*Mhario Lincoln
“Mais Lágrimas que Sorrisos”, obra de Eugênio de Freitas, constitui uma evidência incontestável do talento literário do autor, demonstrando um domínio notável tanto da forma poética quanto da profundidade temática. A obra se apresenta como um testemunho da capacidade desse maranhense em manipular "a técnica do verso com maestria, posicionando-se como um verdadeiro ‘esgrimista das letras’, como bem disse Aparício Fernandes.
Aliás, fiquei empolgado em complementar o assunto "Eugênio de Freitas", por dois motivos: um, após ler um texto lírico-didático muito bom, do escritor José Neres, confrade aqui da APB, que diz o seguinte:
"(...) Bastante técnico em suas composições, o poeta brejense demonstrava grande habilidade no uso das palavras e perfeito domínio das técnicas de versificação e de rima. Do ponto de vista temático, pendia para os textos de roupagem neorromântica em estrutura parnasiana, mas com ritmo e musicalidade que remetiam também à estética simbolista como pode ser visto no quarteto inicial do soneto “Sensação” (pág. 97):
Quando no meu se demora
o olhar da jovem mais bela,
de dentro vem para fora
o ardor que nutro por ela.
E continua Neres: “(...) A família, a terra natal, a natureza e o amor são alguns dos temas mais recorrentes na poesia de Eugenio de Freitas. Mas em sua poética também havia espaço para questionamentos acerca da realidade e para o sonho de dias melhores para todos, como ocorre no soneto “Ideal”, que foi o vencedor do III Concurso Nacional de Sonetos, promovido pela Casa do Poeta, em São Paulo, e que tem como chave de ouro o seguinte terceto:
Que eu trate, por igual, o rico e o pobre.
Que eu possa, enfim, se for preciso tanto,
morrer feliz por ideal tão nobre, pág. 61 (...)".
O segundo motivo veio-me após uma troca de mensagens com outra grande poeta, a amiga Wanda Cunha, da Academia Maranhense de Trovas e fã de Eugênio. Pois bem! Eu também convivi com ele. Aliás, num encontro na Faculdade CEUMA, onde lançou o livro "Gorjeios", pude acompanhar bem de perto o prestígio que possuía entre a intelectualidade maranhense. Porém, deveria ter sido muito mais.
Naquela ocasião, pude cumprimentar Manoel Ferreira (Lusitana), poeta Laura Amélia, o advogado Rocque Macatrão, o professor Cabral Marques, além de Raimundo Marques (na época, presidente das OAB-MA) e a esposa do autor, Jovita de Freitas.
Esse prestígio é decorrente de um trabalho lírico simplesmente incrível. Por exemplo, na apreciação da forma, esse ilustre poeta nascido em Brejo-MA, alcança uma singularidade rara nos versos, os quais não se repete a mesma vogal nas sílabas, evidenciando um cuidado meticuloso com a metrificação e a sonoridade. Desta forma, claro que vou convidar para a mesma mesa, Olavo Bilac, que me ensinou: "(...) a poesia é a arte da linguagem submetida ao ritmo; sem ritmo não há poesia", e Eugênio parece encarnar esse princípio em sua obra, conferindo aos seus versos uma musicalidade envolvente.
Quanto à essência do pensamento, o poeta transita com facilidade entre o lírico e o filosófico, transmitindo emoções profundas de maneira simples e eloquente. A profusão de sentimentos presentes em "Mais Lágrimas que Sorrisos" reflete isso; a vivência íntima do autor, compartilhada com o leitor de forma sincera e tocante. Ratifico com base no que escreveu Luiz Otávio, conhecido no Brasil, como o "Príncipe da Trova": "(...) a trova é o espelho da alma do poeta, refletindo em poucas palavras toda a sua emoção", e é precisamente essa reflexão que se percebe na obra de Freitas, que contém vários gêneros de construção poética.
