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Parteiras da Índia são símbolos de resistência silenciosa que salvou crianças da morte

O texto original foi publicado no Instagram da BBCBrasil.

14/09/2024 às 13h46
Por: Mhario Lincoln Fonte: Original BBCBrasil
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Original da BBCBrasil.
Original da BBCBrasil.

(Releitura da Redação do Facetubes)

 

A história da parteira Siro Devi e sua ligação com Monica Thatte é muito mais do que um reencontro entre duas mulheres. É um símbolo de resistência e sobrevivência em um contexto cultural doloroso. O abraço emocionado entre as duas, com lágrimas que não cessam, revela camadas de uma luta oculta nas profundezas da sociedade indiana. A jovem Mônica, de quase 30 anos, é uma das muitas meninas que devem suas vidas a Siro e outras partes que desafiaram práticas tradicionais brutais.

O Estado de Bihar, na Índia, onde Mônica nasceu, tem uma história sombria relacionada ao infanticídio feminino, especialmente nas áreas rurais, onde as partes eram afetadas por atos terríveis. Nos anos 1990, as condições econômicas e culturais pressionaram famílias que não viam como sustentar várias filhas. O dote — tradição que exige que os pais paguem grandes quantias ao casar suas filhas — foi considerado uma sentença de pobreza, e muitas famílias recorriam à prática devastadora de eliminar recém-nascidas.

A jornalista que acompanhou Siro e seus colegas parceiros há 30 anos lembra o relato de Hakiya Devi, a mais velha entre eles. “Matei 12 ou 13 meninas”, confessou Hakiya, com uma voz marcada pelo dor do passado. Na época, a recusa não era uma opção. As festas, como ela explicou, eram trancadas em quartos, cercadas pelos pais que as ameaçavam com pausas e planejavam a morte de suas filhas recém-nascidas. “Já temos filhas demais. Se tivermos que pagar o dote, morreremos de fome. Agora nasceu outra menina, mate-a”, contou Hakiya.

Esse era o contexto em que Siro e tantas outras trabalharam — sem escolha, sem voz. Mas algo começou a mudar. Lentamente, as partes que um dia seguiram essas ordens começaram a se rebelar. Siro Devi foi uma daquelas mulheres quentes. Em silêncio, ela começou a salvar as vidas que ele ordenava tirar. Monica Thatte, conforme sugerem os registros, é uma das que devem sua vida a essa resistência silenciosa.

“Houve um ponto de virada”, disse recentemente Ranjana Kumari, diretora do Centro para Pesquisa Social em Nova Déli. "Quando as partes começaram a se ver como protetoras e não como executoras, algo mudou. Elas perceberam que poderiam desafiar o sistema, mesmo que isso significasse colocar suas próprias vidas em risco".

A cultura do infanticídio feminino na Índia foi, e ainda é, um problema social profundo, mas as histórias de festas como Siro representam a esperança de que a mudança é possível. O governo indiano tem promovido campanhas contra o infanticídio feminino, com programas como o “Beti Bachao, Beti Padhao” (Salve a Filha, Eduque a Filha), que visam mudar a mentalidade e combater o desequilíbrio de gênero no país. “O programa é um passo importante, mas a verdadeira mudança vem da coragem daquelas mulheres que, dia após dia, enfrentam a tradição”, destacou Vandana Shiva, ativista indiana pelos direitos das mulheres.

Ao rever a trajetória de Siro Devi e de tantas outras partes, compreendemos que seu papel vai além de ajudar no nascimento de crianças; elas, de fato, lutam pela sobrevivência de gerações inteiras. O reencontro com Monica Thatte é um testemunho vivo dessa transformação. Uma menina que deveria ter sido mais uma vítima se tornou a prova de que é possível resistir e mudar o curso da história, mesmo nas situações mais sombrias.

Essa matéria não apenas narra uma história comovente de resistência, mas também revela a luta contínua contra a opressão de gênero em uma sociedade ainda marcada por tradições culturais diversas. O depoimento de Ranjana Kumari e a análise de Vandana Shiva reforçam a importância dessas vozes, que emergem de um passado sombrio, mas apontam para um futuro de esperança e mudança.

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alcina maria silva azevedoHá 3 semanas Campinas -SPMeu Deus! Quanta ignorância existe,fico surpresa e muito triste ao saber do atraso dessas almas. A India se diz religiosa... Essa reportagem vem provar o contrário. Ainda bem que houve mulheres corajosas que lutaram contra esse sistema e delataram esse horror!
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