos nas vias públicas”. Todos sabem que sob o asfalto jaz o... assalto. Nenhum contrato de pavimentação é inocente, embora quase todos sejam impunes.
De ganância e arrogância vai (des)vivendo a “pólis lestiana”. Wybson Carvalho poetifica e pontifica:
arroto da ganância
em estar sem ser...
insolência do indivíduo
ao revelar-se soberbo e atrevido
por benesses do poder
(“Arrogante lestiano”)
E...
o muito para poucos
e dividido aos obedientes
à atitude tabulada e cíclica.
o pouco para muitos
e esmolado à mendicância
sem compor as carências sociais lestianas.
(“Montante lestiano repartido”)
Só um poeta com qualidade literária e coragem cívica saberia enfeixar em poemas assim tanto olhar assim denunciador, tanto sentimento assim de inconformismo -- em essência, tanto amor assim pela cidade, amor que o faz tirar do seu embornal de escritor as pedras-palavras a serem atiradas com fundas e baladeiras contra os Golias e Leviatãs do Poder Público.
“Necrópolis”, mais que um livro, ou libelo, poderia ser um grande necrológio. Só não o é porque nem tudo na cidade está morto. O poeta vive -- e com ele sua poesia.
E, sabemos todos nós, enquanto há vida, esperança há.
(Re)viva a “pólis”!
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EDMILSON SANCHES
[email protected]
(Publicado há quatro anos, em 12/02/2020).
(*) O livro “Necrópolis” recebeu também prefácio de Quincas Vilaneto.
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