Exclusivo para o Facetubes
De Raimundo Fontenele
ÓIA EU AQUI OUTRA VEZ
Continuando a série de livros que chamo de memórias históricas iniciada com o Crônicas do Pucumã, seguida pelo A República dos Apicuns, inauguro aqui no FACETUBES a terceira e pequena epopéia dessa jornada com o livro Memórias dos Mares do Sul.
É na verdade minha vida passada a limpo, juntando os pedaços de mim que a vida espalhou por onde me detive durante anos.
São Domingos da minha infância e pré adolescência; São Luís da minha mocidade, descobrindo-me para as letras, a política e para os ritos de passagem e, por fim, Brasília, Curitiba, Balneário Camboriú e Porto Alegre, lugares fundamentais onde me fortaleci como poeta e amadureci como homem para esta vida, que vivo até hoje, aos trancos e barrancos, como sabem os que de mim são próximos e também os que me conhecem através dos livros que publiquei.
Sem mais delongas e meias palavras aqui vai o capítulo inicial deste MEMÓRIAS DOS MARES DO SUL
No oco do mundo
Em 1976 resolvi imigrar para outras paragens. Não tinha mais o que fazer nem o que viver em São Luís. Vendi, a preço de banana, a minha residência localizada no Conjunto Radional ou Conjunto Eney Santana, juntei tudo que eu tinha, ou seja, nada, só mesmo a mala e a roupa do corpo, farejei o tempo e o vento, e me mandei para Brasília.
Na capital do país tinha três primas: a Olga, casada com Rady Arcoverde, piauiense, funcionário do SNI, pais de quatro filhos, Rady Filho, Tadeu, Marcos e Marcelo, e a Terezinha Cunha que tomava conta de sua irmã Maria Rita, portadora de alguns distúrbios mentais.
E confiava também no apoio do meu amigo Luís Rocha, deputado Federal, que mais tarde se tornaria Governador do Estado do Maranhão, no período de 1983-1987.
Na mesma semana que cheguei, estava aberta a inscrição para preenchimento de vagas na Universidade de Brasília, a famosa UnB por onde passou o grande brasileiro Darcy Ribeiro.
Fiz o teste, passei, e com uns quinze dias de minha chegada, já estava empregado, e fui trabalhar na Faculdade de Engenharia, cujo diretor era um desses milicos que infestavam a direção de todos os órgãos do governo federal.
Afinal, estávamos vivendo desde 1964 sob as ordens do golpe militar pra uns, ditadura pra outros, pra outros mais uma contra revolução.
Aquela solidão em Brasília me pareceu eterna. Sempre havia o choque ao me deparar com uma cidade sem praças e sem barzinhos na esquina. Existiam barzinhos, mas não esquinas.
Aquele descampado verde da grama e vermelho da terra piçarrenta do planalto central, que separava as chamadas quadras e superquadras, causava uma ilusão de ótica, deixava a gente se sentindo uma formiguinha, tão grandes eram os espaços e tão longe os prédios.
Brasília vista do alto, do décimo andar do Tribunal de Contas do Estado, onde se localizava um restaurante de preços módicos para funcionários públicos, tinha realmente o formato de um avião: as asas eram os conjuntos de prédios, de no máximo três ou quatro andares, que formavam as chamadas Asa Norte e Asa Sul; o corpo do avião era o Eixão Monumental; na parte da frente situavam-se os ministérios, o Congresso Nacional e suas duas grandes bacias: uma recebendo e a outra escondendo os recursos tirados do povo, e ainda os Palácios do Itamaraty, do Planalto e da Alvorada.
Mais ou menos no meio do corpo dessa nave administrativa estava a Rodoviária no centro, de um lado a Catedral e do outro, o Teatro Nacional. Também naquelas imediações ficavam os dois shoppings, que não tinham essa designação, e sim Conjuntos, o Nacional e o Venâncio.
Setor comercial, setor bancário, setor de diversões e outros mais, cada um no seu quadrado, conforme projeto urbanístico do Lúcio Costa, um dos expoentes da moderna arquitetura brasileira, cujos prédios tinham a assinatura do não menos famoso arquiteto Oscar Niemeyer.
Melhor contar a minha vida do que a história de Brasília, ou não? Impossível. As coisas seguem juntas e misturadas. Comecei a rotina trabalho-casa. Na Universidade de Brasília tive a sorte de ter como chefe imediato um mineiro boa gente. Simples, sem a arrogância que têm grande parte de chefes e chefetes.
Fazia refeições no Restaurante do Tribunal de Contas do Estado, comida legal, e uma hora que estava saindo deparo-me com o jornalista Adirson Vasconcelos. Ele tinha sido diretor do Jornal Imparcial em São Luís, nos conhecemos lá, ele gostava de mim pelo fato de ser poeta, era um homem de cultura. Falou-me que agora estava trabalhando no Correio Braziliense, exercia as funções de Supervisor Regional e viajava constantemente. Quis saber o motivo de minha estadia em Brasília, falei que estava morando lá, chegara há cerca de um mês.
Ao nos despedirmos, perguntou se eu não queria ir trabalhar no jornal com ele, declinei do convite, informando-lhe que estava trabalhando na UnB, com um bom salário e não pensava em sair daquele emprego. Ele disse que tudo bem, então, e estendeu-me o seu cartão profissional, afirmando que se eu mudasse de idéia poderia procurá-lo.
Aqueles primeiros dias de adaptação mantiveram-me ocupado física e mentalmente, mas em seguida vi-me caindo na nova realidade. Fiquei poucos dias na casa de minha prima Olga. Na verdade era um apartamento, onde residiam ela, esposo e quatro filhos, lotação esgotada. Fui então pra casa da minha outra prima, a Terezinha Cunha, que vivia com sua irmã Maria Rita, e um seu sobrinho, o Emerson, filho do seu irmão Antônio Cunha, que morava no Rio de Janeiro.
Todos esses meus parentes moravam há anos no Rio de Janeiro. Funcionários públicos, vieram para Brasília naquele primeiro momento após a mudança da Capital Federal do Rio para Brasília. Tinham algumas vantagens os pioneiros no povoamento de Brasília. Ganhavam apartamento mobiliado pelo qual pagavam mensalmente uma taxa simbólica, inclusive com direito a telefone, naquela época um objeto do desejo de muitos, tão difícil sua aquisição.
Depois do meu primeiro impacto com a cidade, sem pracinhas e sem esquinas, o segundo foi com o clima. Fazia frio e o ar era seco, cheguei a sangrar do nariz. É bom saber que aquela rotina casa-trabalho-casa estava me deixando entediado.
Mas eu estava ali para recomeçar uma nova vida, sem os excessos do álcool e outras drogas, tinha que encarar tudo de maneira diferente. Suportar o amargo.
(Continua na próxima semana)