*Mhario Lincoln
Outro dia, quando me dirigia à parada de ônibus para visitar um amigo, no centro de Curitiba (PR), uma frase em um papel, preso quase na entrada do ponto, me chamou a atenção. Alguém havia escrito: “Confiança e Simplicidade são as chaves para o verdadeiro amor de Deus.” Fotografei e guardei. Sabia que um dia poderia usá-la. Dito e feito! No percurso feito pelo coletivo até o local aonde ia, voltei a ler a frase e imediatamente me veio à cabeça algo muito parecido ensinado por Santa Terezinha, em cujos escritos lembrava o amor de Deus como “chave para a simplicidade das pessoas, em todas as suas atividades terrenas”.
Agora, algum tempo depois, recebo de minha amiga, imortal APB (MA), poeta e cordelista Raimunda Frazão, este poema intitulado "Vejo a grandeza de Deus". Logo entendi o porquê das palavras de Santa Terezinha, diante da manifestação lírica da presença divina manifestada em diversos versos dessa criativo.
"Vejo a grandeza de Deus
No gesto simples do irmão,
Que quando vê quem precisa
Estende para ele a mão,
Quando ajuda a levantar
Quem se encontra no chão!"
Isso porque, o poema "Vejo a grandeza de Deus", criou em mim um ritmo contemplativo me levando a refletir sobre o sagrado no cotidiano. Decidi analisar estes versos nessa linha de pensamento, onde há ressonância direta com a espiritualidade, especialmente para quem leu Santo Inácio de Loyola: "ver Deus em todas as coisas".
Raimunda Frazão, da Academia Poética Brasileira, seccional MA, a mim me pareceu utilizar, com linguagem simples, imagens concretas – num paradoxo elogiável - para construir poeticamente toda uma grandeza divina. Por exemplo, ao dizer:
"Vejo a grandeza de Deus
Em um botão em uma flor,
No alimento surgindo
Nas mãos do agricultor,
Em cada árvore que existe
Em cada gesto de amor!"
Fica claríssimo como ela evidencia o símbolo do divino para revelar a beleza da natureza, combinando elementos naturais e morais e estabelecendo uma conexão entre o mundo físico e o espiritual.
Vale trazer para a mesma mesa, por simbiose, o místico alemão Mestre Eckhart (século XIV, c. 1260–1328), cujas pregações enfatizavam a presença de Deus em todas as criaturas e características. Ele defendia que “a essência divina permeia todo o universo. E é através da contemplação, a oportunidade do ser humano experienciar essa realidade”. Desta forma, Frazão também segue essa linha de poetar sobre a grandeza de Deus através de elementos como o canto dos pássaros, o nadar do tubarão ou o pulsar do coração. Alinha-se igualmente a essa mesma ideia, o que propôs Friedrich Krause, cuja visão panenteísta, tem eco até hoje. Isto é, “(...)todos em Deus—Krausismo, doutrina que diz que “o universo está contido em Deus, mas Deus é maior do que o universo”, (bem distinto do Panteísmo e Monismo).
Outro paralelo eu posso elencar quando convido Dante Alighieri para sentar comigo: especificamente em "A Divina Comédia", embora Dante explore temas mais ligados à jornada espiritual e à escatologia, esta, uma doutrina que trata do destino do homem e do mundo; pode apresentar-se em discurso profético ou em contexto apocalíptico. Pois bem! No "Paraíso", especialmente, Dante descreve a harmonia do universo como reflexo da perfeição divina. O que faz a estrofe de Frazão:
"Vejo a grandeza de Deus
Na lua cheia a brilhar,
No céu lindo e infinito,
Nas estrelas a cintilar,
O sol estrela Divina
Ao mundo a iluminar!"
Tais versos refletem uma admiração semelhante pela ordem celestial e sua conexão com o divino, ecoando a contemplação cósmica presente na obra de Dante. Além disso, a ênfase de Frazão na simplicidade e na pureza das experiências naturais valoriza a humildade e a presença divina nas coisas mais simples. E isso para mim, fez toda a diferença e me levou a apreciar ainda mais esse trabalho.
O mais bonito de tudo é sentir uma criação poética onde é destacada a manifestação de Deus através da caridade e da solidariedade humana, fatos tão difíceis hoje em dia. Exemplo inconteste do humanismo cristão e da valorização da dignidade humana e a prática do amor ao próximo como reflexo do amor divino. Ufa! Ainda bem que existe uma poeta nesse nível de ainda acreditar e valorizar atos assim.
Desta forma, não há como não esconder o meu encantamento por Raimunda Frazão, através de sua linguagem acessível e imagens vívidas, convidando a mim e a seus leitores considerar a presença de Deus em todos os aspectos da vida. Destarte, sua poesia estabelece um diálogo atemporal e compartilha de forma madura e consciente a busca por uma compreensão mais profunda do divino no mundo ao nosso redor.
Fiquei muito feliz em analisar essa construção lírica. Raimunda Frazão, bem como a reprodução estrutural do poema, reforçam a onipresença de Deus (como diz Krause, “maior que o Universo”) e serve como um lembrete constante da conexão entre o sagrado e o cotidiano.
Que assim seja, poeta!
*Mhario Lincoln, presidente da Academia Poética Brasileira
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A POESIA DE RAIMUNDA FRAZÃO
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