*Mhario Lincoln
Tenho acompanhado a trajetória de Elisa Lago. Ela e seu irmão Kleber Lago - a quem reputo como um dos 10 maiores sonetistas brasileiros do século XX, recém falecido - integraram a lista dos 10 primeiros nomes convidados a integrar a Academia Poética Brasileira.
Assim, convidada para enviar um poema para que a incluísse na Semana das Resenhas, do Facetubes, ela me envia o maravilhoso "Coragem" que, aliás, é uma profunda reflexão sobre a liberação pessoal e a superação dos medos impostos pela sociedade.
Desde o início, Elisa expõe a tortura do medo que a acompanhava, um medo de infringir os preceitos rotulados pela hipocrisia social. Essas normas são personificadas em imperativos categóricos: "Isso pode! / Isso não pode! / Isso é bonito! / Isso é feio!", destacando a rigidez e a arbitrariedade das convenções sociais que limitam a expressão individual.
A transformação ocorre "de repente, num instante de desesperança e desencantamento", momento em que surge "um anjo" com "sorriso nos olhos e palavras animadas". Esse anjo simboliza a inspiração ou talvez uma figura que a encorajada a romper com as amarras, ensinando-a a conjugar o verbo "esperançar" — um neologismo que implica ação, movimento em direção à esperança, em vez de apenas esperar passivamente.
A jornada interna da poeta, imortal da APB-MA, envolve resistência e confronto com seus "monstros interiores" e "tempestades emocionais". Esse embate culmina na superação dos temores e na conquista da coragem, que lhe concede "asas multicoloridas". A repetição do verbo "voei... voei... voei..." enfatiza a sensação de libertação contínua e ilimitada, como se cada voo a levasse a novas alturas de autoconhecimento e liberdade.
Confesso que fiquei tão impressionado que fui buscar Clarice Lispector, que também explorou a alma humana. Em textos como "A Descoberta do Mundo", Clarice chega a desafiar as convenções sociais e encorajar a busca pela descoberta:
"Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome." Clarice Lispector
Assim como Elisa, Clarice aborda a necessidade de transcender os limites impostos pela sociedade e pelos próprios medos internos para alcançar uma forma mais plena de existência, isto é, Elisa, com sua didática exemplar e versos que voam e se transformam em chuva de sentimentos, conduz o fio reflexivo por uma jornada de autodescoberta e emancipação.
"CORAGEM", portanto, não é apenas um poema sobre superar o medo, mas um convite para que cada indivíduo encontre suas próprias "asas multicoloridas" e ouse voar além das fronteiras impostas.
Obrigado por mais essa lição de vida Elisa Lago.
CORAGEM
(Elisa Lago)
Sim, um dia já convivi
com a tortura do medo
de ferir os preceitos rotulados
pela hipocrisia social:
Isso pode!
Isso não pode!
Isso é bonito!
Isso é feio!
De repente, num instante
de desesperança e desencantamento
surgiu um anjo à minha frente
com sorriso nos olhos e palavras animadoras
e me ensinou a conjugar
o verbo “esperançar”.
Resisti, briguei com meus monstros interiores,
enfrentei tempestades emocionais
até sobrepujar os meus temores.
Enfim, “esperancei-me” e da coragem
ganhei asas multicoloridas: voei... voei... voei...
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