Foto: Um defeito de cor – Ana Maria Gonçalves: Livro que inspirou o samba enredo da Portela, no carnaval de 2024. A fascinante história de uma africana em busca do filho perdido que se tornou um clássico da literatura contemporânea.
*Redação do Facetubes c/departamento de pesquisa
Caiu como uma bomba para os mais de 4 milhões de candidatos inscritos no Enem desse ano, o tema da redação: ‘Desafios para a valorização da herança africana no Brasil’. E sabem por quê? Porque chegou a hora dedar a real importância para a literatura africana diante da literatura moderna mundial. E isso, não só o Enem enxergou, mas muitos chegaram à conclusão que é inegável essa valorização.
Na verdade, a literatura africana em língua portuguesa tem raízes profundas, remontando ao século XVI com a narrativa manuscrita "Tratado breve dos reinos (ou rios) da Guiné", do cabo-verdiano André Álvares de Almada, escrito em 1594. Contudo, foi apenas em 1849 que se imprimiu a primeira obra africana em português: "Espontaneidades da minha alma", do autor angolano José da Silva Maia Ferreira.
Vale saber que no período pré-independência, com o crescimento dos movimentos anticoloniais nas décadas de 1940 e 1950, a literatura começou a refletir intensamente sobre as lutas pela liberdade. Escritores como Noémia de Sousa e Pepetela surgiram nesse contexto, abordando questões sociais e políticas que refletiram a busca pela independência e pela afirmação identitária.
Após as independências conquistadas nas décadas de 1970 e 1980, a literatura africana passou a celebrar a cultura local e a explorar questões identitárias, sociais e políticas. Autores como Mia Couto (Terra sonâmbula um romance que explora a guerra civil em Moçambique através de uma narrativa poética) e Paulina Chiziane tornaram-se vozes poderosas nesse período, oferecendo narrativas que dialogam com a tradição e a modernidade.
Mas vale perguntar para nossos umbigos: a conexão entre a literatura africana e a brasileira é significativa? Basta relembrar que a escravização trouxe quase 5 milhões de africanos para o país. E essa herança cultural é visível na literatura afro-brasileira contemporânea, que busca resgatar e valorizar as experiências e identidades africanas.
Veja: a partir de 2003, com a promulgação da Lei nº 10.639, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, houve um aumento no interesse pela literatura africana, incentivando instituições educacionais a integrarem obras africanas em seus currículos.
Embora a influência dos autores africanos na literatura brasileira tenha sido historicamente silenciada, a cultura africana está profundamente enraizada na produção literária nacional. Autoras como a maranhense Maria Firmina dos Reis—considerada a primeira romancista brasileira e pioneira na crítica antiescravista—, Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo (entre outras expoentes), abordam questões relacionadas à identidade negra, refletindo as experiências afrodescendentes no Brasil.
Desta forma - e é bom aplaudir efusivamente - a interconexão entre as literaturas africanas e brasileiras promove uma compreensão mais ampla das identidades culturais em contextos históricos semelhantes.
Como afirmou o grande escritor português José Saramago, "A literatura é a prova de que a vida não é suficiente", ou seja, pode-se dizer que a literatura africana contribui significativamente para a ampliação do horizonte literário mundial. No Brasil, os críticos literários destacam a importância da literatura africana contemporânea para a compreensão das raízes culturais e históricas do país.
Algumas sugestões para ler livros mais interessantes da literatura africana, começando por "Homens de Verdade", de Mohamed Mbougar Sarr (Editora Malê). Este autor esteve na FLIP este ano e foi uma das sensações do evento. Outro nome: Buchi Emecheta, com obras como "As Alegrias da Maternidade" e "Cidadã de Segunda Classe". Vale ler também, por exemplo, "Niketche: Uma História de Poligamia", de Paulina Chiziane, ganhadora do "Prêmio Camões", um dos mais importantes reconhecimentos da língua portuguesa. Essa obra discute as complexidades das relações familiares na sociedade moçambicana.
E por fim, dentre algumas dezenas de obras importantes, "Nascido do Crime: Histórias da Minha Infância na África do Sul", de Trevor Noah, conta uma história impressionante, inspirada e divertida da infância e juventude de um dos maiores comediantes da atualidade, ambientada durante os anos finais do apartheid e os tumultuosos dias de liberdade que se seguiram.
Desta forma, a valorização da literatura africana é essencial para a construção de um diálogo intercultural que enriquece a compreensão global da humanidade, ampliando perspectivas e promovendo a empatia entre os povos.
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