*Mhario Lincoln
Raras vezes li um poema metafórico de Linda Barros tão forte e significante, quando se interpreta, não só a linha versálica, apenas. Mas as filigranas que ensejam essa linha.
Já havia feito isso em um poema de Maya Angelou, quando palestrei (em live), no ano passado, participando de um grupo de poetas latinos. E agora, me deparo com nossa confreira Linda Barros indo na mesma direção e me causando um sufoco para analisar essa pérola.
Vale lembrar que Maya Angelou, especialmente em seu poema "Still I Rise", desafia a opressão com dignidade e resiliência. Maya encontra guarida também em Conceição Evaristo, dona de uma poesia sofrida, mas madura, onde aborda as experiências das mulheres, reivindicando voz e reconhecimento.
Desta forma, as metáforas usadas tanto por Linda, como por Maya e Evaristo, a mim me parecem ferramentas para confrontar e desafiar essa avassaladora tentativa de diminuição do ser humano, enquanto articula seu livre pensar, numa incessante (e séria) busca pela dignidade e pela força de cada indivíduo.
Há pouco tempo escrevi um termo (grito visceral), quando analisei a poesia do poeta contemporâneo João Batista do Lago. E agora, reforço o mesmo tema (em uma outra visão, mas idêntica à primeira), quando o verso de Linda me mostra a tentativa de redução do indivíduo, pelas expectativas e julgamentos alheios.
Destarte, ao repetir "não me diminua", a poeta clama por reconhecimento integral de sua identidade (enquanto liberdade poética, claro), seja ela pequena ou grande, forte ou frágil ou digna de sucesso ou fracasso. Esse grito ecoa na necessidade (de certa forma coletiva, em tempos atuais) de afirmação da arte praticada, diante de uma sociedade que constantemente tenta moldar e limitar o indivíduo.
Cabe aqui, inclusive, chamar para a mesma mesa José Sarney, onde no livro "Cavalgada à Beira Mar" ele cita Peregrino Junior (cultuado como médico e esquecido como poeta), enunciando "o desprezo pelo homem de letras no meio de nosso povo".
Voltando a Linda, e no estribo do bonde sarneysiano, reforço, sem sombras de dúvidas, que sua poesia reflete as dinâmicas de poder e controle presentes nas interações sociais. A sociedade coercitivamente impõe padrões e normas que pressionam o indivíduo a se encaixar em moldes pré-definidos. Ao recusar ser diminuída por ser quem é (forte e destemida) a poeta acaba denunciando a dualidade das expectativas sociais que, paradoxalmente, reprimem tanto por causar graves danos, quanto a inevitável inconformidade.
Raimundo Fontenele, um dos fundadores do movimento "Antroponáutica", que mudou os rumos da poética maranhense, conversava comigo e mostrava um exemplo triste das consequências dessa coercitividade social: o triste fim da poeta Ana Cristina César - magistral em apresentar liberdade de pensar e agir - consumida e degradada pela sociedade brasileira da época.
Porém, o que importa diante de tudo isso, é que quaisquer que sejam as tentativas artísticas para renovar o status quo e repensar a mesmice, é elogiável por mim, um admirador inconteste de Jean-Paul Sartre, que enfatiza a liberdade individual e a responsabilidade pessoal na construção da própria essência. Eu sempre escrevo isso em minhas resenhas, quando há motivo: "(...) a existência precede a essência”, ou seja, o ser humano primeiro existe e, através de suas escolhas, define quem é. Assim, fiquei muito feliz em ler, por exemplo, de Linda Barros: “Não me diminua / Por eu ser quem sou”, afirmativa que reforça essa busca, mesmo com lesões, pela autoafirmação.
Aliás, estou embevecido com um "box" de Simone de Beauvoir, (comemorativa de 70 anos da primeira grande obra, “O segundo Sexo” - 1949-2019), com dois livros imensos, onde ela discute como a mulher é frequentemente definida na relação ao homem e à sociedade, sendo, "reduzida a estereótipos que limitam sua expressão plena".
Na carona, afirmo com muita certeza de que essa poesia de Barros (apesar de aparentemente simples) pode ser vista como um eco dessa luta contra a redução e a objetificação. Aliás, por falar em simples, costumo dizer, "só é simples para aqueles que não ultrapassam os limites da vírgula e do ponto". (Mhario Lincoln, 'Ensaio de articulação e interpretação literária'/Publicação de 1987/Ed. Alcântara. SLZMA).
Bom, o grito de Linda Barros é uma manifestação de resistência e autonomia. Mesmo que haja uma tentativa de minimizar (em alguma altura), emoções ("Por minhas lágrimas derramadas"), de seus fracassos e fraquezas, ou até mesmo de suas conquistas ("pela minha força / Ou pelo meu sucesso"). É a demonstração inequívoca da busca pela aceitação artística em sua totalidade, sem julgamentos ou reduções.
Por tudo isso, não é exagero afirmar, ao ler, "Não me diminua" na sua instigante liberdade poética, que Linda Barros utiliza essa repetição como um recurso estilístico para enfatizar a urgência e a importância de sua mensagem. A fragmentação final da palavra "diminua", enfim, representa visualmente o próprio ato de diminuição, criando um impacto visual que reforça o tema central: simboliza estancar a desintegração do valor feminino, enquanto exclamação artística.
Confesso que adorei ler e debulhar palavras simples, porém inquietantes e poderosas, ratificando o que dizia Kalil Gibran: "A simplicidade é o último degrau da sabedoria".
Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.
O POEMA
LINDA BARROS
Diminuir, pra quê?
Linda Barros
Não me diminua
Por eu ser pequena,
Não me diminua
Por eu ser grande
Não me diminua
Por eu ser quem sou
Não me diminua
Por eu não ser eu mesma
Não me diminua
Por minhas lágrimas derramadas,
Pelos fracassos e fraquezas
Não me diminua
pela minha força
Ou pelo meu sucesso
Não me diminua
Não
Me
Dimi
n
u
a
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