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15/11/2024 às 15h57
Por: Mhario Lincoln Fonte: Raimundo Fontenele
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Raimundo Fontenele.
Raimundo Fontenele.

Raimundo Fontenele foi indicado para a Academia Poética Brasileira.

TRÊS POEMAS DE ARROMBA E UM DE AMOR

 

Coisa difícil arranjar-se títulos originais. Aliás, após milhares de anos de civilização na terra, nada do que é realmente importante e verdadeiro é original. A internet, as redes sociais, a comunicação sem fio, instrumentos e aparelhos que o homem criou possuem talvez alguma originalidade, mas todo conteúdo que daí resulta é cópia, na maioria das vezes bem inferior ao original.

Cada poema pertence a um livro. O de amor é do livro Pelos Caminhos Pelos Cabelos, de 1982, cuja influência do movimento beat se faz notar, pois é resultado de uma experiência quando viajei pelo nordeste na companhia de alguns hippies, tendo abandonado escola, trabalho, e a segurança de um lar, pedindo carona e alimento e enfrentando o preconceito social e a fúria das polícias estaduais.

Vila das Palmeiras: fragmento de um poema longo que dá título ao livro A Colheita do Mundo, de 1986, obra composta de quatro partes: terra, água, fogo e ar,  de grande fôlego e magia poética. Neste livro alcancei os mais altos momentos poéticos do meu ofício, embora também nunca tenha descido tanto, no que se refere à técnica e na verborragia muitas vezes desnecessária.

Chegamos agora ao poema Ode a W. Blake, integrante do livro Venenos, de 1994, e que, para alguns críticos, é o meu livro mais perfeito em todos os sentidos. Sem falsa modéstia, uma pequena obra prima da poesia maranhense contemporânea.

E finalmente a poesia O Mito, do livro A Via Crucis de um Poeta sem Nome. Escrito de um fôlego em no máximo 15 dias durante o meu período de abstinência, em 2014, quando consegui me livrar para sempre dos vícios mortais do álcool e das drogas. Os poemas deste livro vão da minha infância em São Domingos até os dias de efervescência e tumulto interior nos meus trinta anos vividos em  Porto Alegre. Livro-catarse. Boa leituras, amigos.

 

POEMA DO AMOR EM DESCAMINHO

Raimundo Fontenele

 

1

há nas madeixas dos cabelos lindos

o mesmo gozo de peixes

novamente dentro dos olhos

tens aves rebrilhando

poucas gaivotas

fixas

me fitando

há no sorriso a face das paisagens

teus lábios trazem rios águas mares

a tua voz pungente fere a alva

 

2

teu rosto é como o rosto das planícies

 

 3

tomar-te as mãos planuras sobre a terra

neste verde de ser que respiramos

úmidos de amor

que coisa respiramos?

 

4

atravessar-te lentamente

qual navio singrando as águas

e penetrando mares não sonhados

 

5

reter-te o pulso grave

(grávido de fogo)

quando silenciosa e nua

tiveres no olhar bronzes talhados

 

6

nadador em céus de sangue

piloto de aviões tragados

marinheiro de sombras naufragáveis

 

7

quem sentirá

no vago coração

folhas de duras lâminas

            cortando

                     cortando

                              cortando?

 

 

VILA DAS PALMEIRAS

Raimundo Fontenele

 

Vila das Palmeiras

enfim te vejo

enfim posso curvado aos teus pés

dizer que nem tudo é mentira

do que escrevo

Gonçalves Dias

o Maranhão

teus beijos

posso dizer num verso tudo

do meu exílio

                     logros da infância

e do asco das manhãs quando respiro

viver é achar-me a vida inteira

 

ODE A W. BLAKE

Raimundo Fontenele

 

bom é viver o Céu e o Inferno

assim não me perco nem me salvo

nestas cidades com seus vestígios de vermes

cidade: pântano de serpentes

ancorado em alguma ilha

faísca verde, sentidos

o vômito, a fala

o Vento:

causador de doma na alma

primeiro eu e meus inimigos

Vencidos, toldo

“Abre-te, Paraíso!”

com o pênis exangue escrevo

sob a chama de maravilhosa lâmpada

por que o Bem? Por que o Mal?

Deus, uma escada que a gente salta

Deus, uma pestana do infinito

eu  sou apenas o olho que vê

e vê tudo

 

O MITO

Raimundo Fontenele 

Raspar com uma faca como se escama o peixe,

é fazer nascerem e crescerem os mitos que não nos pertencem.

E por ser o mundo um animal sem formas, por ele trafegam e voam

os mitos ancestrais que nos criaram,

e alimentaram em nós o dom

da forma mais que perfeita.

Blasfêmia é isto: erguer-se qual

um deus ferino e desalmado

para que ajoelhamos e lancemos

nossa rede ao mar: turva

água de amar, pescaria insana

e só por isso o mito permanece.

Se é para cair, sejamos justos:

o mito não é amor e não é ninguém,

apenas a imagem à semelhança desta outra

que nos devolve ao espelho.

 

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