*Mhario Lincoln
Outro dia, fui a uma Banca de Revista em um shopping aqui em Curitiba e comprei um jornal da cidade de São Paulo. Bem em frente, tem poltronas. Sentei-me em uma delas, abri o jornal e comecei a lê-lo. Qual não foi a minha surpresa: 90% dos transeuntes que cruzaram comigo olhavam meio que surpresos em ver alguém lendo "jornal'. Um grupo de estudantes ainda ensaiou uma hilariante gargalhada de desprezo.
Mas afinal, o que eu estava fazendo de errado? Logo me veio à cabeça uma sensação a qual passei a chamar de Orgia da Informação. Isto é, quase ninguém mais se dá conta de que jornais e revistas ainda existem e trazem matérias muito mais buriladas, uma informação composta de pesquisa, suor e lágrimas. Eu fiz muito isso durante meus 50 anos em que trabalhei nas redações dos jornais impressos tanto em São Luís do Maranhão, minha terra natal, quanto em Curitiba, onde resido há mais de 20 anos e aqui, encerrei minha carreira em jornais diários.
Então comecei a pensar: quais benefícios ou malefícios trazem para o leitor, o poeta, o artista em geral, essa orgia da informação, a ponto de um grupo de jovens ensaiar sarcasmos diante de minha simples imagem, lendo um jornal físico, em pleno Shopping? Será que algo sinaliza para uma mudança radical nas atitudes sociais, em relação às formas tradicionais de consumo de leitura? Pronto! Ali estava questionado o assunto que eu deveria me embrenhar rapidamente para entender essa tal de “evolução informativa”.
Seria uma mudança radical, especialmente, nos valores e nas formas de interação com essa informação? Um resultado do excesso de informações disponíveis, que muitas vezes leva à superficialidade e à desvalorização das práticas tradicionais de leitura e reflexão? Pois bem! Isso me levou a estudar esse assunto e durante quase duas semanas consegui encontrar, por exemplo, pensadores como Neil Postman que abordaram questões semelhantes. Em seu livro "Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business", em tradução livre, "Divertindo-nos até a morte: discurso público na era do show business", de 1985, Postman argumenta: "(...) estamos nos divertindo até a morte. Quando uma população se torna distraída por trivialidades, quando a vida cultural é redefinida como um ciclo perpétuo de entretenimentos, quando o discurso público se torna uma 'forma de vaudeville', (quando a mídia eletrônica converte assuntos sérios em entretenimento trivial), então uma nação se encontra em risco a morte cultural é uma possibilidade real."
Aliás, como eu estava relendo "A Terceira Onda", de Alvin Toffler, onde é mostrado o impacto das mudanças rápidas e do excesso de informações na sociedade moderna, pude constatar: “a rapidez da transição para uma sociedade pós-industrial, caracterizada pela primazia da informação e do conhecimento, sobrecarrega a capacidade das pessoas de processar e dar sentido às informações, além de desorientar socialmente a população.”
Escreveu Toffler, ainda "Estamos vivendo uma explosão de informações que ultrapassa nossa capacidade de compreensão. A influência das mudanças nos força a compensar nossas instituições e valores." (Toffler. I980).
E o pior: Marshall McLuhan, em "Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem" (1964), propõe que "o meio é a mensagem", ou seja, a forma como a informação é transmitida, incide mais na sociedade do que o próprio conteúdo. McLuhan sugere que os novos meios de comunicação “alteraram a percepção e a interação humana, provocando mudanças culturais profundas”. Isso pode explicar por que práticas, como ler um jornal físico (atualmente), podem ser vistas como ultrapassadas pelas gerações mais jovens, imersas em mídias digitais.
Aproveito para trazer para a mesma mesa, Guy Debord. Dele, lá pelos idos de 1981, li "A Sociedade do Espetáculo" (1967), onde ele analisa como a vida moderna (imagina um livro de 1967 falando em - vida moderna -) se tornou uma representação constante, onde as imagens mediadas substituem a experiência direta: "Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se apresentam como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vívido tornou-se uma representação." (Debord, 1967). Essa ideia é uma autêntica profecia que me ajudou a entender o verdadeiro cinismo (sim) e a desconexão entre a relação e às formas tradicionais de engajamento com a informação.
Portanto, quando suscito a minha máxima com relação à orgia da informação, posso muito bem trazê-la para o foco das artes (e da poesia, especialmente). Ou seja, poetas como Luís de Camões no século XVII e Lord Byron no século XIX expressaram em seus versos a profundidade de suas emoções e experiências pessoais. Desta forma, seria a criação poética, então, "a expressão espontânea de sentimentos poderosos, tendo como origem a emoção recolhida", como nos confidenciou William Wordsworth, em seu "Prefácio às Baladas Líricas"?
Lembro ainda que os filósofos gregos e romanos também refletiram sobre o processo criativo. Platão, no diálogo "Íon", aborda a ideia de que a inspiração poética é uma forma de "divina loucura" concedida pelos deuses:
"O poeta é um ser leve, alado e sagrado, incapaz de criar até que seja inspirado e esteja fora de si, e a razão não esteja mais nele." (Platão, Íon)
Já Aristóteles, em sua obra "Poética", analisa a arte como imitação (mímese) e enfatiza a importância da experiência humana real na criação artística. Ele argumenta que “(...)a arte deve refletir a realidade, mas também transcender o cotidiano para alcançar verdades universais”.
Ora, então, como funcionará, dentro dessa orgia da informação, o processo criativo? Posso interpretá-lo através do conceito de "simulações", de Jean Baudrillard, onde é explorada a ideia de que “uma sociedade pós-moderna é caracterizada por uma regulamentação de signos e imagens que substituem a realidade”? E assim ficar esperto diante do que ele alerta ainda para "(...) o excesso de informação pode levar a uma perda de significado e consequências, um paralelo direto com os desafios enfrentados pelos poetas contemporâneos na busca por originalidade em meio a um mar de referências"? (Jean Baudrillard, “Simulacros e Simulação”).
Será que essa orgia da informação mudou o 'modus faciendi' da inspiração poética ou artística de um modo geral, tornando-a mais distante da inspiração dos poetas antigos, alimentada por experiências pessoais profundas e sentimentos genuínos, emergindo como uma necessidade intrínseca de expressão?
No meu bestunto, continuo achando que as reflexões de pensadores como Platão, Aristóteles, Debord, Baudrillard, Wordsworth e Toffler, citados nestas linhas, continuam oferecem insights valiosos sobre o processo criativo e destacam a importância de equilibrar referências externas com experiências pessoais para produzir uma arte realmente significativa.
Assim, ou fico ainda mais imerso nas palavras de Ferreira Gullar quando afirma que “(...) a poesia nasce do espanto”?
*Mhario Lincoln, presidente da Academia Poética Brasileira.
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Referências:
Debord, G. (1967). A Sociedade do Espetáculo. Paris: Buchet-Chastel.
McLuhan, M. (1964). Compreendendo a mídia: as extensões do homem. Nova York: McGraw-Hill.
Postman, N. (1985). Divertindo-nos até a Morte: Discurso Público na Era do Show Business . Nova York: Viking Penguin.
Toffler, A. (1970). A terceira Onda/Choque do Futuro. Nova York: Random House.
Ferreira Gullar. Poesias Reunidas. (2001).
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