Grupo de Pesquisas do Facetubes
Arthur Rimbaud, (1854-1891) , nasceu em Charleville, em 20 de outubro de 1854. Foi um prodígio literário francês cuja obra, escrita predominantemente na adolescência, revolucionou a poesia moderna. Desde cedo, demonstrou um talento excepcional, compondo os seus primeiros poemas aos 15 anos, nos quais já rompia com as convenções literárias da época. Com um espírito rebelde e insurgente, Rimbaud desafiava não apenas as normas poéticas, mas também as sociais, fugindo de casa diversas vezes para escapar do ambiente provinciano e da autoridade rigorosa de sua mãe.
Em 1871, Rimbaud mostrou a Paul Verlaine, um renomado poeta simbolista, alguns de seus poemas. Impressionado pela genialidade do jovem, Verlaine começou-se uma relação tanto criativa quanto amorosa, marcada por intensos momentos de trabalho artístico, mas também por conflitos e excessos. Juntos, mergulharam na vida boêmia, viajando pela Europa e explorando novas formas de expressão literária.
No entanto, o relacionamento entre Rimbaud e Verlaine tornou-se cada vez mais tumultuado. Em 1873, num episódio dramático, Verlaine, num acesso de ciúmes e embriaguez, atirou em Rimbaud, ferindo-o no pulso. Este incidente levou à prisão de Verlaine e ao fim definitivo da relação. Completamente desiludido e solitário, Rimbaud surpreendeu o mundo literário ao abandonar a poesia aos 20 anos de idade.
Após deixar a literatura, Rimbaud levou uma vida errante, viajando pelo mundo e assumindo diversas ocupações. Estabeleceu-se na África, onde trabalhou como comerciante, explorador e mercador de café, além de se envolver em atividades menos lícitas, reforçando sua imagem de gênio inconformista e aventureiro.
Rimbaud faleceu de câncer aos 37 anos, mas o mito do poeta rebelde continua a encantar gerações de leitores, escritores e artistas. Sua experimentação linguística, imagens oníricas e temas de revolta, liberdade e transcendência consolidam-se como um dos maiores poetas de todos os tempos.
A crítica literária Enid Starkie, em sua biografia sobre Rimbaud, afirma: “Ele foi o poeta que viveu sua própria obra, explorando os limites da experiência humana e da linguagem como ninguém jamais o sofrera”.
Um dos grandes exemplos da poesia rimbaudiana é "O Barco Ébrio", cuja interpretação seguiu a alegoria da condição humana e da busca pelo sentido da existência. Leia três estrofes, abaixo:
"(...)
Eu, barco naufragado entre as marinhas tranças
pelos tufões aos ermos do éter arrojado,
cujo casco ébrio de água os veleiros das Hansas
e os Monitores não teriam resgatado;
livre, a fumar, envolto em brumas violetas,
que perfurava o céu vermelho como um muro,
que traz – confeitos deliciosos aos bons poetas –
liquens do sol e cusparadas do azul-escuro;
prancha louca, a correr entre uma escolta preta
de hipocampos, rajada a estrias resplendentes,
quando julho esboroava a golpes de marreta
do céu ultramarino os funis comburentes;
(...)".
Essa poesia foi escrita em 1871. "O Barco Ébrio" é um poema narrativo que descreve a jornada de um barco à deriva, personificado e consciente, que se liberta dos controles humanos e navega pelas éguas em busca de experiências ilimitadas. O barco simboliza o próprio poeta, que anseia por libertar-se das convenções sociais e literárias para explorar novos horizontes da percepção e da expressão artística.
Rimbaud utiliza uma linguagem rica em metáforas e imagens sinestésicas, criando um universo onírico e alucinante. O poema é composto por uma sequência de quadros vívidos que retratam paisagens exóticas, naturais intensas e visões fantásticas. Essa sucessão de imagens reflete a experimentação sensorial e emocional do eu lírico, que se entrega a uma espécie de êxtase exploratória.
A estrutura formal do poema, escrita em alexandrinos, contrasta com a temática de descontrole e liberdade, evidenciando a maestria técnica de Rimbaud ao manipular formas tradicionais para expressar conteúdos revolucionários. A musicalidade e o ritmo são cuidadosamente trabalhados, contribuindo para a atmosfera de movimento contínuo e fluido.
"O Barco Ébrio" também pode ser interpretado como uma alegoria da condição humana e da busca pelo sentido da existência. O barco, ao desvincular-se de seu propósito importante, representa o desejo de transcender os limites pela razão e pela sociedade. No entanto, essa busca também traz a sensação de perda, solidão e esgotamento, aspectos que emergem nos momentos finais do poema.
A influência deste poema é profunda e rigorosa. Rimbaud inaugura uma nova estética poética que se move antecipadamente como o simbolismo e o surrealismo. Sua capacidade de captar o inconsciente e de traduzir emoções complexas em imagens inovadoras abriu caminho para que outros escritores explorassem as profundezas da subjetividade humana.
