Terça, 29 de Abril de 2025
9°C 21°C
Curitiba, PR
Publicidade

Poesia de Wanda Cunha, “Destroços”. (Uma catarse mais que Poética)

Wanda Cunha é uma das poetas mais festejadas, com participação em grandes projetos regionais e nacionais.

Mhario Lincoln
Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario Lincoln/Wanda Cunha
25/10/2024 às 10h24 Atualizada em 26/10/2024 às 13h18
Poesia de Wanda Cunha, “Destroços”. (Uma catarse mais que Poética)
Wanda Cunha em arte de MHL.

 

*Mhario Lincoln

 

Quando leio Wanda Cunha, consigo imaginar o quanto seu talento foi reforçado brilhantemente por sua experiência de vida. Além, estudos incessantes, leitura abundante e o dom natural são pilares fundamentais que favorecem o crescimento poético dessa poeta maranhense.

Fico observando a capacidade dela em transmutar em poesia, situações e reflexões, aprimorando sua imersão em temas escolhidos para poetar. Tudo isso, junto com a compreensão das técnicas literárias, decorrentes do estudo estético e das nuances da linguagem, permitindo que a poeta manipule os recursos expressivos com maior habilidade e consciência.

Por isso, ler Wanda me coloca em um patamar diferenciado, mesmo sendo um curioso – sempre - em descobrir essas nuances líricas. Claro que isso me faz trazer para a mesma mesa, por exemplo, TS Eliot em seu ensaio "Tradição e o Talento Individual", onde o desenvolvimento poético está intrinsecamente ligado "à assimilação da tradição literária através do estudo e da leitura, sendo que nenhum poeta, nenhum artista de qualquer arte, tem seu sentido completo sozinho. Seu significado, sua apreciação, é a avaliação de sua relação com os poetas e artistas que já leu". (Eliot, TS Tradition and the Individual Talent . In: A Madeira Sagrada: Ensaios sobre Poesia e Crítica . Londres: Methuen, 1920).

E é por esse ângulo, com uma boa dose de licença poética que eu enxerguei a poesia "Destroços" dessa talentosa Wanda Cunha. A mim me pareceu, antes de tudo, uma manifestação catártica, onde as palavras emergem como um desabafo provocado pelas angústias que atormentam a alma do poeta, dentro dessa sua licença poética.

E isso acontece - veja que delícia de entender assim - mesmo sem a autorização do coração, por haver uma necessidade imperiosa de externalizar a dor que sufoca sua lírica internamente, utilizando a liberdade poética como veículo de expressão.

As palavras que "ruíram como a vida" simbolizam o colapso interno que a autora vivencia. A poesia que "murchou dentro do peito" representa a perda da capacidade de encontrar beleza ou consolo nas palavras, intensificando o sentimento de desespero e solidão. É como se a expressão poética, antes fonte de rompimento, tivesse se esgotado sob o peso da dor.

É bom relembrar, por exemplo, o poeta francês François Villon que abordou temas semelhantes de angústia e solidão. Villon, assim como Wanda, expressam a profundidade da dor e a busca pela compreensão em meio ao sofrimento.

Claro e evidente que não se pode resenhar um belo espécime lírico sem a filosofia. Gosto muito de fazer isso. Então, vou buscar, lá no século XXI, Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano radicado na Alemanha. Em seu livro "A Sociedade do Cansaço", ele explora a sensação de esgotamento e vazio interior que permeia a sociedade contemporânea. Ele afirma:

 

"A depressão é uma patologia de uma sociedade que sofre de excesso de positividade, onde o indivíduo é essencialmente seletivo continuamente."

 

Han, em estudo técnico, assim como Wanda, em criação dialético-lírico, expõe a dor interna, a sensação de desintegração emocional que resulta da pressão e das expectativas sociais. Assim, eu mesmo achei conveniente destacar: "E a ausência presente se calava / nos escombros soturnos da emoção", pois esses versos refletem um paradoxo entre presença e ausência, revelando uma perda que é sentida profundamente mesmo na ausência física. Vibrei muito com esse tom analógico e sutil.

Vale abordar (porque é algo que ascende da alma) também esse poema sob uma perspectiva freudiana: "essa perda poderia representar a incapacidade de elaborar essa ausência, resultando em um silêncio emocional", afirma Freud, que discutiu essa ausência como um processo necessário para quaisquer que sejam as superações, mas que, quando não feito, pode levar a um estado de melancolia aguda.