No contexto literário do Maranhão, (eu continuo achando que o nosso Estado ainda é a verdadeira terra de grandes poetas), Eugênio de Freitas reafirmou essa força lírica e contribuiu significativamente para a literatura brasileira contemporânea. No entanto, nota-se que ainda hoje há quem questione se “a busca pela perfeição formal não ofusca, em certos momentos, a espontaneidade da expressão poética”, como me falou certa ocasião o poeta-deputado Marconi Caldas, obviamente sem criticar quem quer que seja. Eu e ele falávamos, apenas, sobre o Parnasianismo.
Então, trazendo para meu texto, pergunto: será esse ( o perfeccionismo métrico) o contraponto à obra de Eugênio de Freitas? Em termos de Maranhão, não encontrei resposta. Todavia, encontrei algo interessante no livro de Eno Teodoro Wanke, “A Trova Popular”. Ele escreveu: “embora a metrificação cuidadosa e a sonoridade sejam atributos que conferem sabor aos versos, é crucial equilibrar a técnica com a transmissão da emoção transmitida”.
É evidente que as críticas surgem de todos os lados, quando a construção métrica, sonoridade e perfeição lírica são explícitas como nos sonetos, nas quadras ou nas trovas que compõem seu “Mais Lágrimas que Sorrisos”, um dos livros mais aplaudidos (e mais rigorosos, metricamente) de Eugênio. No entretanto, acredito eu, não se aplicariam tais insinuações (de rigorismo sem beleza sentimental) a produção literária dele.
Ora, quem em sã consciência de saúde mental não encontra beleza no ‘rigor literário, métrico e sentimental’, em “Odisseia”, poemas épicos da Grécia Antiga, atribuídos a Homero; ou mesmo em “O Lusíadas”, de Luís de Camões ou “Os Timbiras”, de Gonçalves Dias ou, ainda, no poema “Crepuscular”, do português Camilo Pessanha, um dos grandes exemplos de rigor formal na literatura mundial? Vale dizer que esse poema de Pessanha é construído com decassílabos e rimas, e utiliza elementos abstratos e sensações para falar sobre a morte de um ser amado. “Crespuscular” é criado dentro do forte rigor estético do Parnasianismo.
Ipisis Litteris:
Crepuscular
Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, dais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.
As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados.
Sentem-se espasmos, agonias dave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas...
--- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.
As tuas mãos tão brancas danemia...
Os teus olhos tão meigos de tristeza...
--- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia. “
Será que o rigorismo, mas com fundamental beleza, tenha obstaculado a ascensão (como deveria) de Eugênio de Freitas, esse monstro sagrado da poesia maranhense? Na mais pura verdade, Eugênio de Freitas deveria, dentro de sua terra natal, ter sido muito maior, apesar de, lá fora, ser admirado por grandes nomes da literatura. Dentre esses, Elton Carvalho, José Firmo, Miguel Russowsky, Silvio Meira, Mariinha Mota e o grande Aparício Fernandes que, inclusive escreveu nas últimas páginas de "Mais Sorrisos que Lágrimas":
"(Eugênio de Freitas) É a evidência inequívoca do talento. Ficamos sem saber o que admirar: se a forma ou a mensagem; naquela, deparamo-nos com um autêntico esgrimista das letras, de tal forma o poeta se sente à vontade em dominar a técnica do verso. No tocante à essência, é profundo, simples, lírico e filosófico, a profusão do sentimento é a mesma (...)".
Destarte, nessa minha rápida análise, o livro “Mais Lágrimas que Sorrisos” é uma obra que merece um maior reconhecimento pelo brilhantismo e precisão com que o autor maneja os elementos poéticos. E mesmo que algum crítico ache que o poeta ‘devesse ter limitado a fluidez da poesia” (an debeatur), a obra de Eugênio de Freitas é um explícito da grandiosidade de um poeta que transforma a rigidez da forma, numa pluma atemporal, que passeia por sobre as brumas da alma.
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