*Jorge Nascimento
Às vésperas do Julgamento (Nauro Machado).
Nauro Diniz Machado, era, até pouco tempo, um ilustre desconhecido. Entretanto, todos sabiam-no possuidor de sólida cultura, conhecedor consciente e profundo das literaturas portuguesa, hispano-americana, inglesa e alemã.
Mario de Andrade, Augusto Frederico Schindt, Vinicius de Morais, Fernando Pessoa, Mario de Sá Carneiro, Gabriela Mistral, Pablo Neruda, George Gordon Byron, Oscar Wilde, T.S. Eliot, Arthur Rimbaud, Verlaine, Malarmé, Goethe, além de outros, cuja relação seria cansativa enumerar, lhes são plenamente familiares.
Sua preferência recai na literatura francesa, idioma que domina com qualquer graduado de Sorbone. Manter um contacto pessoal com o poeta torna-se quase um sacrifício, levando em consideração sua índole excessivamente tímida, arredia, embora seja de natureza afetiva. (...).
Depois de alguma resistência, resolveu concorrer com o livro "Campo sem Base" ao "Prêmio Sousândrade". Suas composições davam para estar em mais de um livro, entretanto, o poeta, num dia de angústia, desesperado, rasgou todos os seus poemas, sendo que alguns datavam de quase dez anos atrás. Sôfrego, atirou-se novamente à luta corporal" e em noventa dias, o livro com qual está se aventura o abiscoitar dez mil. Deu à luz aos sonetos do modo mais extravagante possível: ora ao som de quatro ou cinco maquinas de escrever (no S.A.M., onde trabalha), ora na placidez noturna de sua residência ou entre um ou outro "uísque calça curta"...
Deseja ardentemente te nascido em qualquer País europeu, onde, assegura, melhor quietude se realizaria. Aos dias ensolarados prefere frigida, brumosa, dos dias hibernais. Tem apenas vinte e um anos de idade e cem de experiencia poética, segundo os entendidos.
Nauro descende de uma das mais ilustres famílias da terra. e em sua árvore genealógica, ao que sabemos, é o único poeta. Em matéria de arte, é de uma sinceridade brutal, sem peias, não temendo desagradar com a sua opinião, coisas adocicadas que lhe recitam com o rótulo de "poesia".
Recentemente alcançou a maioridade poética e uma das certidões foi passada ("é verdade e dou fé etc.") pelo irmão em arte, Bandeira Tribuzi. Concluiu anos 18 anos, o curso científico no Colégio S. Luís ('coisinha chata a Matemática") e não pensa fazer qualquer curso superior. Vive, respira, e sofre diariamente poesia. "Vamos puxar angústia?"
É um atormentado, chegando mesmo a atingir às raias da obsessão. Em meio de amigos, já se tornou proverbial a súbita ausência (espiritual). Inesperadamente, o poeta "como que atuado", desanda num murmúrio ininteligível, dá passes de balett, ensaia uma dança que se assemelha à de S. Guido, chegando mesmo a espantar os menos avisados, com aquela súbita manifestação de euforia. Nauro Machado, em suma, é de um temperamento contraditório. O menino vai longe, pra lá de Pasárgada. Afora isso é um autodidata e incorrigível ledor de tudo quanto lhe cai às mãos.
Premiado ou não publicará o seu livro no sul do País, possivelmente na Pongetti. Crê plenamente no senso criterioso da Comissão Julgadora "Concurso Cidade de S. Luís". Amém.
JORNAL DO POVO - 1957
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“(*) Jorge Nascimento nasceu com a vocação para a escrita, para a humildade e para a obscuridade. Como os grandes escritores tinha a alma, o coração de criança, daí sua obra prima, no gênero conto: Zé Coré. Nos deu também: Olhos para a rainha, dentre outros contos. Poeta singular em versos de metros longos, para além de alexandrino. Sua obra merece ser resgatada. Jorge morre esquecido. É uma contratação cruel, mas verdadeira. Perdi um grande amigo. Ganhei uma grande, eterna e invejável memória”. (Alberico Filho).
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