-        - Lembre-se Wanda Cunha: acabei aprendendo muito e sentindo lá dentro como se manipula as ideias e as transforma em algo que pressiona o leitor a utilizar a poesia (aqui, a sua poesia) como um meio de expurgar sentimentos intensos de dor, perda e desespero.

Em minha particular visão, essa conotação freudiana me fez aprofundar ainda mais a minha compreensão (da perda enquanto fato), revelando os complexos processos internos que acompanham o processo da perda e as resultantes transformadas em melancolia. Uma catarse poética, sem a menor sombra de dúvida!

 

*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.

 

A POESIA

"DESTROÇOS 
Wanda Cunha 

As palavras ruíram como a vida.
A poesia murchou dentro do peito.
E o silêncio abrigou grande ferida.
No trajeto da dor, o desrespeito.
E o amor virou cinza apodrecida.
A esperança morreu sobre o meu leito
E a saudade chorou estarrecida!...
Todo o laço de afeto foi desfeito.
Mas a presença ausente incomodava.
E a ausência presente se calava
nos escombros soturnos da emoção.
Meu agora tornou-se só passado.
O futuro morreu estraçalhado
pela falta que faz meu coração.

 

*************************

A PALAVRA DA AUTORA WANDA CUNHA

 

Poeta Wanda Cunha

Mhario Lincoln, meu irmão, a cada dia, você se excede em você mesmo, reinventando-se em tudo que faz e em tudo que escreve. Como você bem o disse, sob a luz dos ensinamentos de TS Eliot, somos o que lemos.  No mesmo viés, dissera Bakhtin que "A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. A palavra é o território comum do locutor e interlocutor" (BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In __ Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 279 - 326).


Nesse processo de locução  e interlocução, a sua bagagem intelectual tem levado você  a incessante movimento de leitura e crescimento. Esse exercício de resenhar a poesia contemporânea é uma maneira de desnudar os eus líricos de que é feita a nova geração e a velha geração, ao mesmo tempo em que faz de você um propagador de vozes intertextualizadas. Muito lisonjeada com seu olhar filosófico e teorico-literário sobre meu soneto.

 

O exorcismo da dor pela catarse não humaniza as angústias de que essa dor descende, mas ele garante a ressurreição de novos sonetos destroçados, com os quais o eu lírico possa garantir seu  passaporte para viajar a novos quartetos e tercetos tristemente felizes  em seus decassilabos. Maus uma vez, obrigada! Beijo no teu coração. (Wanda).

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Vitória Duarte Há 6 meses São Luís O que dizer de Wanda Cunha? Apenas que ela transita em tudo com muita coragem e isso é admirável. E Mhario? Mhario é um grande divulgador da literatura maranhense principalmente quando fala-se em poesia...Ele é um verso de esperança para os artistas das palavras.
Custodio TavaresHá 6 meses São LuísConheci a Poeta Wanda Cunha em tempos idos. À época éramos meninos, e seu pai, o professor Carlos Cunha, era um brilhante poeta e um grande promotor desta arte àqueles no entorno. Nesse ambiente rico de poesia cresceu a Wanda Cunha, e percorreu sua história de vida poetando. Aqui vemos um exemplar carregado de beleza e de coisas do viver maravilhosamente elaborado pela alma da Poeta q continua a poetar.
Raimundo FonteneleHá 6 meses Barra do Corda Maranhão Um encontro de dois genuínos talentos literários maranhenses, Mhario e Wanda, em torno de um poema da autora, Destroços, uma leitura reconfortante e que nos instiga a lermos mais, pensarmos mais e sermos mais.
Elistia MendesHá 6 meses Sao luis - MANossa! ... Wanda querida, consegues dar materialidade ao sentimento, de forma tal, que tua escrita e tua poetica tão bem descrita, nos faz sentir junto toda a emoção... Que maravilha ter-te poeta, engradecendo a poesia da mulher maranhense. Quanto orgulho.
Dilercy Aragao AdlerHá 6 meses São LuísProfundo poema "Destroços" de Wanda Cunha, faz jus às palavras de Mhario Lincolin. Toda a lavra da poeta Wanda Cunha é perfeita e tocante quanto essa. Parabéns aos dois queridos!♥️
Mostrar mais comentários
Mostrar mais comentários
Lenium - Criar site de notícias