*Mhario Lincoln
Eu e Joana Bittencourt temos uma linda história de amor. Nós dois nos apaixonamos pela poesia. Simples assim. Há mais de 30 anos temos uma convivência cheia de paz e harmonia sempre tocando nesse amor comum: a poesia, logo depois, incluída aí, a arte, o amor pelo teatro de bonecos que Joana aprendeu a amar junto com seu irmão, o inesquecível Beto Bittencourt.
Ao longo desses anos o fato de se gostar das mesmas coisas evoluiu muito e Joana decidiu me mostrar toda a sua produção lírica: simplesmente incrível o talento dessa confreira (APB-MA) em vários campos da arte e do bom senso, com uma personalidade suave, mesmo inquiritiva, ativa e dinâmica. Confesso que nunca vi Joana perder a classe, nem se zangar com bobagens, nem com algum erro que porventura tenha cometido e consertado logo em seguida. Confesso que admiro muito pessoas assim, pois invejo “pessoas assim”.
Por essa razão, neste mês das resenhas do Facetubes (www.facetubes.com.br), que eu iniciei com a aplaudida poeta Nauza Luza Martins, (APB-DF), não resisti e pedi que Joana também me enviasse um de seus poemas para que eu incluísse na obra -RESENHAS DIÁFANAS- a ser publicada no começo do ano que vem. Foi desta forma que li, reli e amei o lado bucólico de Joana Bittencourt em seu intimista "SOBRE O IPÊ QUE NÃO VI FLORESCER".
Não poderia começar a analisar essa obra sem lembrar que a nossa literatura é rica em poetas que fundiram a lírica com elementos da natureza, utilizando árvores, flores e estações como símbolos para explorar emoções humanas profundas. Basta lembrar Gonçalves Dias (Canção do Exílio "Nossos bosques têm mais vida,/Nossa vida mais amores"). E Manoel de Barros (O Livro das Ignorãças: "passa um galho de pau movido a borboleta"). Eles exploram com simplicidade e profundidade elementos naturais, transformando o cotidiano em poesia e revelando a essência das coisas através de uma linguagem esfuziantemente natural.
Assim vejo o poema "SOBRE O IPÊ QUE NÃO VI FLORESCER", de Joana Bittencourt, seguindo essa tradição, ao entrelaçar sentimentos pessoais com a simbologia da natureza. A espera pelo florescimento do ipê representa não apenas a antecipação de um evento natural, mas também a expectativa por transformações pessoais e momentos significativos que não se concretizaram.
Por outro lado, a mim me parece ser a repetição dos versos "Esperei tanto" algo como um anseio pela passagem do tempo. Porque a transformação do verde em amarelo, do ipê, pode simbolizar a esperança de renovação e beleza que Joana desejava presenciar. No entanto, a necessidade de partir antes de testemunhar esse florescimento, acaba por me fazer entender sobre perdas e oportunidades não vividas. É isso, Joana?
A referência à admiração coletiva ("Todos que te virem de esplendor coroado") e o convite à contemplação ressaltam a universalidade da beleza natural e sua capacidade de despertar emoções profundas em todos que a experienciam. A menção ao "Pai da criação" mostra para mim, uma dimensão espiritual, confirmando que a natureza é uma manifestação divina e, por isso, digna de veneração.
Como acostumei-me a fazer, sempre trago à mesa alguma relação com insights filosóficos. Desta vez, lembro os estoicos, especialmente as reflexões de Marco Aurélio: há uma ênfase na facilidade serena dos acontecimentos naturais e na harmonia com a natureza. No incrível "Meditações", cujo livro é um dos que repousam em minha cabeceira de cama, Marco Aurélio afirma: "Tudo o que acontece é tão comum e familiar como a rosa na primavera e o fruto no outono". Aliás, ao abrir o livro exatamente nessa citação, hoje bem cedo, despertou-me o start para escrever essa resenha.
Pois bem! Essa perspectiva estoica me mostra uma compreensão de que, segundo Marco Aurélio, “(...) a natureza segue seu curso e a serenidade é encontrada na acessibilidade dos eventos conforme ocorrem (...)”. Joana Bittencourt pegou essa estrada, quando começou a escrever seu "SOBRE O IPÊ QUE NÃO VI FLORESCER". Isso me leva a outra premissa: apesar de não ter visto o ipê florescer, a poeta maranhense, presidente da Sociedade Artística Beto Bittencourt, em S. Luís-Ma, encontra consolo na ideia de que outros contemplarão sua beleza.
Vide:
"(...) as lembranças / Daquele setembro distante".
Assim, ela transforma sua experiência pessoal em poesia, perpetuando a beleza e a emoção associada ao ipê florido, ou seja, a essência do poema reside na transitoriedade da vida e na beleza encontrada tanto na presença quanto na ausência. (Muito bom essa transitoriedade florescida/e-ou/ a florescer). Por isso acredito que Joana Bittencourt, neste poema bucólico e introspectivo, consegue capturar (e passar para o leitor que é ainda mais difícil), a melancolia da esperança e a resignação diante do progresso, enquanto celebra a perenidade da natureza e sua capacidade de inspirar e encantar gerações.
Por essas coisas que nós dois amamos poetar, não é Joana?
*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.
O POEMA
SOBRE O IPÊ QUE NÃO VI FLORESCER
*Joana Bittencourt
Esperei tanto pra te ver florir,
Esperei tanto e tive que partir.
Esperei em cada primavera
Que em setembro me presenteasse
Quando teu verde em amarelo transmudasse.
Vi-te crescer portando a certeza
De que já adulto, certamente,
Farias despertar a natureza
E sem demora, inopinadamente,
Explodiria em formosas cores
Brindando com formosas flores
Os olhos mais exigentes da beleza.
Pois que tudo que se torna belo,
Há que ser muito apreciado...
Não pelos meus olhos de velado pungir,
Mas por outras vistas que te verão florir.
E aí... Parem! Pasmem! Admirem!
Todos que te virem de esplendor coroado,
Propalem o encanto que sentirem
Que o Pai da criação
Seja plenamente contemplado.
E quando eu sentir saudades
Do tempo de um Ipê infante
Semearei as lembranças
Daquele setembro distante.
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