TRADUÇÃO
Em um admirável artigo sobre tradução da obra de Arthur Rimbaud, o imortal da ABL, Lêdo Ivo explica como proceder em seu próprio trabalho de tradução:
"Ao traduzir Rimbaud, utilizei, evidentemente, os melhores textos — o da Pléiade, previsto por Rolland de Reneville e Jules Mouquet, para Une Saison en enfer , e o de Bouillane de Lacoste, para Illuminations . Em ambos, foram corrigidos os erros e incoerências do texto tradicional de Patrice Berrichon. E, se ora me refiro a esse detalhe, é que depois de um texto suficientemente fidedigno e confiável torna-se essencial para que o tradutor cumpra com eficácia o seu ofício — o qual, aliás, deve assentar-se no conhecimento das duas línguas, evitando-se, assim, as ocorrências anedóticas ou degradantes ou os molestamentos dos que traduzem livros de Economia e Finanças, Administração e Ciência Política num jargão anglo-piauiense."
A Genialidade
O segredo das traduções passa rigorosamente pelo conhecimento da língua-mãe e pela sensibilidade efusiva do tradutor. Veja:
"La mer de la velalée, diga que les seins d'Amélie." / 'O mar da vigília, tal como os seios de Amélia.'
Nesse caso específico, a realidade verbal habita o poema, dispensando a intermediação da realidade vívida ou ambiental — e como traduzir essa realidade que já cortou as amarras com a outra realidade, como um navio que, tendo levantado a âncora, não está mais no porto?"
Aqui, Ivo destaca a musicalidade e a modulação intrínsecas à poesia de Rimbaud. O tradutor enfrenta o desafio de transporte não apenas o significado literal das palavras, mas também a sonoridade e a atmosfera que permeiam os textos originais. A linguagem poética de Rimbaud é autônoma, criando uma realidade verbal que independe do contexto externo.
Manuel Bandeira, renomado poeta brasileiro, também comenta sobre a tradução de Lêdo Ivo:
"Não tenho tempo agora de cotejar com o original de Rimbaud a tradução de Lêdo Ivo. Mas imagino que o seu trabalho principal terá consistido em achar em português os sucessores dos sortilégios verbais do Vidente. Comparem-se estas três linhas de 'Ornières': '— Même des cercueils sous leurs dais de nuit dressant les panaches d'ébène, filant au trot des grandes juments bleues et noires' com a tradução de Ivo: 'Até esquifes sob seus dosséis de noite, erguendo os penachos de ébano, correndo ao trote de grandes éguas azuis e negras'. 'Grandes juments bleues et noires' difere muito, do ponto de vista da alquimia verbal, de 'grandes éguas azuis e negras' A tradução literal deu certo, no entanto: 'égua' é mais. belo que 'jumentos', 'azuis e negras' é tão belo quanto 'bleues et noires'. Mas se não fosse assim, Ivo teria de dar um jeito fora da letra para não trair a forma — esta forma que é essencial em Rimbaud (Claudel comparou-lhe a sonoridade à do 'bois moelleux et sec d'un Stradivarius'). Que dizer de certos poemas de Une Saison en enfer ? Eu duvidei e fiz pouco quando Ivo me falou de sua tradução. Devo, porém, considerar que ele lavrou um tento, aproximando-se bastante do original sem mentir à poesia do original. Seria muito difícil, senão impossível, fazer melhor."
Musicalidade
Na verdade, a poesia de Rimbaud é destacada por sua musicalidade e pela criação de uma realidade verbal autônoma. O desafio do tradutor reside em transporte não apenas o significado, mas também a atmosfera, o ritmo e a melodia que são intrínsecos aos poemas. Lêdo Ivo compara essa tarefa de traduzir uma "chave sem porta", diminuindo a dificuldade de capturar o "mistério genuíno" da linguagem poética de Rimbaud.
A questão sobre a traduzibilidade de Rimbaud suscita reflexões sobre os limites e possibilidades da tradução literária. A metáfora da "bela infiel" sugere que a tradução é um ato de recriação, onde o tradutor deve ser fiel ao espírito da obra, mesmo que isso implique em desvios da literalidade. Essa dualidade entre fidelidade e infidelidade é intrínseca ao ofício do tradutor, especialmente quando se trata de poesia, onde forma e conteúdo estão indissociavelmente ligados.
Enfim, a tradução pode ser uma ponte entre culturas, permitindo que a universalidade da poesia de Rimbaud seja apreciada em diferentes contextos linguísticos. Embora a tarefa seja repleta de desafios, é possível, através de sensibilidade e domínio técnico, preservar a magia e a profundidade da obra original.
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Peroração
Aliás, vale lembrar: Rimbaud é traduzível? É intraduzível? Sim e não, isto e aquilo, ambas as respostas são cabíveis, desde que se veja numa tradução aquela bela infiel a que alude Émile Herriot.