Crédito: Editoria de Cultura do Facetubes ( www.facetubes.com.br )
Esta matéria foi escrita com base no depoimento de 1 minuto, publicado no Instagram, do pensador moderno David Lynch, falecido recentemente, autor da ideia básica (essencial) do texto abaixo.
A ideia de que a arte nasce do sofrimento tem raízes históricas profundas e segue influenciando a forma como muitos enxergam o processo criativo. Desde as boêmias do século XIX na França, quando a pobreza e a luta eram frequentemente associadas às desvantagens, até a imagem consagrada do “artista louco, indescritível, mundano, reacionário”, que prevalece no imaginário popular, criou-se uma visão romântica de que o sofrimento seria o combustível essencial da grandeza artística. No entanto, pesquisas contemporâneas e exemplos de grandes mestres mostram que o caminho da criatividade pode ser trilhado em meio à positividade e ao bem-estar.
Em seu livro “Flow: The Psychology of Optimal Experience - Fluxo: A Psicologia da Ótima Experiência”, o psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi aponta que a verdadeira criatividade costuma florescer em estados de concentração profunda, muitas vezes alimentada por emoções positivas e por um ambiente mental estável. Quando a mente está sobrecarregada por problemas, tristezas ou instabilidades, sobra pouco espaço para a livre circulação de ideias. Sob essa perspectiva, "a crença de que a arte depende do sofrimento para atingir altos níveis de excelência perde muito de sua força". Trata-se de um mito que, ao ser reforçado, pode incluir habilidades de artistas que acreditam "ser necessários passar por privações ou desequilíbrios emocionais para legitimar seu trabalho". E isso, não é verdade!
O legado de nomes como Leonardo da Vinci e Georgia O'Keeffe também ilustra a importância de condições desenvolvidas para a expressão artística. Da Vinci, reconhecido pelo seu rigor metódico e planejamento cuidadoso, administrava suas habilidades e pesquisas de forma equilibrada, o que lhe permitia dar vazão à imaginação sem precisar mergulhar em abismo de sofrimento. Já O'Keeffe buscava inspiração em cenários tranquilos e na observação atenta da natureza. Muitas de suas obras revelam núcleos e formas que nascem de um estado de contemplação e alegria, reforçando que a criatividade pode se nutrir da serenidade.
Além de elementos históricos e de exemplos concretos, vários estudos reforçam a tese de que cuidar da saúde mental e nutrir sentimentos positivos é essencial para a produtividade artística. Uma pesquisa realizada pela Universidade de East London indicou que o envolvimento em atividades criativas está relacionado à redução dos níveis de estresse e ao aumento do bem-estar. Esses achados sugerem que um artista que busca estabilidade emocional tem mais chances de produzir de forma consistente e manter a originalidade de sua obra.
"A desconstrução do mito do “artista sofredor” passa também pela necessidade de se questionar as narrativas culturais. Autenticidade e profundidade não são sinônimos de angústia", frase atribuída a David Lynch. Claro que as evidências apontam que artistas amparados por redes de apoio, com tempo de descanso adequado e acesso a recursos que incentivam o aprimoramento de suas habilidades, podem alcançar resultados admiráveis e inovadores. Nesse processo, priorizar a saúde mental e o equilíbrio emocional não só contribui para a qualidade das produções, como também estimula a continuidade de um processo criativo sustentável ao longo da vida.
Nessa perspectiva, é fundamental revisitar o valor simbólico de que o sofrimento sofrido está ou não, no imaginário coletivo. Ao enxergarmos o ato criativo como um exercício de liberdade, descoberta e experimentação, (excerto também atribuído a Lynch), há um reconhecimento de que a arte floresce em atmosferas distintas, "muitas vezes mais próximo do contentamento e da excitação do que da dor". Assim, derrubar a noção de que é preciso padecer para criar, se pode celebrar a arte como um testemunho da capacidade humana de transformar positividade, curiosidade e resiliência em expressões que enriquecem a cultura e inspiram novas visões de mundo.
VÍDEO-BÔNUS
DAVID LYNCH