*Mhario Lincoln
Começo essa minha rápida resenha com uma historinha: ela escrevia como quem respirava. Cada palavra, cada linha, cada verso era um suspiro tímido que se encontrava escondido no papel. Escrevia diários com histórias que ninguém viveria, com diálogos que jamais seriam ditos em voz alta. E os poemas… ah, os poemas! Pequenas janelas para um coração adolescente, frágil, onde as emoções dançavam como sombras e luzes em um quarto fechado. Ninguém sabia. Ninguém deveria saber. Porém alguém com ares de traição, abriu uma janela que dava para o universo íntimo de Madalena Ferrante Pizzato e um de seus segredos foi revelado. Ela chorou. Chorou com a intensidade de quem vê o próprio mundo desmoronar. Sua timidez, que era sua couraça e sua prisão, agora estava exposta, frágil como vidro ao cair e se estilhaçar. Então, bem na frente da pessoa que havia descoberto o baú onde guardava suas memórias afetivas, riscou o fósforo. Imediatamente as chamas dançaram e roubaram sua história adolescente. Tempos depois, com aquelas cinzas que o vento não conseguira levar pra longe, reconstruiu suas memórias; as fê-las voltar ao paraíso de seu coração.
Essa historinha (que eu traduzi com minhas palavras) é real e está recontada neste afetivo livro "Chá de Especiarias/Memórias". Afinal, ninguém pode queimar o coração. Mesmo que a decepção e a tristeza sejam combustíveis fortes para isso!
Pois bem! Dia 6 de dezembro de 2024, fui ao lançamento de Madalena e pude ter em minhas mãos esse resgate-memorial, "Chá de Especiarias", organizado pela "Manuscritos Editora", sob o cuidado criterioso da editora e escritora Bernadéte Schatz Costa, que, em sua apreciação liminar (na 4a capa), oferece uma análise de rara habilidade lírica: um véu aromático, sem dúvida.
Segundo Bernadéte a obra se assemelha a um pequeno santuário de instantes cristalizados, em que o tempo passado – aquele já decorrido e, aparentemente, encerrado – renova-se no momento presente através da experiência literária. afinal, imagens da infância e as ressonâncias de um imaginário ancestral capaz de permanecer vívido, mesmo quando os acontecimentos se imiscuem na névoa distante do pretérito.
Diante de tudo isso, acabei escolhendo o poema que gerou toda a queima de arquivos memoriais da adolescência (não vou dar spoiler). Quem tiver a honra de ler esse livro de memórias, entre as páginas 65 e 67, vai entender muito bem o que estou escrevendo e porque contei a historinha vestibular deste texto. Mas, como é de praxe, em meus trabalhos de interpretação sensorial, analiso, abaixo, rapidamente, a essência do poema "Adolescente", de Madalena Ferrante Pizzato.
ADOLESCENTE
*Madalena Ferrante Pizzato
Uma adolescente, alegre e formosa,
vive no momento de seu esplendor.
Quando essa alma palpita graciosa
novos sonhos, procura com ardor.
Quando está sozinha é silenciosa,
faz seus versos e poemas de amor.
Ela nem imagina que na prosa
já versa fantasia e desamor.
Entre as quimeras, imaginações,
suas decepções e desilusões,
cria a sua poesia sem medo.
Com olhar inocente de criança
enche seu coração de esperança,
seu grande amor, espera em segredo.
Nesse poema, "ADOLESCENTE", de Madalena Ferrante Pizzato, a essência poética reside na transição delicada entre a inocência juvenil e as descobertas emocionais, “(...) Quando está sozinha é silenciosa, faz seus versos e poemas de amor(...)”, explorando a passagem sutil entre a inocência e a consciência poética, utilizando uma linguagem que se aproxima do tom clássico e lírico, própria de uma tradição romântica.
A temática central é o despertar interior que acompanha a idade: a adolescência aqui não é somente um corpo em flor, mas uma mente que se move entre o silêncio e a produção criativa, insinuando-se como poeta em formação. O eu lírico sugere que, embora ela ainda não compreenda plenamente o escopo de sua arte, já se manifesta poeticamente como nuances contraditórias do mundo adulto que se aproxima — a descoberta do amor e do desamor, do sonho e da desilusão.
Uma coisa me chama a atenção, também. Refere-se à gestação de uma bela musicalidade dos versos e o cuidado métrico com eles. Aliás, esse é, até agora, um espaço privilegiado da expressão poética, ao mesmo tempo em que internaliza o paradoxo entre esperança e futuro incerto.
Destarte, a poeta delineia esses limiares com versos que ressaltam o desabrochar da imaginação e do desejo, contrapondo a promessa do amor idealizado com a realidade incerta do futuro. A menina que escreve versos no silêncio íntimo do seu quarto carrega o mesmo coração esperançoso e a mesma pureza de olhar, presentes na escrita de Cora Coralina (conterrânea), sobretudo quando esta última evoca a infância e o amadurecimento em poemas como "Aninha e suas pedras", especialmente nos versos – “Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça”. Este livro é, mutatis mutandi, um retrato do que sugere Cora.
Pelo que percebi, as duas poetas explicitam a doçura do olhar inocente e a força sutil de um momento que prevê o abandono do idílio, pressionando na poesia, o bálsamo necessário para o assombro do crescimento.
Parabéns, Madalena. Fiquei feliz de ler, abraçar e sentir essa obra tão bem produzida por Bernadéte Costa, a qual conheci e ela respeitosamente (e de forma humilde), me repassou confiança, profissionalidade e esmero no que faz.
*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira e membro do Centro de Letras do Paraná, uma das mais antigas instituições literárias do Brasil.